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24/04/2004 - 07h37

Tinhorão pensava em vender coleção na rua

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

Quem parece outra pessoa diante da digitalização de sua valiosa coleção é José Ramos Tinhorão, 76. Documentos reunidos durante toda sua vida se mudaram da quitinete em que vivia no centro de São Paulo para o Instituto Moreira Salles --de onde partirão para o ciberespaço.

Ele próprio se mudou da quitinete, passou a ser primeiro funcionário e depois consultor do IMS e continua escrevendo febrilmente seus livros de pesquisa histórica (dois saem neste ano, no Brasil e em Portugal).

Fala sobre o pulo: "Eu já havia dito "doar eu não dôo, porque fiz com meu sangue num país que nunca fez nada por mim". Pensei em colocar um jornal no chão da av. São João e vender meus discos na rua. A responsabilidade histórica ficaria para eles'".

Mas aí aconteceu o IMS, para o qual vendeu "quase de graça" --não revela o valor. Eis a dimensão de seu alívio: "Me dá uma tranquilidade enorme. Pensava o que é que ia fazer com isso tudo, não sou mais uma criança".

Se põe a falar sobre sua atividade: "Há diferenças entre o colecionador fetichista, que se apega ao objeto e só a psicanálise pode explicar, e o que tem a finalidade da pesquisa. Esse deve pôr seus arquivos em circulação".

José Luiz Herencia, do IMS, atesta o caráter documental de sua coleção. "É completa, abrange todos os ciclos. Não se fecha no gosto dele. Inclui tudo, até música de dita má qualidade", relata, citando Celly Campello e discos de versões, notoriamente odiados pelo nacionalista Tinhorão.

Esse diz que ainda mantém resistência ao computador ("eu pessoalmente não uso, deixo com minha cara-metade, que é também minha secretária"), mas não esconde que está maravilhado. "É uma coisa fantástica, vai botar em rede meu acervo em São Paulo e o de Humberto Franceschi no Rio."

Calcula que, reunidos, seu acervo e o de Franceschi somem 70% de tudo que se gravou no Brasil em 78 rpm. "Sozinho, acho que eu teria, vamos dizer, uns 50%", estima, após certa resistência.

Tinhorão fala com ternura de Franceschi, que como ele cursou direito, mas não exerceu. "É parente do Vinicius de Moraes, tinha um tio que era delegado e tocava violão. Um dia uma senhora de Copacabana reclamou do barulho no apartamento ao lado, a polícia foi investigar e era o delegado", ri, citando de raspão a outro inimigo histórico, Vinicius.

"Não sou amante da bossa, mas tenho tudo. Sou um historiador, tenho que ter", resmunga.

Mas volta o espanto: "É incrível, a digitalização colhe todo o chiado. Voltam instrumentos que não se ouviam mais. Se o disco está riscado, fazendo "trunc", "trunc", ela edita. Fico deslumbrado. Há o lado perigoso de trair a música original, mas isso existe sempre".

Tal sentimento é compartilhado por Nirez, lá do Ceará: "Acho formidável que se possa digitalizar a discoteca, para que fique mais à mão, tanto para mim como para o público. A Petrobras e o Ministério da Cultura vieram concretizar um pensamento mais ou menos antigo que sempre tive".

De volta a Tinhorão, ele reflete sobre algo que sempre combateu --a contaminação entre música brasileira e internacional, que se consuma no acesso que o mundo todo terá a seu tesouro. "Se um cara na Austrália ouvir pode gostar de uma frase melódica brasileira e imitar, mas isso já se fazia com disco. Vai ser mais rápido, mas se já existia não altera nada."

É um ato de generosidade seu? "Poderia ser o caso de eu dizer: "Pô, tive tanto trabalho a vida toda, e agora vai vir cara cagar regra em cima do que fiz?". Mas deixa, se for um tinhorão melhor ainda que o Tinhorão, parabéns, vou me sentir honrado. Se não, fico aqui rindo." E completa: "Nem sou tão virtuoso assim, descobri que talvez seja até minha vaidade".

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