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20/05/2004 - 04h15

Thomas e Nanini anunciam parceria inédita em peça

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Os dois praticamente pertencem à mesma geração, mas nunca trabalharam juntos. Gerald Thomas, 49, e Marco Nanini, 55, vão contracenar pela primeira vez. Como personagens de si mesmos e, inclusive, como diretor e ator, respectivamente.

Faz dois meses que eles vêm conversando. Thomas, em Nova York, terminou a primeira versão do texto na semana passada. Nanini, depois de muitos telefonemas e mensagens, esfrega as mãos no Rio, entusiasmado pela aventura com o encenador.

"Um Circo de Rins e Fígados" ("A Circus of Kidneys and Livers") é o ponto de interseção.

A peça começa com Nanini recebendo caixas de Sedex que Thomas lhe enviou de Nova York. São documentos sobre um sujeito que passou metade de sua vida na metrópole americana, na clandestinidade, até ser preso. Seu nome: João Paradeiro (Nanini).

Thomas, ainda na peça, envia essas caixas para ver se Nanini faz delas um espetáculo. Antes que o ator encontre seu personagem de fato, sua casa é invadida por policiais. Nas caixas, mais que documentos, há rins e fígados envoltos em isopor. Tráfico de órgãos.

Seguem-se reviravoltas com esse João Paradeiro.

Há uma cena em que pragueja sobre a ocupação dos EUA e aliados no Iraque. Noutra, encontra o francês Jean Genet (1910-86) numa cela, mote para Thomas rememorar a visita do escritor ao Brasil, nos anos 70.

Corta para uma entrevista de João Paradeiro num programa à moda de Jô Soares ou David Letterman, em que relata podres do mundo contemporâneo diante de uma platéia toda sorrisos, de aplausos calorosos, instaurando de vez o circo de horrores.

Ao cabo, tudo não passou de sonho de um cachorro que ouvira seu dono, um carteiro, dizer que amanhã cedo entregaria encomendas na casa do ator Marco Nanini.

A Folha colheu fragmentos desse projeto embrionário de Nanini e Thomas. Texto em mãos, eles agora dão o pontapé para produzir o espetáculo que pretendem estrear em novembro em São Paulo. O diretor sonha também com uma temporada em Nova York, de onde vai escolher alguns atores para o elenco da montagem brasileira.

O NAMORO

Marco Nanini - A gente vive esse namoro de uns tempos para cá. Ele vai me ver, eu vou ver as coisas dele. Nem sempre calha de a gente se encontrar, como quando eu fui assistir a "Ventriloquist" [2000], no Rio. Ele me ligou para fazer uma peça, há cerca de dois meses. Essa oportunidade foi ficando mais forte, até que resolveu escrever a peça. Mandava as partes por e-mail, a gente conversava também por telefone. Tudo apareceu tão rápido, com imagens tão bonitas. Gerald criou um libreto saboroso de falar.

A única coisa chata é que não escuto as músicas que o Gerald está imaginando para o espetáculo. E depois vem a encenação. Vai ser um prazer trabalhar com um encenador conhecido pela beleza da estética que leva à cena. E tenho ouvido falar que ele é muito bom diretor de ator.

Gerald Thomas - Eu considero Nanini essencialmente um ator de teatro. Eu sempre estou a par de suas parcerias com João Falcão ["Quem Tem Medo de Virginia Woolf?"], com Guel Arraes ["O Burguês Ridículo"] etc. Eu trabalhei com o Ney Latorraca, com quem ele fez dupla em "O Mistério de Irma Vap" por mais de uma década. O Ney me contava muitas histórias sobre o Nanini.

A PEÇA

Thomas - Não chega a ser um monólogo, mas é quase. Há interferências mínimas dos demais atores. Tudo está nas mãos do Nanini. São 20 cenas tecidas para ele. É uma comédia que, no final, fica séria. João Paradeiro tem um colapso nervoso, uma crise de identidade que lembra um pouco o "Zelig" do Woody Allen [filme de 1982 em que o cineasta interpreta um personagem camaleônico].

Nanini - Gostei muito do título, mexe com as entranhas. Tem a ver com esse vômito do personagem que está em situações-limite. Tudo isso com muita crítica ao modo de vida contemporâneo, e muita poesia também.

O PERSONAGEM

Nanini - Vejo este João Paradeiro como um dínamo. A cabeça desse homem como que explode por causa da opressão, da beleza, do amor, enfim, das emoções contraditórias. Ele está abaladíssimo. Será um desafio interpretá-lo, como se o chão fosse uma corda esticadíssima.

A AUTO-IMAGEM

Nanini - Não fico preocupado com o que o público vai pensar sobre determinado personagem. [Em "Os Solitários", dirigido por Felipe Hirsch, ele contracenou com Marieta Severo numa cena de incesto]. Minha função é atuar. Se o público percebe isso, tudo bem. Que parte do público não perceba e se confunda também não é desprezível. De alguma maneira, as pessoas saborearam, amando ou odiando. A raiva diante de um personagem é uma reação que faz parte, tudo bem. O chato é quando há somente o tédio, o nosso inimigo.

Thomas - É uma época nova que se abre na minha vida. Estou completando o livro "Notas de Suicídio", que devo lançar em breve. Vou completar 50 anos em 1º de julho e é bom viver essa ruptura, livrar-se dessa pele e me reinventar.

O FIM DA ÓPERA SECA

Thomas - Eu dissolvi a Ópera Seca, logo depois da temporada do "Anchor Pectoris". Agora, a companhia se chama Palco do Terceiro Trilho. A Ópera Seca deu o que tinha que dar. Não adianta manter uma companhia simbólica, que só existe por nome. Ao mesmo tempo, pegar esses atores novos de Nova York e usar o nome de uma antiga companhia seria injusto. A Ópera Seca foi batizada assim pela Ellen Stewart [diretora artística do La MaMa], em 1988.
 

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