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23/07/2004 - 08h35

Jean-Luc Godard elabora reflexão sobre arte e amor em "Passion"

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INÁCIO ARAUJO
crítico da Folha

Cadê a história? Não é de hoje que os espectadores se perguntam por ela nos filmes de Godard. Mas também os produtores --por que não? Em "Passion", os próprios atores formulam com clareza a questão que é o ponto de honra de sua filmografia.

Antes de saber onde está a história, talvez fosse conveniente perguntar o que significa a história para um filme. Ela é não só o estágio em que a literatura sobrepõe-se às imagens, como aquele que rege o ilusionismo cinematográfico: a crença de que vemos algo verdadeiro desfilar diante de nós.

Verdadeiro, não. Verossímil. Algo que parece verdadeiro, mas é apenas uma imitação. Como relógio de camelô. Quem sabe bem distinguir os relógios de camelô dos autênticos são os ladrões. E com a arte, com as imagens, como isso acontece?

"Passion" é, em um nível, a história dessas dúvidas. História não escrita, mas vivida. Pois, como diz um personagem no filme, histórias não se inventam, é preciso vivenciá-las. É também a história da pintura. O que faz a beleza de uma imagem? Não a violência, mas a solidariedade entre as idéias, diz alguém em dado momento.

O filme que está sendo feito em "Passion" versa sobre a pintura, ou sobre alguns quadros e pintores: Rembrandt, Delacroix, Goya. Tem erros de composição, diz alguém. E um outro responde: procure pelos lábios dos personagens, não pela composição.

Onde está a história em Rembrandt? Ninguém pergunta. Mas ela está lá. Estática. Não em seqüência, como no cinema, mas nas relações entre cores, posturas, brilhos, claros, escuros.

É a luta de Jerzy, o diretor do filme: reencontrar essa história em imagens. Há, claro, alguma história: um caso de amor entre Jerzy e Hanna, outros amores que começam e terminam. Porque esse é o filme de amor de Godard. Há ainda a trabalhadora e o patrão --em conflito. E há, ainda, a Polônia. De onde vem Jerzy. Mas de onde vem, sobretudo, o Solidariedade. Cadê a história? Hoje ninguém mais se interessa pelo Solidariedade. Mas foi esse sindicato quem anunciou que o regime soviético estava caindo aos pedaços.

Porque Godard é também um documentarista de seu tempo. Cada um de seus filmes reflete profundamente sobre o tempo presente. Presente, no caso, é 1982. Então, tudo bem de uma vez: a reflexão sobre a beleza, ou sobre o cinema, não exclui a política. Pois a arte não é um território sagrado que paira acima das mazelas do mundo. Ela está nelas (lá está Goya), o cinema mais que todas, pois é arte do momento.

Do momento e da eternidade, também. Do agora e do sempre. É arte de pegar o mundo desprevenido e descobrir as belezas que podem produzir as associações entre os objetos, entre as cores (Godard, o cineasta das cores mais lindas de todos os tempos), as sombras e as luzes, o silêncio e as palavras, a música e o vazio.

No meio disso, sobra uma história meio aos saltos, como sempre em Godard. Não se pode ter tudo. Às vezes é até auspicioso não ter tudo. Por fim: pobre de quem tem o dever de dar conta de tamanha, de tão ampla beleza --melhor é aceitar a derrota com dignidade.

Avaliação:

Passion (Passion)
Produção: França/Suíça, 1982
Direção: Jean-Luc Godard
Com: Isabelle Huppert, Hanna Schygulla
Quando: a partir de hoje no Top Cine

Especial
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