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29/07/2004 - 09h03

DVD de "Nelson Freire" chega com tecla para misturar seqüências

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

Como se fossem cartas nas mãos de um jogador, as seqüências de "Nelson Freire" podem ser infinitamente embaralhadas na versão em DVD do documentário de João Moreira Salles sobre o pianista brasileiro, que chega às lojas na próxima semana.

"Misturar" o filme é o item acrescentado às opções do menu de navegação. Há somente uma regra fixa na brincadeira. O DVD está programado para que o primeiro capítulo seja sempre o que exibe os créditos de abertura (tal e qual aparecem na "versão do diretor") e para que o epílogo traga as assinaturas de encerramento.

No recheio entre o começo e o fim, a combinação das 30 demais seqüências do filme torna-se inteiramente aleatória.

"É a primeira vez que um cliente nos pede esse recurso", diz Adriano Canella, que coordenou a produção do DVD na Videolar, empresa que desenvolveu este e 1.100 outros títulos. O diretor do filme está certo de que "é a primeira vez que tal função é incorporada a um DVD".

Ineditismo

Mais do que o ineditismo da iniciativa, chama a atenção que ela tenha sido concretizada num filme do gênero documentário, em que o rigor da narrativa está, em geral, diretamente relacionado ao esforço de afastar toda possibilidade de provocar no espectador incompreensões e interpretações equívocas sobre os "personagens", retratados sem a proteção de um papel fictício.

Moreira Salles é tão adepto deste compromisso que escolheu traçar um perfil biográfico de Nelson Freire apoiado na menos cinematográfica das características --o recato--, porém a que prevalece na personalidade do pianista.

Por que então abdicar das próprias escolhas no encadeamento das cenas filmadas e deixar com o espectador a possibilidade de ver outro filme, distinto daquele que o diretor montou?

Prova

O cineasta responde com outra indagação: "Por que não colocar a criação à prova?". Mas, antes, delineia o percurso do risco. "A gente aprende que o ato representa a morte da potência. O filme acabado seria o fim dos filmes possíveis. A função aleatória contraria isso."

Misturar, nessa perspectiva, é mais do que testar modificações numa única criação. É dar chance para que outras criações tomem forma, chamadas à existência não pela interatividade do autor com seu público, mas pelo acaso.

Razão e acaso

"Tenho uma grande fé na razão, o acaso sempre foi o inimigo, mas, como é típico nestes casos, acho o bandido fascinante", diz Moreira Salles. O fascínio do acaso, para o diretor, resulta de sua tradução como a possibilidade de um encontro, o que, no fim das contas, ele imagina estar oferecendo ao espectador com a novidade de seu DVD, sem isentá-lo de, às vezes, sair mais prejudicado do que favorecido pelo resultado.

"Existem os bons encontros e os maus encontros. Os encontros esperados e os inesperados. Se o espectador tiver paciência, ele poderá ter a sorte de se ver diante de um encontro bom e inesperado, ou seja, de um feliz acaso."

"Nelson Freire" foi lançado nos cinemas em abril do ano passado e registrou público de 70 mil pessoas, número expressivo para um documentário. Neste ano, o Brasil viu seu maior lançamento no gênero, "Pelé Eterno", de Anibal Massaini, sobre o ídolo do futebol, acumula até aqui 222 mil espectadores.

Constrangimentos

A inovação da montagem aleatória é conseqüência de uma idéia do cineasta anterior ao filme. "Desde que comecei a pensar no documentário do Nelson Freire, tive vontade de livrar-me de certos constrangimentos: primeiro, o da obrigação de informar. Depois, o de construir seqüências que obedecessem a uma lógica de causa e conseqüência --o que vem antes só pode vir antes, o que vem depois só pode vir depois", diz Moreira Salles.

A obrigação de informar e a lógica da causa e conseqüência imperam no documentário anterior do cineasta, "Notícias de uma Guerra Particular" (1999), co-dirigido com Katia Lund, sobre o qual ele tem dúvidas se seria interessante ou não aplicar o recurso da montagem aleatória. "Não sei. As vantagens seriam tão grandes quanto as desvantagens."

Imposição do tempo

Em outros casos, misturar as seqüências seria desarticular por completo o filme, como em "Babilônia 2000", documentário de Eduardo Coutinho produzido pela Videofilmes dos Moreira Salles, que tem "a imposição do tempo", como diz o diretor. Na favela carioca, Coutinho filma as horas anteriores ao Réveillon de 2000.

O mesmo não se aplica a "Edifício Master", que também traz a dupla Coutinho na direção e Moreira Salles na produção e que o segundo acharia "fascinante ver em outra ordem". Como ainda não teve sua versão em DVD lançada, é possível que "Edifício Master" também incorpore o recurso da mistura aleatória.

Extras

Em formato duplo, o DVD de "Nelson Freire" traz cem minutos de material extra, incluindo um concerto inédito do pianista. Embora acredite que o material vá agradar "às pessoas que gostaram de determinada música ou de determinado concerto e gostariam de ouvir mais", Moreira Salles diz que a vinheta "Seqüências musicais" do menu "não diz tudo" sobre suas cenas.

"Talvez o momento que melhor revele a profunda relação que une [a pianista argentina] Martha Argerich a Nelson Freire aconteça numa seqüência em que os dois ouvem um jovem pianista tocar. Eles não trocam uma só palavra. Apenas passam o cigarro de um para o outro. Tudo está dito ali."

Até mesmo que o silêncio é o feliz acaso de um filme musical.

NELSON FREIRE
Produção:
Brasil, 2004
Direção: João Moreira Salles
Com: Nelson Freire, Martha Argerich
Lançamento: Videofilmes
Quanto: R$ 70 (em média, a partir da semana que vem)

Especial
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