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04/08/2004 - 05h30

Mostra de Fernando Lemos verte surrealismo em política e poesia

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EDER CHIODETTO
free-lance para a Folha

"À Sombra da Luz - À Luz da Sombra", mostra do fotógrafo, pintor e artista gráfico português Fernando Lemos, 78, em exibição na Pinacoteca do Estado, recupera o instante em que a estética surrealista deu asas para que a fotografia rompesse com o realismo e, de quebra, servisse para se contrapor a um regime político obscurantista.

As 118 fotografias que integram a exposição foram realizadas por Lemos entre 1949 e 1952, sob a ditadura de Salazar. Segundo o próprio Lemos, suas maiores influências foram as obras do pintor surrealista Max Ernst (1891-1976), o cinema expressionista alemão e, sobretudo, o francês Marcel Duchamp (1887-1968).

A maior parte das imagens são constituídas por retratos do grupo artístico que atuava em Lisboa na época, como o poeta Alexandre O'Neill, o escritor Jorge de Sena e o ator Augusto de Figueiredo, entre outros. Lemos desenvolveu uma técnica com a qual era possível obter, no mesmo negativo, mais de uma imagem que podiam ser superpostas ou não. Dessa forma o personagem fotografado aparece no mesmo campo visual mais de uma vez e em situações distintas.

Tal operação, além de explicitar a complexidade da personalidade de cada pessoa, dando-lhe variadas feições, finda também por exterminar o mito do momento único na fotografia. O que vemos não é mais a apreensão de um instante, mas sim a somatória de vários momentos. O hiato de tempo entre uma pose e outra se incorpora ao trabalho criando uma instabilidade no vocábulo fotográfico. Como escreve Paulo Herkenhoff, diretor do Museu Nacional de Belas Artes, em texto no catálogo da mostra, "a fotomontagem interrompe o tempo exterior e interior da imagem fotográfica; retalha, reconfigura ou traumatiza o espaço externo trazido para a imagem."

Além dos retratos, a experimentação de Lemos alçou vôos sobre outros temas, sempre com a clara intenção de camuflar o conteúdo manifesto das coisas do mundo para revelar uma percepção mais arguta e menos conformada, como na inquietante imagem "Intimidade dos Armazéns do Chiado", que abre a mostra da Pinacoteca. Nessa fotografia vê-se a cabeça de um manequim sobre uma mesa com vários braços pendurados no teto.

Exposta em Lisboa em 1952, numa loja de móveis e decoração, a cabeça decepada e os braços imóveis soavam como um libelo anti-Salazar. A fina e contundente ironia não passou despercebida e virou caso de polícia com manifestação de comerciantes locais pela proibição da mostra. O apego dos surrealistas pelo inconsciente encontrava, enfim, uma prosaica releitura político-ideológica.

A alma de artista de Lemos, porém, não se conteve nessas questões e a poesia dominou parte de sua diminuta, mas profícua, produção fotográfica, praticamente interrompida após 1952, quando migrou para o Brasil.

O resgate da obra extemporânea de Fernando Lemos, que não era exposta no Brasil há 50 anos, é um dos bons e raros momentos da fotografia neste ano. O artista define assim seu ressurgimento: "Passados 50 anos, sinto-me agora como o transgressor clássico que volta ao lugar do crime."

Avaliação:

À Sombra da Luz - À Luz da Sombra
Autor:
Fernando Lemos
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, tel. 0/xx/11/229-9844)
Quando: ter. a dom., das 10h às 18h (até 22/8)
Quanto: R$ 4 (grátis aos sábados)

Especial
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