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06/02/2004 - 08h27

Oscar confirma caricatura, diz estudiosa

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

Motorizado pela disputa de quatro estatuetas no Oscar 2004, o filme "Cidade de Deus" reestréia hoje em São Paulo. Traz de volta à pauta, também, discussões sobre ética, estética e política que o acompanharam em sua trajetória inicial.

Em 2002, o filme de Fernando Meirelles se tornou pedra angular do debate em torno de uma suposta "cosmética da fome". O termo foi cunhado por Ivana Bentes, professora e pesquisadora da área de comunicação e cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em confronto à "estética da fome" do cinema novo de Glauber Rocha, nos anos 60.

Para Bentes, o triunfo inicial das indicações ao Oscar não suaviza, mas antes confirma suas hipóteses de dois anos atrás.

"O filme é altamente eficiente como linguagem, mas o Oscar é uma comprovação. 'Cidade de Deus' pega um tema local, da favela e das drogas, e o trabalha na chave do cinema hollywoodiano de ação, a meu ver sem distanciamento crítico", afirma a pesquisadora, que prepara um livro sobre a dita "cosmética da fome".

Ela polemiza, perguntando quando o Brasil será capaz de fazer grandes filmes brasileiros, e não norte-americanos. E logo responde: "Acho que já fazemos, há muito tempo".

O rapper carioca MV Bill, que fez restrições públicas ao efeito que "Cidade de Deus" traria à comunidade real de Cidade de Deus, é outro que afirma que as indicações ao Oscar não mudam suas opiniões.

Ele diz que não criticou aspectos técnicos ou cinematográficos do filme, mas sim preconceitos e estigmas que ele reforçaria sobre sua comunidade. Afirma que a partir das críticas que fez, participou de reuniões com representantes federais, estaduais e municipais de governo.

"Muitas coisas foram prometidas, e a partir dali, pelo menos com a Cidade de Deus o filme já teria cumprido seu papel social. Mas o tempo passou e ficamos falando sozinhos de novo", diz.

"Vou torcer para o filme receber os Oscar, só que o nosso Oscar só virá em forma de ações", completa o rapper.

Caricaturas

Para Bentes, do "Orfeu Negro" de Marcel Camus, em 1959, a "Cidade de Deus", a representação da favela brasileira viajou de um paraíso idílico ao inferno que apenas representa pobres se matando uns aos outros. "É quase igualmente caricatural nos dois casos."

Ela compara a imagem dos traficantes negros animalizados, que se matam uns aos outros em "Cidade de Deus", a dos "Assassinos por Natureza" (Oliver Stone, 1994) de Hollywood. "Por isso chegou ao Oscar", diz.

"Maniqueísta" e "conservador", segundo suas palavras, o filme levaria por intermédio do Oscar uma nova imagem exótica do Brasil, do "turismo do inferno".

O Oscar daria força a um movimento de legitimação da publicidade dos temas sociais, que ela identifica também em filmes anteriores como "Central do Brasil" (Walter Salles, 1998).

Bentes nega que isso signifique uma particularização, no cinema, da retórica social do governo Lula, via Fome Zero. "Não diria que Lula está fazendo uma cosmética da fome. Tudo isso faz parte de um mesmo caldeirão efervescente de reformulação social."

A pesquisadora se descreve, ela própria, como ambivalente em relação à acolhida do filme pela Academia. "Por um lado rompe com nosso complexo de inferioridade. Mas, por outro, vamos continuar sendo apresentados como assassinos por natureza?"

Ela tenta condensar o sentimento ambíguo: "Que bom que estamos no Oscar. Que pena que é um filme que vai reforçar clichês e formar clichês da próxima imagem internacional sobre o tema".

CIDADE DE DEUS
Produção:
Brasil, 2002
Direção: Fernando Meirelles (co-direção: Katia Lund)
Com: Matheus Nachtergaele, Seu Jorge
Quando: reestréia hoje, nos cines Bristol, Jardim Sul e circuito

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