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14/02/2004 - 03h20

Festejos e lançamentos de livros relembram os 20 anos sem Cortázar

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FRANCESCA ANGIOLILLO
free-lance para a Folha de S.Paulo, na Cidade do México

Que se acendam todos os fogos para Julio Cortázar. O ano de 2004 concentra duas efemérides de peso que concorrem para relembrar o autor argentino: não houvesse morrido há 20 fevereiros, completaria em agosto o 90º aniversário.

Nascido em Bruxelas (onde o pai era diplomata), morto em Paris (cidade que adotou em 1951, por repudiar o peronismo, tendo sido feito cidadão francês em 81), Cortázar calcou seu nome não só no campo literário --transitando com afincada coerência entre crítica e ficção--, mas também no político --manifestando repetidamente sua crença incondicional no comunismo e na via revolucionária como solução para os problemas da América Latina.

Cortázar será celebrado ao longo do ano em diversos eventos, que se estendem das margens do Rio da Prata até as do Sena --no dia 12, aniversário da morte, inaugurou-se em Buenos Aires e em Paris o "Ano Internacional Cortázar"; as homenagens passarão por países como Colômbia e Espanha.

Um dos pontos do percurso a concentrar mais homenagens é o México --onde Cortázar batiza uma importante cátedra na Universidade de Guadalajara (UdeG).

Instituições prestigiosas no país --além da própria UdeG, a Universidade Nacional Autónoma de México (Unam), o Instituto Nacional de Bellas Artes e a editora Fondo de Cultura Econômica-- prepararam festividades, cujo ponto alto começa hoje, em Guadalajara, com o colóquio "Cortázar Revisitado: Nuevas Lecturas".

No Brasil está previsto o lançamento em agosto de um inédito, "A Volta ao Dia em 80 Mundos" (Civilização Brasileira). O selo do Grupo Record também tem na gaveta outra preciosidade não conhecida por aqui do homenageado, ainda sem data de lançamento: "Último Round", livro-almanaque com ensaios, poemas, contos e outros escritos.

O colóquio de Guadalajara se esforçará por cobrir a complexidade do universo cortazariano, abordando, em sete mesas-redondas, aspectos que vão da presença do fantástico em sua obra até seu ideário político, além de organizar uma série de atividades culturais paralelas.

O traço fantástico-lúdico é talvez o mais fortemente relacionado à ficção de Cortázar --autor que aparece com freqüência sob o frouxo rótulo do "boom" latino-americano, pespegado igualmente a diversos autores de sua geração. Cortázar se incomodava especialmente com a chancela geográfica aplicada ao "grupo". Reivindicava que seus autores fossem reconhecidos por seu valor, a despeito de sua origem.

"O que cansa é essa espécie de 'localismo' como condição moral que justifique uma obra", diria ao jornalista uruguaio Ernesto González Bermejo ("Conversas com Cortázar", Jorge Zahar Editor).

E, se é inegável que um dos pilares de sua obra seja a manifestação do fantástico no cotidiano, é preciso dizer também que ela acontece, em Cortázar, numa linha muito própria --que se aproxima, por momentos, do norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849) ou do também argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) e que pouco tem a ver com a literatura do colombiano Gabriel García Márquez, este sim autor paradigmático do "boom".

Cortázar explorou os limites do real, do tempo e do acaso e procurou explodir os do romance, construindo um projeto de longo prazo a partir de uma visão muito particular do gênero, expressa na "Teoria do Túnel" (47). No texto, defendia a coadunação de uma poética decorrente do surrealismo com a filosofia existencialista.

Tal projeto, aplicado desde sua primeira incursão romanesca, "Divertimento" (1949), se realizaria em "O Jogo da Amarelinha", de 1963. No livro, encontram-se pontos fundamentais que balizariam a obra do autor: o questionamento existencial, os desígnios do imponderável e, finalmente, o aspecto lúdico, resumido no título e levado ao extremo na forma do romance, composto de fragmentos intercambiáveis.

Talvez tenha sido o próprio Cortázar quem definiu melhor o inconformismo que o levaria, na arte, a forçar as barreiras formais e, na política, a defender ferrenhamente os ideais revolucionários:

"A mim não bastava que dissessem que isso era uma mesa, ou que a palavra 'mãe' era a palavra 'mãe' e estava acabado. Ao contrário, no objeto 'mesa' e na palavra 'mãe' começava para mim um itinerário misterioso que às vezes chegava a franquear e no qual às vezes me estrelava. Em suma, desde pequeno, minha relação com as palavras, com a escritura, não se diferencia de minha relação com o mundo em geral. Eu pareço ter nascido para não aceitar as coisas tal como me são dadas".

Colaborou Cassiano Elek Machado.
 

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