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27/05/2004 - 04h13

Paul Auster cria um jogo de espelhos de seus livros

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RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo, em Nova York

Se Paul Auster pudesse refazer o slogan daquela propaganda de uísque, provavelmente diria: "Keep talking" --e isso não mudaria o sentido da coisa.

O valor da literatura ou de qualquer narrativa, do papo jogado fora, está em todas as obras do escritor. Ele sabe, e seus personagens também, que as palavras são um grão mínimo de sanidade e "um claro raio ordenador".

Em "Cortina de Fumaça", filme cujo roteiro é seu, os cigarros são apenas pretexto de conversa fiada e troca de afeto entre homens adultos. Na "Trilogia de Nova York", um escritor chamado Paul Auster passa a tarde conversando com o protagonista da história, Daniel Quinn, sobre a estrutura de "Dom Quixote". A conversa vai tão agradável que Auster, o personagem, tem uma idéia: por que não comemos uma omelete?

Logo, quando no início de "Noite do Oráculo" --livro que a Companhia das Letras lança no Brasil-- o escritor Sidney Orr atravessa a porta de entrada de uma papelaria no Brooklyn, em Nova York, sabemos que estamos pisando em terreno conhecido.

Após meses se recuperando de um acidente quase fatal, Orr compra um caderno de capa azul para voltar a escrever. Além da literatura como caminho de volta à vida, a obra traz outros temas recorrentes do autor: o protagonista convalescente ou deprimido, os labirintos de narrativas dentro de narrativas, um sujeito à procura da própria identidade.

No entanto, esse é um livro diferente de todos os que Auster já escreveu. Repete o argumento, para no final virar do avesso a lógica que dita suas histórias, fazendo da narrativa uma ameaça à vida e colocando a literatura em questão.

Acontece que Sidney Orr é casado, e Grace, sua mulher, parece se distanciar cada vez mais de seu marido enquanto ele enche as páginas do caderno azul. A loja em que o escritor comprou o caderninho --fabricado em Portugal-- fecha suas portas dias depois. O próprio Orr "desaparece" enquanto escreve --Grace diz não tê-lo visto no escritório, após procurá-lo num momento em que certamente ele se encontrava lá.

Um amigo do casal, John Trause, também escritor, alerta Orr para o fascínio que esses cadernos portugueses exercem --e para os riscos que corre quem escreve neles. Num táxi, voltando para casa, Grace e Orr discutem. Antes de sumir misteriosamente e passar a noite fora, ela pedirá que ele confie nela não importa o que ocorra --e Orr registrará nas páginas em que trabalha a história da traição de Grace.

Como um Bentinho às avessas, Orr decide desconfiar da narrativa que criou (não de sua veracidade, mas dos efeitos que ela pode ter sobre sua vida), e não da mulher. Entre a literatura e Capitu, a novidade do livro está na escolha que seu protagonista faz. Afinal, foi ela que pediu: "Apenas continue me amando". Se isso for possível, para que seguir tagarelando?

As histórias de Auster são freqüentemente comparadas às do argentino Jorge Luis Borges, pelos labirintos lógicos e jogos de espelho que cria ao fazer da ficção literária personagem da literatura.

O feito de "Noite", com sua referência às avessas ao elemento comum de vários romances de Auster, é levar essa lógica um passo além, criando um jogo de espelhos entre esse livro e os demais, e fazendo o conjunto da sua obra parecer um labirinto de Borges.

Avaliação:

Noite do Oráculo
Autor: Paul Auster
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38,50 (232 págs.)
 

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