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30/07/2004 - 06h38

Ben Jor volta embaralhando os cinco sentidos

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

Após nove anos sem criar álbuns inéditos, Jorge Ben Jor precisa de apenas uma faixa em "Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum)" para condensar a filosofia de uma história musical profissional de 41 anos. Mesmo estando espalhada por toda sua obra, ela só poderia ser explicitada por um homem de 62 anos, em pleno gozo de maturidade.

Eis o que diz "Mexe Mexe", primeira canção do álbum: "Quando você pára de brincar e mexer/ você envelhece/ (...) seu coração ao invés de bater padece". Lutando por aplacar dores, tristezas e, hoje, o próprio envelhecimento, ele recorre ao antídoto que o menino Jorge Ben já usava em 1963: dança e festa são os bálsamos miraculosos para qualquer sofrimento, a fonte da juventude eterna.

Descaminhos recentes até arriscam enferrujar os instrumentos do pai da invenção da bossa nova em versão negra, suingada, lotada de alegria funk e de melancolia soul. Mas sua música ainda se esmera em ser o que sempre foi: celebração para os cinco sentidos.

A mesma "Mexe Mexe", um samba ritmado (mas modernizado) que evoca o Jorge Ben elétrico dos tempos de "Amante, Amado" (78), condensa em si experiências sonoras, palpáveis, de olfato e paladar. É de dançar, mas tem perfume, sabor, saliências e reentrâncias. É música, e é sexo -- "tô mexendo", responde em puro êxtase o sensual trio feminino de vocalistas diante do comando "mexe, mexe, mexe, mexe" do líder.

Em "História do Homem", que exala vocais percussivos à moda de Naná Vasconcelos, Jorge mexe cadeiras numa política dos quadris, enquanto conta "a história do homem que tocava pandeiro pra maluco dançar".

O arranjo (aqui e em todo o disco) é sintetizado, feito solitariamente por um artista que desmontou a Banda do Zé Pretinho e quaisquer outras bandas. Soa extemporâneo, acafonado, mas simboliza e enfrenta o resgate da sabedoria maltratada que Jorge advogou nos anos 80 com o mago diluidor dos sintetizadores, Lincoln Olivetti. As décadas tremem sob a membrana musical do pai dionisíaco com nome de santo.

Outra de suas marcas maiores (e nem sempre bem compreendidas), a poesia de Ben Jor não é só surreal. É visual. Ao festejar os anjos "Gabriel, Rafael, Miguel", ele faz cinema num refrão que é um happening: "Flap, flap, flap, fly, fly". O ouvinte acha a frase imbecil, sente-se ridículo --mas acabou de ter uma aula de arte visual.

Ben Jor é um embaralhador. A bandeira de São Jorge (Ben) na capa é cristã, mas seu equivalente afro-brasileiro, Ogum, governa o disco em igual intensidade. A poesia visual de "O Rei É Rosa Cruz" existe em razão da sonoridade de nomes medievais ("Camelot"), mas a letra flui para incorrer em profunda filosofia --"infeliz daquele que é demasiado fútil", morou?

Destilam-se num caleidoscópio referências a futebol, índios, seres extraterrestres, jogo do bicho, "Janaína Argentina", escola de samba, funk carioca, filósofos medievais, candomblé, latim. A "Turba Philosophorum" de Ben Jor volta ao mesmo (e radical) pregão do Ben político e igualitário que tocava violão em 75: "Precisamos salvar os velhos/ precisamos salvar as flores/ precisamos salvar as criancinhas e os cachorros".

Chacoalhador de conceitos, o mestre é também um embaralhador de sentidos. Nele, os anjos são astronautas, o som respira, o ouvido vê, o olho fareja, o negro é a soma de todas as cores e a música é a fusão de todos os sentidos.

Ah, e as "peculiaridades" de mr. Ben Jor vêm fazendo brotar cabelos brancos nas cabeças da equipe da Universal. A gravadora tem cortado um miudinho nas mãos do pai da matéria, pode ser que daqui a pouco ele nem tenha mais emprego. O rei voltou, viva o rei.

Avaliação:

Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum)
Artista:
Jorge Ben Jor
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 30, em média

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