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05/01/2004 - 10h14

DonaZica traz nos genes a complexa vanguarda paulistana

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MARCOS DÁVILA
Free-lance para a Folha de S.Paulo

Em 1998, num show do compositor Itamar Assumpção (1949-2003) no teatro Crowne Plaza, em São Paulo, duas jovens cantoras que dividiam o palco com ele chamavam a atenção principalmente pela afinação nas complexas linhas vocais itamarianas e pelo sangue no olhar. "Daí vem coisa", pensei, sentado logo nas primeiras fileiras.

Não deu outra: Anelis Assumpção (filha de Itamar) e Iara Rennó (rebento de Alzira Espíndola e Carlos Rennó) formaram, anos depois, o trio Zigzira, junto com a compositora Andreia Dias. O trio deu origem, em 2001, ao DonaZica.

O grupo --composto também por Maria Portugal (percussão), Simone Julian (flauta e sax), Gustavo Ruiz (violão) e Gustavo Souza (bateria)-- lançou seu primeiro CD, "Composição", distribuído pelo selo independente Tratore, e é uma das melhores novidades do circuito "underground" da MPB, ou da "música popular contemporânea da América Latina", como prefere a vocalista Andreia Dias. "O nosso trabalho é autoral e independente", completa Iara Rennó.

Esses rótulos abrangentes revelam a dificuldade de encaixar o DonaZica em qualquer estilo musical. Talvez por isso, ao escutar "Composição", o que primeiro salta aos ouvidos (e "mais óbvio", lembra Iara) é a "influência genética" da chamada vanguarda paulistana. Nos anos 80, o movimento reuniu artistas como Alzira Espíndola e Itamar Assumpção, sem dúvida o maior cancioneiro dessa geração.

É deste último a herança musical que se faz mais presente no trabalho do grupo, seja nos arranjos vocais, na inteligência, na ironia fina das letras, nas composições fundamentadas em complexas linhas de baixo feitas no violão, seja na citação de "Breu da Noite", de sua autoria, em "O Fio da Comunicação", ou na canção "Leve", com a poeta Alice Ruiz, grande parceira de Itamar.

Das flores

"A nossa influência do Itamar é empírica, metade da banda teve envolvimento direto com ele", diz Iara. Alguns integrantes participaram do grupo Orquídeas do Brasil, que acompanhou o compositor na década de 90. "Sempre vai haver essa ligação com a vanguarda paulistana, mas existe uma transformação dessa influência. A gente está dando sequência ao movimento. A gente come e transforma", diz a compositora, evocando a antropofagia do movimento Modernista, outro alimento do DonaZica, que aparece explicitamente na canção "Macunaíma", sobre o "herói sem nenhum caráter" de Mário de Andrade.

Das feridas

A delicadeza dos vocais femininos tem como contraponto algumas canções soturnas como "Até o Dia" ("Cada um com seus problemas/ seus mosquitos/Eles chupam o seu sangue/sua carne"). "Tenho de falar das feridas, não vou falar só das flores. Não faço isso para ficar deprimida, mas para exorcizar", defende Iara. Na canção que leva o nome da banda, elas cantam: "Dona Zica tô vivendo numa boa/E a senhora não me poupa/vem logo me atazanar". Dessa forma, a banda faz de si seu próprio veneno e antídoto.

Há ainda a articulada "Protesto Pessoal" ("E a criatividade é o melhor remédio/a cura pro tédio/ Insere a rima rica no seu verso"), a satírica "Jabá" e a ótima "11.09", sobre os atentados de 11 de setembro de 2001 ("Mais uma página de horror e glória/ Fazendo de vítima o império do dólar/Novo velho deus que a humanidade adora").

Junto dessa trinca de compositoras, um time de músicos de primeira constrói arranjos intrincados e deixa o ouvinte a perguntar: isso é maracatu, é samba, é drum'n'bass, é rap, é o quê? Não importa, é DonaZica. E já era tempo de colher essas orquídeas, feridas em flor, do jardim musical de Itamar Assumpção.
 

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