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07/07/2004 - 05h41

Comentário: Cada época possui as rainhas do rádio que merece?

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

No fim de semana passado, o presidente Lula se encontrou com as cantoras Emilinha Borba, 80, e Marlene, 79, num gesto que ele próprio caracterizou como saudosista. Tentava ajudar a reavivar o espírito da agora ressurgida Rádio Nacional. Corações mais emotivos e sabedores da memória brasileira lembraram com nostalgia os anos 40 e 50 das notórias rivais Emilinha e Marlene, que disputavam cada novo fã, cada faixa de "rainha do rádio".

Quase ao mesmo tempo em que Lula acarinhava as veteranas, as bandas Charlie Brown Jr. e Los Hermanos se encontravam num aeroporto. Alexandre "Chorão" Abrão, 34, líder do Charlie Brown, lembrou que Marcelo Camelo, 26, dos Hermanos, criticara o fato de ele, Chorão, fazer propaganda de refrigerante na TV. Meteu o crânio e a mão na cara de Camelo.

Rodrigo Amarante, 28, outro hermano, tentou revidar em Chorão, em defesa do amigo. Corações mais emotivos e atônitos com o ocorrido não puderam deixar de amargar no peito uma sensação do tipo "cada época tem as rainhas do rádio que merece".

Estávamos de volta ao país da delicadeza perdida, diria Chico Buarque. Simbolicamente, Chorão agredia ícone maior da nova masculinidade sensível que viceja na MPB --lembre outros homens de gravata florida atuais: Amarante, Marcelo Yuka, Rappin' Hood, Xis, Domenico, Kassin, Moreno Veloso, Carlinhos Brown (outro agredido recorrente), Mano Brown (disfarçado atrás de estratégica panca de mau) etc.

Pois Chorão Brown inverteu a máxima de "Mamãe, Eu Quero" (1937), crendo que quem não bate não mama. Seja como for, continua parecendo bebê chorão, só porque falaram mal dele por aí. Onde está a liberdade de expressão?, cochicharia Noel Rosa.

A barbárie se manifestou no soco do "machão" ameaçado no "maricas" ameaçador. Transitou no revide de Amarante, que sabe que em mulher não se bate nem com flor, mas esqueceu que em homem também não --mesmo que esse homem seja o Chorão.

Reverberou enfim em Camelo, o agredido. Esse foi até a delegacia, mas desistiu de prestar queixa --a cena se repetiria como caricatura dias depois, na novela global das oito, quando a mocinha quase seqüestrada convenceu o galã salvador a não levá-la à delegacia, para evitar chateação. Jeeesus.

O país sem delicadeza mira-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Ali, denunciar agressão é que parece crime, não a agressão em si. O agredido sente culpa por apanhar, a faca faz parceria com a ferida, e todo mundo faz de conta que não doeu, nem no olho de um nem na mão e no coco do outro.

A assessoria de Camelo diz que um processo será levado adiante. É, ele deve isso aos milhares de adolescentes (meninas e meninos) que o têm como exemplo de masculinidade sensível --e forte.

A assessoria de Chorão divulgou nota lamentando a pancadaria. Suavizou o hematoma, mas não limpou a barra do rapaz --ele não será macho completo sem dizer com todas as letras "peço desculpas a Marcelo Camelo" (o mesmo vale para Amarante em relação a Chorão, aliás).

Chorão deve isso aos milhares de adolescentes (meninos) que o adoram e aprenderam com ele a protestar que o jovem no Brasil nunca é levado a sério. Não será enquanto "machões" e "maricas" não entenderem que não são lá tão diferentes assim.

A nós, enquanto isso não acontecer, restará acompanhar mr. Lula no doce saudosismo pelas antigas rainhas do rádio --que eram frívolas, sim, mas menos que os pugilistas pop de 2004.

Especial
  • Arquivo: Veja o que já foi publicado sobre o Charlie Brown Jr.
  • Arquivo: Veja o que já foi publicado sobre o Los Hermanos
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