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07/05/2004 - 08h57

"Diários de Motocicleta", sobre a juventude de Che, estréia hoje

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

- Até aqui chegamos.

- Que ocasião para um brinde!

Cada vez que esse diálogo era ouvido no set de "Diários de Motocicleta" --filme do diretor brasileiro Walter Salles em que o mexicano Gael García Bernal interpreta o revolucionário Ernesto Che Guevara (1928-67) e o argentino Rodrigo de la Serna vive o bioquímico Alberto Granado, amigo de Che--, a equipe de produção dava por completa mais uma etapa da peregrinação de 8.000 km pela América Latina.

O longa, que reproduz viagem dos jovens Ernesto e Alberto feita em 1952, estréia hoje no Brasil. Salles, Bernal e De la Serna seguem na estrada. Agora, rumo ao Festival de Cannes (de 12 a 23 de maio), onde acompanharão a disputa do filme pela Palma de Ouro.

Numa breve estada em São Paulo, na semana passada, diretor e atores falaram à Folha.

CHE

Walter Salles -
É um personagem muito difícil, porque tanto a comercialização pop como o processo de totemização de Che são formas de distanciá-lo da pessoa comum.

BERNAL COMO CHE

Rodrigo de la Serna -
O papel de Gael é um dos mais difíceis para um jovem latino-americano. Che é um mito que sempre gerará polêmica, porque pode ser encarado sob inúmeros pontos de vista. É muito fácil crucificar alguém que decida por um caminho. Gael conseguiu se despojar dessa pressão e fazer um grande trabalho.

Salles - O Oscar sempre premia personagens que parecem enormes, que os americanos chamam de "larger than life" (maiores que a vida). Esses personagens me parecem caricatos. Tinha medo de que Che tivesse essa característica. Gael compreendeu que era necessário criar alguma forma de identificação e de falibilidade, de incerteza. E teve coragem para fazê-lo. Todos esperam o contrário. Não esperam Ernesto, mas o Che, um homem já certo de seu papel na história, não o que o busca.

DE LA SERNA COMO GRANADO

Salles -
Fizemos testes com atores e não-atores durante quase oito meses. Rodrigo foi uma evidência. Ele tem uma qualidade que se perdeu no cinema, algo que os grandes atores humanistas vindos do neo-realismo italiano, como [Alberto] Sordi [1920-2003] e [Vittorio] Gassman [1922-2000] tinham --uma capacidade de transitar da tragédia ou do drama ao desconstrutivo e cômico.

A POLÊMICA DE GRANADO

[Em entrevista à Folha, Granado defendeu o assassinato de dissidentes do regime do ditador cubano Fidel Castro.]

Salles - A primeira coisa, quando você se propõe a fazer um projeto como esse, é aceitar a possibilidade da diferença. Aceitar o fato de que acontecerão momentos ligados ao filme em que opiniões diferentes da sua vão aflorar. E você tem de respeitar isso. A alternativa é definir um território estreito no qual todos vamos nos sentir confortáveis. Não acho isso interessante. O interessante é que um debate mais amplo surja.

AMÉRICA LATINA HOJE

Gael García Bernal -
Alguns lugares estavam em circunstâncias piores agora [nas filmagens], do que estiveram naquela época [em 1952]. Foi preciso limpá-los, porque, quando Ernesto e Alberto viajaram, a Argentina era um país próspero. Filmamos num momento em que as desigualdades afloram em toda a América Latina e atingem a vida de todos.

Salles - Gostaria que o filme gerasse um debate em volta da questão da identidade latino-americana. Será que isso existe? O sonho bolivariano faz sentido hoje? O discurso do dia 16 de junho, quando Ernesto Guevara fez 24 anos, tem pertinência hoje ou não --a idéia de que somos uma única pátria, com fronteiras determinadas artificialmente. Isso faz sentido?

De la Serna - Esse filme mudou minha perspectiva sobre a problemática latino-americana. Agora, eu a vejo de uma maneira mais profunda, não tão superficial. Sinto que minha casa é maior, não é mais apenas a Argentina.

LIVROS E VIAGENS

Salles -
Queremos que as pessoas voltem aos livros e vejam nesse filme a possibilidade de iniciar alguma forma de viagem. Os tibetanos diziam que qualquer forma de viagem é uma maneira de voltar ao essencial.

COMPETIR EM CANNES

Bernal -
Antes de tudo, é um pouco ridículo que existam competições de filmes. Em Cannes, há idéias preconcebidas sobre o que é um filme latino-americano, sobretudo por parte da crítica francesa, que é neocolonialista. Para eles, um filme latino-americano tem de ser feito com pouquíssimo dinheiro e mostrar gente miserável. Se não for assim, você é reacionário. Se o filme fizer rir, demonstra o interesse do diretor em ser aceito por Hollywood.

Salles - A estréia de "Diários...", no Festival de Sundance [em janeiro], foi o nascimento do filme, a hora de dividi-lo com o público. Isso diminui muito a pressão de estar num festival europeu. A imprensa inglesa e parte da italiana o viram em Sundance. Escreveu-se muito a respeito. Isso faz com que ele não seja novidade ao chegar em Cannes. A expectativa sobre o filme de Wong Kar-wai, por exemplo, é infinitamente maior.

O IMPROVISO

Salles -
O roteiro de José Rivera tinha uma arquitetura suficientemente sólida para nos permitir bifurcações. Os encontros que tivemos em Cuzco e em Machu Picchu [Peru] foram incorporados à história. Não estavam no roteiro. A cerimônia de coca e os jovenzinhos foram encontros que a viagem nos proporcionou.

A REVOLUÇÃO CUBANA

Bernal -
Essa é a história dos perdedores, não a história que o mundo ocidental aceita como oficial. A Revolução Cubana, para eles, não tem essa transcendência. É como uma coisinha que aconteceu por aí, numa ilha. Agrada-me que ela seja o ponto para iniciar um debate e um choque de idéias.

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