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25/04/2004 - 06h27

"Bibliófilos" de Paraisópolis vão à Bienal e criticam preços de livros

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CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Com 12 anos, Victor Pinheiro de Abreu passa pelo menos cinco horas por dia, desde o ano 2000, cercado por mais de 8.000 livros.

Ele sabe quanto custa um "Harry Potter" em cada uma das grandes livrarias de São Paulo, tem de cabeça, como quem guarda a escalação de seu time, os nomes das grandes editoras do país, conhece as nuances do gosto das dezenas de leitores que atende todas as tardes em uma biblioteca na favela de Paraisópolis. Nunca tinha ido a uma Bienal do Livro.

Esta semana, o garoto estreou no maior evento do mercado editorial brasileiro. Ele e Claudemir Alexandre Cabral, 23, "criador, presidente, diretor-financeiro, atendente e faxineiro" da biblioteca que funciona há oito anos na segunda maior favela de São Paulo foram ao Centro de Exposições Imigrantes, a convite da Folha.

Durante mais de três horas, a dupla vasculhou os 45 mil metros quadrados bienálicos.

Ganharam mais de dez livros, receberam tapinhas nas costas dos presidentes das duas principais instituições do mercado editorial brasileiro, Oswaldo Siciliano e Paulo Rocco, posaram para fotos com escritores, saíram do feirão com o mesmo palpite. "A Bienal é "dez". Só não gostei dos preços. Por isso não se vende livros no Brasil", analisa Victor.

Claudemir já sentiu o mesmo no bolso. Tanto ele quanto dona Gessi, a "mãetrocinadora" da Biblioteca do Paraisópolis. Agoniado com os pedidos da criançada, ele arrecadou com a mãe, empregada doméstica no bairro de Moema, no final do ano passado, dinheiro suficiente para sua grande compra do ano: investiu R$ 160 nas quatro primeiras aventuras do mago mirim Potter. Um exemplar extra, em inglês, de "Pedra Filosofal", aterrissou de Boston, dado por uma americana.

Foi com outras doações que Claudemir levantou do chão a Becei (Biblioteca Escola Crescimento Educação Infantil). Começou sua quixotada em 1995 na sala de casa, à época um barraco de madeira. Era a "Minibiblioteca do Mimi". "Minibiblioteca" aludia ao tamanho do acervo, 15 livros; Mimi é o modo como Claudemir ainda é chamado pelos cerca de 150 visitantes diários que passam entre as 10h e as 21h no espaço em que o rapaz armazena 8.000 livros e quatro computadores, com acesso à internet.

Claudemir diz não ter notícias de que algum dos usuários de sua biblioteca tenha estado na Bienal. Ele já estivera uma só vez no evento, em 1999, para debater com o então presidente da Câmara Brasileira do Livro, Raul Wassermann, e com o ex-secretário do Livro, Ottaviano de Fiore.

"A feira parece que cresceu, mas não mudou muito", pondera Claudemir. Tanto ele quanto Victor, seu "voluntário", ficaram espantados com o público.

"Nunca vi tanta gente na minha vida", afirmou Victor, "nem no Estádio do Morumbi". Na quarta-feira em questão, feriado, a Bienal diz ter recebido 70 mil visitantes, mesmo número de moradores estimados da favela na qual moram os dois. De olhos na multidão, Claudemir brinca: "Depois dizem que brasileiro não gosta de ler".

Victor faz o contraponto, olhando para uma prateleira de livros de filosofia no estande da editora Paulus ("filosofia é um tema muito procurado na biblioteca"): "R$ 30 por livro. Se o cara compra três livros já foi R$ 100".

Algumas estantes mais à frente, Claudemir aponta "O Código Da Vinci", de Dan Brown. "Já recebi pedidos para comprarmos este livro." O livro foi à venda há menos de 15 dias. "Meus usuários são exigentes." Claudemir diz que a lista de espera na Becei para ler o quinto "Harry Potter", por exemplo, já é de 58 pessoas. E a biblioteca nem tem o livro. Não tinha.

Os dois saíram da Bienal com um "Harry Potter e a Ordem do Fênix" estufando a sacola, junto com exemplares de "Nova História", de José Jobson Arruda, que ganharam no estande da Edusc, "Sempre, às Vezes, Nunca", de Fábio Arruda, presente da editora Arx, entre outros livros.

Ganharam mais ainda promessas de outras muitas doações. "Vou começar a cobrar amanhã mesmo. Se não, já viu", diz Claudemir.
 

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