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08/02/2004 - 08h29

Guerra de audiência chega ao Ibope

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MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo

A guerra de audiência chegou ao Ibope. Monopólio desde 1954, quando a audiência de TV começou a ser medida no Brasil, o instituto ganhou um concorrente oficial há um mês, chamado Datanexus, e um questionamento que jamais experimentara --o de ver os seus números serem taxados de equivocados não por um apresentador que despencara audiência abaixo, mas por um levantamento similar ao que faz.

O confronto logo adquiriu ares de um Fla-Flu por uma razão mais ou menos óbvia --o Datanexus é financiado por Silvio Santos, que há mais de uma década alardeia sua desconfiança sobre os dados do Ibope. Mesmo quem tem alergia a teorias conspiratórias, segundo as quais o Datanexus foi criado para produzir dados ao gosto de seu financiador e o Ibope é um pouco mais do que um braço da Rede Globo, as principais conclusões do novo instituto são inesperadas:

O número de domicílios com televisores ligados na Grande São Paulo diminui entre 8 e 10 pontos percentuais na pesquisa Datanexus quando comparada com o levantamento do Ibope;

A audiência da Globo encolhe na mesma proporção (de 8 a 10 pontos percentuais) na medição do Datanexus. Ou seja, o público da emissora no Ibope estaria inflado entre 408 mil e 510 mil casas, já que cada ponto equivale a 51 mil domicílios.

A Ilustrada passa a publicar partir deste domingo uma tabela com os cinco programas mais vistos em cada emissora segundo os dois institutos.

Capricho do SBT

O Datanexus nasceu por uma decisão de Silvio Santos. Foi o empresário quem cedeu para o instituto a tecnologia do aparelho usado para registrar em que canal o televisor está sintonizado, uma invenção do engenheiro Alfonso Aurin, do SBT. A emissora é o único cliente do Datanexus.

O cientista político Carlos Novaes, 46, que fundou o instituto, reconhece a fragilidade: "Se o SBT não renovar o contrato em julho, o Datanexus acaba".

É claro que não foi para isso que Novaes criou a empresa. Pesquisador por 11 anos do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), ex-comentarista de pesquisas da TV Cultura, sua ambição é criar um índice de audiência acima de qualquer suspeita, algo como a taxa de inflação da Fipe, a fundação ligada à USP.

A primeira dificuldade, segundo Novaes, é que o SBT só tinha cerca de 250 aparelhos para instalar nas casas para registrar as mudanças de canal. Para se ter uma idéia do contraste, o Ibope usa 750. "Nossa amostra tem cerca de 250 domicílios não porque eu decidi, mas porque era o número de aparelhos que eu tinha", conta.

O tamanho da amostra nesse tipo de pesquisa determina a precisão do levantamento. O raciocínio é simples: se você entrevistar cinco pessoas sobre o que ela vê na TV entre 20h45 e 22h, não poderá tirar muitas conclusões; se ouvir 10 mil, o quadro muda.

Novaes afirma que driblou a restrição da amostra refinando os critérios para escolhê-la. Primeiro, diz ter feito 3.000 entrevistas domiciliares sobre hábitos de consumo e de ver TV. Montou uma pseudo-amostra com 50 casas e ficou 11 meses "enchendo o saco das pessoas", como conta.

Descobriu que as crianças e os mais idosos tinham problemas para manejar o controle remoto que usa para registrar as mudanças de canal e alterou o design do aparelho.

Com o Censo de 2000 em mãos, Novaes diz ter feito mais 10 mil entrevistas domiciliares para escolher a sua amostra. Seu maior choque, conta, foi ter descoberto que a mulher manda no controle remoto mesmo quando o marido chega em casa.

Novaes afirma que não faz comparações com os dados do Ibope porque não assina os serviços do concorrente. O máximo que se permite é comentar dados que seus "amigos" do SBT e da Cultura lhe passam. Por esses números, arrisca uma interpretação da divergência dos dados do Datanexus e do Ibope, sobretudo o fato de a audiência da Globo encolher no seu instituto. "Isso talvez ocorra porque a amostra do Ibope privilegia as classes AB", diz, referindo-se ao topo da pirâmide econômica. Nesse segmento, a audiência da Globo é maior, de fato.

Outra razão da divergência, segundo ele, resulta do fato de o Ibope não instalar aparelhos para monitorar audiência em favelas. "Isso é um escândalo porque os favelados são 6,5% da população na Grande São Paulo."

Cirurgião e residente

Flávio Ferrari, 44, diretor do Ibope Mídia Brasil, não gosta de ver o seu instituto cotejado com o Datanexus: "Mal comparando, seria como confrontar a opinião de um cirurgião renomado, com experiência internacional, com um médico residente. Somos o segundo instituto do mundo em número de operações, estamos em 13 países, só perdemos para a Nielsen", desfila.

E a diferença de audiência? Ferrari confirma que o Ibope não instala medidores em favelas para "preservar a integridade dos funcionários".

Substitui o barraco ou casinha de alvenaria por outra similar em área segura.

Mas essa divergência, de acordo com ele, não explica os índices diferentes. Ferrari acha que o problema é do concorrente, claro. Segundo ele, quando o Datanexus chega a um domicílio com mais de um televisor não instala o seu controle em todos os aparelhos.

Só para se ter uma idéia da distorção que isso provocaria, 55% dos domicílios da Grande São Paulo têm mais de um televisor.

"Quem mede só um televisor por casa sabe que só vai encontrar um número menor de aparelhos ligados. Isso explica em parte a diferença de audiência entre o Ibope e o Datanexus", diz Ferrari.

Novaes confirma que não mede todos os aparelhos porque isso seria um erro. "Você pegaria um número gigante de aparelhos desligados. Isso não faz sentido." Ele afirma que, a partir da pesquisa que fez, sabe "com precisão" que aparelho da casa deve ser monitorado pelo Datanexus.

Segundo o Ibope, esse método não é usado por nenhum grande instituto.
O Ibope vê outro problema grave na metodologia do Datanexus: o aparelho usado por este instituto exclui os televisores sem controle remoto. Na Grande São Paulo, 11,4% dos aparelhos não têm controle remoto --uma população que é quase o dobro da de favelados. "Uma amostra como essa não representa os domicílios com TV na Grande São Paulo. É por isso que há diferenças", acredita Ferrari.

O engenheiro eletrônico e doutor em estatística Sebastião Amorim, 55, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) que ajudou a MTV a criar um método para monitorar audiência em nichos de mercado, acha que as divergências "são absolutamente naturais e seria muito estranho se os resultados fossem iguais".

A razão da divergência, segundo ele, é o fato de a amostra ser fixa. Se as casas escolhidas pelo Ibope, por exemplo, tiverem uma tendência pró-Globo, sem qualquer manipulação, isso será mantido porque a amostra não muda, segundo ele. "Amostra fixa é quase sempre viciada sem que o vício seja intencional. A única solução seria usar uma amostra rotativa, mas isso custaria caro", pondera.

De uma coisa Amorim diz ter certeza: a amostra de 250 domicílios da Datanexus "é muito pequena, não há suporte teórico que garanta confiabilidade".

Para o Ibope, o custo alto da pesquisa poderá por inviabilizar as pesquisas do Datanexus. Em 1995, a Nielsen, maior empresa de pesquisa de audiência do mundo, tentou entrar no mercado brasileiro e acabou desistindo --acabou comprando 11% do Ibope.

Ferrari acha que a existência de mais de um índice atrapalha, é quase uma aberração: "É como se existisse mais de um câmbio no país, mais de um preço para o mesmo produto na vitrine".
 

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