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10/01/2004 - 02h46

Artigo: Um autor que faz pensar com sintonia fina

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RENATO JANINE RIBEIRO
especial para a Folha

Norberto Bobbio é um dos grandes pensadores políticos que o século 20 nos deixou. Uso o verbo no presente porque, mesmo ele tendo morrido, como pensador continua vivo. Coloco seu nome na mesma lista em que situaria Carl Schmitt, Hannah Arendt, Isaiah Berlin, Claude Lefort e Jacques Rancière, sem me preocupar em ordená-los pelo mérito.

Comecemos notando a frequência com que diz "é preciso distinguir", talvez a expressão mais recorrente em sua pena. Essa preocupação com o "distinguo" não é mania de escolástico: é sinal de que ele pensa com sintonia fina.

Veja-se seu "Liberalismo e Democracia": embora socialista, Bobbio reconhece os méritos do pensamento liberal. Mas não esquece que o termo "democracia liberal" expressa uma contradição ou, ao menos, uma tensão. Distinguir democracia e liberalismo é recusar a pretensão dogmática de que todo o bem esteja de um lado, e todo o mal de outro.

Talvez daí venha, nesse homem que combateu o fascismo, uma moderação que nem sempre agradou à esquerda radical: porque, distinguindo, ele realça as qualidades dos oponentes. Daí também, em sua obra, um tom de diálogo entre as linhagens principais da boa política moderna (assim poderíamos classificar o socialismo, o liberalismo, a democracia e a república).

Mas ele sempre se situou à esquerda. Leiam seu "Liberdade e Igualdade". Quase todos os teóricos da política dizem que a esquerda enfatiza a igualdade, e a direita a liberdade. Norberto Bobbio, não. Ele diz que a esquerda enfatiza a igualdade, que a direita e a esquerda democráticas apostam na liberdade, que os extremos (à esquerda e à direita) não amam a liberdade.

Liberdade e igualdade

O resultado é que ele retira da direita moderada o monopólio da liberdade! E com isso ele dá, à esquerda democrática, a vantagem de ser a única a defender ao mesmo tempo a liberdade e a igualdade.

Desde Hegel, geralmente os filósofos começam fazendo história da filosofia. Bobbio, também. Tem um "Hobbes" de excelente qualidade. Livros de introdução usualmente não passam de aborrecidos guias de leitura. Bobbio escapa dessa praga. Quando fala de um clássico, não é para resumi-lo, mas para expor um viés novo, partindo às vezes de um significante pequeno. Sua leitura é criativa.

O que une sua leitura do passado a sua escrita do presente é o respeito do matiz. É nas distinções que está nossa chance, como cidadãos, de construir uma política diferente ou, simplesmente, de pensar. Um autor inteligente, claro, respeitoso do assunto e do leitor: o que podemos querer de melhor?

Renato Janine Ribeiro, 54, é professor titular de ética e filosofia política na USP e autor de "A Sociedade contra o Social" (Companhia das Letras), entre outros títulos; atualmente leciona na Universidade de Columbia, em Nova York

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