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26/06/2004 - 08h59

Vladimir Herzog foi o 38º "suicida" do regime militar

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
da Folha de S.Paulo

Por volta das 22h do dia 25 de outubro de 1975, uma mensagem foi endereçada à Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI). Notificava o suicídio do jornalista Vladimir Herzog. Ele se apresentara na manhã daquele mesmo dia ao Destacamento de Operações de Informações do Segundo Exército (DOI), em São Paulo, depois de ter sido abordado na noite anterior, na TV Cultura, por agentes dos serviços de segurança. Na página 176 de "A Ditadura Encurralada", Elio Gaspari contabiliza: tratava-se do 38º suicida do regime e o 18º a matar-se por enforcamento.

Herzog assumira a direção de jornalismo da Cultura em 1º de setembro e fora identificado pelos órgãos de informações como colaborador do Partido Comunista Brasileiro. Convocaram-no para "prestar esclarecimentos".

Seu assassinato é um dos episódios cruciais do período retratado em "A Ditadura Encurralada". Os desdobramentos do episódio conduziram Gaspari a um tema que em outros tempos chegara a menosprezar, mas ao qual reservou lugar de destaque no livro: as movimentações da geração estudantil que se seguiu à de 1968.

Gaspari chamou-a de Geração 77 (ano das passeatas) e notou seu aparecimento nas reações ao suicídio forjado no DOI: "Duas gerações estavam mobilizadas pela morte de Herzog. Na primeira vinham os 300 automóveis que seguiram o cortejo fúnebre até o cemitério israelita. Na segunda, os estudantes da USP. Uma testava o próprio medo. A outra testava o medo alheio".

Os que testavam o medo alheio --os ex-militantes estudantis hoje com idades em torno de 50 anos-- não deixarão de se reconhecer na descrição:

"Eram um novo tipo de militante. Detestavam a mitologia que dominava o patrimônio histórico-político da esquerda. Para eles, João Goulart era um personagem do passado; a União Soviética, ditadura que mandara os tanques à Tchecoslováquia (...). Desprezavam os ícones que simbolizavam 30 anos de hegemonia do Partidão na cultura brasileira. Portinari era um mau pintor. Jorge Amado, escritor banal. Ao sambão preferiam o rock, à poesia engajada do CPC [Centro Popular de Cultura] da UNE, a lírica de Mário Faustino. O horror ao nacional-popular levava-os a ver na canção 'Caminhando', de Geraldo Vandré, mera demagogia".

Gaspari capta um perfil geracional no qual se encaixam estudantes de diversas tendências, militantes ou não. Mas o "case" eram os rapazes e moças que se aglutinavam, em São Paulo, em torno da corrente trotskista Liberdade e Luta, a Libelu: "Não eram majoritários nem hegemônicos, eram simbólicos. Nas suas festas havia pessoas bonitas, maconha e Rolling Stones".

Há diferenças notáveis, que não passam despercebidas pelo autor, entre a Geração 77 e a de 68. A juventude dos anos Geisel entrou em cena sob o signo da vitória: ela pôde votar em 1974, e o resultado deixara o braço parlamentar do regime em situação desconfortável num Congresso consentido e policiado. "O pedaço dessa mocidade que alinhava com a oposição não carregava derrotas. Adolescentes durante o surto terrorista, votaram pela primeira vez em 1974 e presenciaram a vitória do MDB. Era a ditadura que tinha medo deles, não eles dela."

Gaspari observa que a lógica do regime fazia supor que houvesse uma identidade do novo movimento estudantil com o anterior e constata a desorientação dos serviços de informações. Os agentes do regime insistiam em ver na Geração 77 o dedo do velho Movimento Comunista Internacional, "sob a batuta do governo soviético". Um engano.

Nem por isso, os estudantes que desfilaram depois do golpe parlamentar conhecido como "Pacote de Abril" deixavam de causar rebuliço nos porões do regime, onde temia-se a mudança dos ventos, conspirava-se contra a idéia de distensão política e reuniam-se evidências de que o comunismo continuava sendo uma ameaça ao país, contra a qual Geisel e seu colaborador mais próximo, Golbery do Couto e Silva, não estariam reagindo à altura.

A Geração 77, que mostrara a cara após a morte de Herzog, reunindo-se na catedral da Sé com d. Paulo Evaristo, d. Hélder Câmara e o rabino Henry Sobel, viria tempos depois a contagiar o país. Continuaria desafiando a ditadura e a sentir o sabor da vitória. Os porões foram a seu encalço, mas não atingiram o intento de restabelecer as trevas de anos passados.

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