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30/07/2004 - 06h01

Antonioni expurga seus ciúmes em "A Noite"

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TIAGO MATA MACHADO
crítico da Folha

No documentário "Michelangelo Antonioni, o Olhar que Mudou o Mundo", um dos extras deste "A Noite" (61), Antonioni surge em cena para reivindicar, frente aos seus detratores, um único direito. O de levar o cinema tão a sério quanto a literatura.

"Ao escritor", diz ele, enciumado, "é permitido alongar-se várias páginas na análise da psicologia de um determinado personagem". O caso de Antonioni não é exceção, mas regra no cinema moderno europeu do pós-guerra: não tivesse emplacado carreira cinematográfica, teria se contentado na literatura. Seria, decerto, um escritor de filiação existencialista, mas de um existencialismo peculiar, propenso a associar sua angústia a um sentimento menos nobre, o ciúme.

O olhar de Antonioni, já se disse, é o olhar de um ciumento. O documentário é bastante didático, mas não elucida essa particularidade; melhor buscá-la diretamente na opção "filme" do menu.

Ciúme (possessivo) das mulheres, sempre prontas a desaparecer (desde "A Aventura", obra que inaugura esta trilogia rematada em "A Noite" e "O Eclipse"). Ciúme, em última instância, de tudo aquilo que, no mundo, não se deixa apreender: ao consagrar Antonioni como um poeta do ciúme, o crítico Serge Daney não resolvia por inteiro a questão. Afinal, seus personagens começavam por se deixar afetar pela ausência do outro, mas acabavam às voltas com a ausência de si mesmos.

Em "A Noite", ainda que mais atento às conseqüências do que às causas, Antonioni chega à mesma constatação de Rossellini e Godard: a culpa é da vida moderna, que esvazia as relações, turva e corrompe os sentimentos.

A resposta pode soar fácil, mas se provou certeira no caso desses três cineastas e seus casamentos. Rossellini e Ingrid Bergman, Godard e Anna Karina, Antonioni e Monica Vitti: todos souberam expurgar muito bem, em seus filmes, suas próprias crises conjugais, mas não conseguiram evitar que o mundo do cinema e seu ritmo atropelassem suas relações. Eles provaram do próprio veneno, depois de terem levado o tema da "crise do casal" ao centro do dito cinema moderno.

Na célebre trilogia que Antonioni fez com Monica Vitti, podemos acompanhar um pouco da evolução de seu relacionamento. Em "A Noite", o papel de Vitti é menor, mas não menos importante do que nos outros dois filmes.

Vitti catalisa o jogo de ciúmes do casal vivido por Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau, fazendo, ao mesmo tempo, o papel de vítima e algoz.

Mastroianni encarna um intelectual vaidoso pronto a se corromper. Moreau faz a mulher à deriva. Ela só consegue se relacionar com o mundo como uma espécie de espectadora. Entre os dois, há todo o mundo moderno e seus signos, proliferados aqui quase sempre como signos sonoros, ruídos que afetam, de fora, as personagens.

Avaliação:

A Noite
Produção:
Itália, 1961
Direção: Michelangelo Antonioni
Com: Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau
Lançamento: Versátil
Quanto: R$ 50, em média

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