Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
23/05/2004 - 03h44

Cineastas desviam olhar para São Paulo

Publicidade

SÉRGIO DÁVILA
Enviado especial a Cannes

O projeto de "Bem-Vindo a São Paulo - Welcome to São Paulo" surgiu da constatação do cinéfilo, jornalista e empresário de cinema Leon Cakoff, 56, de que o festival que criou e dirige dispõe de um ativo humano que nem sempre é aproveitado em sua plenitude: uma profusão de diretores internacionais que, há 28 edições, desde a primeira Mostra, vêm para e vão de São Paulo sem que deixem necessariamente uma marca.

(Para ter uma idéia, em 92, um desconhecido Quentin Tarantino, presidente do júri de Cannes 2004 e um dos diretores norte-americanos de mais personalidade, levou à cidade seu longa de estréia, "Cães de Aluguel", para a descoberta e deleite do público paulistano --e para uma entrevista coletiva quase vazia, fato que Tarantino lembra hoje com uma certa ironia, conforme disse à Folha.)

Para satisfação de Cakoff, a receptividade da idéia foi grande. E por que São Paulo, além do óbvio fato de se tratar da cidade-sede do evento? "Muito se fala da generosidade brasileira, mas esquecemos que São Paulo é o maior símbolo disso, tanto para migrantes quanto imigrantes."

Se o cinema independente convive há algum tempo com os chamados filmes low-budget (orçamento baixo, em inglês), "Bem-Vindo" quer inaugurar a era do "no-budget". Todos participaram gratuitamente, e empresas estão fechando colaborações no mesmo teor. O retorno começa: o Festival de Veneza, que acontece em setembro, demonstrou interesse em fazer a première mundial.

Tudo começa com uma tomada aérea de um helicóptero que refaz do ar o caminho dos jesuítas, vindo do mar em direção ao planalto. Logo entra o segmento de Phillip Noyce, um dos cineastas mais interessantes da atualidade, que alterna uma carreira sólida em Hollywood (é dele "Perigo Real e Imediato", entre outros) com uma atuação forte no cinema independente.

Em sua passagem pela cidade, o australiano se encantou pelo Marco Zero, na praça da Sé, e parte dele e da população local para registrar sua visão. Já Hanna Elias saiu da Faixa de Gaza direto para o ensaio da escola de samba Vai-Vai e se encantou com a sensualidade escancarada das passistas.

O malaio Tsai Ming-Liang ("O Buraco") viajou 60 horas, ida-e-volta, para ficar apenas três dias, período em que se encantou pelo edifício São Vito, que filmou em close como se fosse um aquário, aproveitando que a semana era de chuva e que um vendedor de peixinhos de aquário vivos passava pela frente do prédio decadente do centro de São Paulo.

A portuguesa radicada em Paris Maria de Medeiros parou especialmente na cidade, na volta do Festival de Mar del Plata, por um dia e meio, que gastou quase na íntegra na esquina das avenidas São João e Ipiranga captando imagens. Sua participação tem o formato de um sonho, em que ela toca a melodia de "Sampa" no bar Brahma para depois sussurrar a letra, sem acompanhamento e com sotaque lusitano.

A canção volta ao centro do último segmento, imaginado pelo alemão Wolfgang Becker, autor do belo "Adeus, Lênin", atualmente em cartaz. Ele começa com uma vista do globo terrestre que vai se refinando até chegar ao Estado de São Paulo, à capital, suas ruas e avenidas, que são retratadas como veias e artérias, cujo sangue vai escorrer até a ponta de uma agulha de um toca-discos de um sebo. Quando esta atinge o vinil, ouve-se de novo "Sampa".

"Todos são diretores contribuintes ou convidados", define Leon Cakoff. Não havia limite de tempo; assim, há participações de alguns segundos e outras de 15 minutos. A unir tudo isso, uma crônica sobre a cidade, que a produção do filme negocia no momento para que o músico Caetano Veloso (não por acaso autor de "Sampa") seja o narrador.

Pouca gente convidada ficou de fora. Uma das principais ausências é o diretor iraniano Abbas Kiarostami, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 1997 por "Gosto de Cereja" e foi "adotado" pela Mostra de São Paulo, que já exibiu todos os seus filmes e fez retrospectiva. Um conflito de agendas o fez dizer não.

Sua lacuna virou o episódio "Esperando Abbas", dirigido por Cakoff, em que ele sai pela cidade dirigindo um carro e falando diretamente à câmera. Relembra uma das passagens de Kiarostami por São Paulo em 1994, ocasião em que escreveu um roteiro sobre um menino de rua, chegando mesmo a captar algumas imagens dele.
Enquanto conta essa história, Cakoff dá de cara com o ex-menino de rua, agora um mendigo adulto, pedindo dinheiro na mesma região da Paulista em que foi filmado por Kiarostami. Quando ouve a história do filme, o rapaz manda um recado: "Diga ao Abbas que estou bem".
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página