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09/02/2004 - 10h15

"Arena" examina dias de movimentos coletivos

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SÉRGIO DE CARVALHO
Especial para a Folha de S.Paulo

"Teatro de Arena: Uma Estética da Resistência" é um livro que se move entre a recordação afetiva e a preocupação com o futuro da vida cultural no país. Não há fixidez nessas entrevistas discordantes, entremeadas por relatos do autor, Izaías Almada, que integrou o elenco do Arena no período dos grandes musicais e sabe evitar o sentimento imobilista de que "a vida foi ontem".

Ao se pôr do lado da incerteza, Almada move suas inquietações em torno da pergunta: por que tantas iluminações artísticas viraram artigo de consumo? Sua atitude inconformista o diferencia de intelectuais e artistas dessa geração que solidificaram a certeza da inevitabilidade do pior e, hoje, desqualificam a ingenuidade de seu passado de esquerda, reduzindo a dimensão dos atos pela medida dos enganos ideológicos.

De fato a orientação "nacional-popular" para a cultura, oferecida pelo Partido Comunista, vinha junto a uma "visão curta da realidade brasileira", nas palavras de Chico de Assis. Mas contra um aburguesamento culpado e um antiidealismo abstrato, Almada tenta entender como as práticas coletivizantes puderam superar a precariedade doutrinária e produzir um material artístico novo.

A última entrevista do livro toca no nervo do problema, no momento em que Antonio Fagundes diz que ao Teatro de Arena só interessava a qualidade: "Nós não podíamos estar fazendo uma coisa tão boa para tão pouca gente".

Paradoxalmente, o mesmo argumento discutível tinha levado, em 1961, a uma dissidência produtiva dentro do Arena, que criou o CPC: era preciso uma arte popular capaz de "atingir as massas". A história do país sob a ditadura, contudo, não permitiu que perdurassem as invenções experimentais e coletivistas daquele movimento que sonhou uma "ida ao povo" bem diferente da que faz a Rede Globo. Restou a alternativa idealista de interferir no sistema de produção simbólica apenas individualmente, numa negociação com o mercado cultural em formação. Sem espaços igualitários de trabalho, os discursos se homogeneizaram: a necessidade de sobrevivência e a dificuldade em reconhecer a insuficiência da ação apenas "cultural" propagaram a ideologia cada vez mais abstrata da "quantidade necessária". O valor da irradiação qualitativa do teatro não importa mais. Iniciou-se um ciclo de diluição artística da representação brasileira ordenado pelo padrão medíocre do supermercado mundial da cultura.

O Teatro de Arena foi um laboratório em que muitos artistas aprenderam a olhar a miséria brasileira de frente e a reconhecer-se na imagem. O caminho da qualidade foi traçado após 1958, com "Eles Não Usam Black-Tie", de Gianfrancesco Guarnieri. O sucesso da peça devia ser ampliado, e a força do assunto operário (que já tinha aparecido antes no teatro brasileiro sem maior repercussão) agregou a equipe em torno de um inédito "sentimento da história brasileira", forte o bastante para instaurar um modo mais coletivo de construir a cena. Os estudos dramáticos do Seminário de Dramaturgia do Arena não se realizariam sem uma atitude extraficcional que se imprimia no palco: o Arena se tornou um lugar em que as funções de atores, autores e diretores ganharam sentido simbólico frente à exigência de mobilização da época. Era essa inter-relação que não podia ser levada para a TV, que procurava um desenvolvimento industrial.

Numa notável omissão, o autor não dá voz consistente a Augusto Boal e Guarnieri, que talvez tenham opinião sistematizada sobre a época. Não é o caráter dos protagonistas que interessa, mas os movimentos coletivos. As ausências têm importância épica no conjunto desse livro, que depende da colaboração do leitor, assim como o Teatro de Arena dependeu do espectador para existir, num tempo em que a relação fundamental com a cultura não era a do consumo hedonista.

Sérgio de Carvalho é diretor integrante da Companhia do Latão

Teatro de Arena
Avaliação:
Autor: Izaías Almada
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 25, em média (159 págs).
 

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