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10/04/2004 - 06h19

Livro embaralha ficção e realidade para mostrar vida na Rocinha

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SERGIO TORRES
da Folha de S.Paulo, do Rio

Autor do recém-lançado "Sorria, Você Está na Rocinha", o jornalista, escritor e tradutor Julio Ludemir tomou uma decisão difícil para um homem radicado há anos no Rio: foi embora.

O motivo da mudança é a violência. Mas não por ter sido vítima de algum ato criminoso. Ludemir, 44, está apenas se prevenindo. No novo livro, ele descreve, em forma de ficção, uma teia de conivência que une, na favela da Rocinha, tráfico de drogas, líderes comunitários, ONGs, policiais, artistas e moradores.

A ficção é o rótulo do livro, mas tudo o que está nele --ou pelo menos tudo o que realmente importa na narrativa-- é real. Só mudam os nomes. Mudam pouco, aliás.

Com um pouco de conhecimento sobre a favela, fica fácil descobrir quem é quem durante a leitura das quase 400 páginas. O chefão do tráfico identificado na narrativa pelo apelido Bigode é Luciano da Silva Barbosa, o Lulu, líder da facção criminosa CV (Comando Vermelha) e "dono" (para usar a expressão local) da Rocinha. O dirigente comunitário MC é, na vida real, William de Oliveira, o DJ, eleito neste ano presidente da União Pró-Melhoramentos da Rocinha, a mais influente associação de moradores da favela.

Contar tudo isso em um livro valeu a Ludemir a pecha de X-9, termo que, no Rio, significa delator, informante da polícia, traidor. A lei do tráfico é inclemente: X-9 não tem perdão, morre.

Na tentativa de evitar um desfecho de vida trágico, Ludemir deixou o Rio há cerca de dez dias. Disse a poucos para onde foi. Avisou que dificilmente voltará ao Rio. Na Rocinha, nunca mais pisará. Ele sabe que não terá uma segunda chance. No ano passado, Ludemir chegou a ser julgado pelo tráfico, em uma espécie de tribunal improvisado na principal "boca" (local onde ocorre a venda de maconha e cocaína) da favela. Na argumentação, conseguiu convencer Lulu e desceu o morro ileso, mas com as pernas bambas.

"Isso aqui é lugar com mil maneiras de morrer e uma apenas de viver", ensina o caboclo Seu Tranca em uma passagem do livro.

A Rocinha é o emblema das favelas cariocas. Costuma ser citada como a maior da América do Sul, embora não haja confiabilidade nos dados comparativos. O Censo 2000 listou 56.338 moradores. Na favela, fala-se em muito mais: umas 200 mil pessoas que se aglomeram em uma área de 1,44 milhão de metros quadrados.

Para escrever o livro, Ludemir passou seis meses morando na Rocinha. O personagem principal é Luciano, evidente alter ego do autor. Luciano é um jornalista do "asfalto" que vai morar na Rocinha com o objetivo de escrever um livro sobre a comunidade.

Nas suas idas e vindas por becos e biroscas do morro, conhece pessoas, conversa com todo o tipo de gente, vivencia experiências variadas. A mais incrível, a do julgamento, é contada no livro.

Nas suas apurações, Ludemir vislumbrou existir na Rocinha uma elite que, mesmo favelada, se vale do maior poder aquisitivo e/ ou das ligações com o "asfalto" para lucrar com a pobreza alheia.

"A Rocinha não é o bolsão de miséria que os espertalhões divulgam na mídia para encher a burra de dinheiro com os projetos que conseguem atrair", afirma o escritor na página 128.

A obra é a segunda em que Ludemir aborda a questão das favelas e da criminalidade. Há dois anos, lançou "No Coração do Comando", também uma ficção embasada na realidade, no caso o romance de uma sobrinha de um fundador do TC (Terceiro Comando) com um criminoso do CV. A moça acabou morta por causa do relacionamento. No livro e na vida real.

SORRIA, VOCÊ ESTÁ NA ROCINHA
Autor: Julio Ludemir
Editora: Record
Quanto: R$ 44,90 (398 págs.)
 

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