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07/08/2004 - 06h24

Abrangente, livro dá uma "aula" sobre a dissertação da notícia

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NEWTON CARLOS
especial para a Folha

Um desses veteranos nostálgicos costuma dizer que o jornalista se conhece pela sola do sapato. Se está gasta, é bom, corre atrás. O jornalista da Folha João Batista Natali, que acaba de lançar o livro "Jornalismo Internacional", atualiza este conceito. Ex-editor de Mundo e ex-correspondente da Folha em Paris, são 37 países carimbados no passaporte.

Natali é de tempos de pioneirismo,quando os correspondentes martelavam máquinas de escrever e em geral dependiam de digitadores de telex.

Como não havia essa nova pulsão na vida do jornalista, a de ficar de olhos pregados na tela do computador, não faltavam, a quem quisesse, horas de boa recreação. Como pegar um trem em Paris só para ir à ópera de Estrasburgo, o que Natali fazia com freqüência, já que inexistiam celulares.

Estamos, portanto, na companhia de alguém muito especial, a nos conduzir pelo que me parece ser uma pequena (mas interessantíssima) história do jornalismo em seu espaço internacional. Com ampla abrangência, apesar de encaixada em cento e poucas páginas.

"Jornalismo Internacional", suponho, tem sua origem mais remota na experiência de Natali como correspondente na França, onde o jornalista chegou numa época em que a imprensa brasileira despertava para a necessidade de encarar com nossos olhos o que se passa no mundo.

Não se trata de manual de jornalismo, embora possa parecer nas partes em que Natali decreta o fim dos monoglotas e do redator só redator, que também não seja um bom apurador.

O livro traça o percurso do jornalismo internacional desde a newsletter, citada como primeira manifestação deste campo de atuação da imprensa, até esse confuso bazar de "conteúdos" da internet.

Atualmente, tempo em que a informação tornou-se um bem público e circula à vontade, o acesso a ela foi franqueado, e há quem diga que isso esvazia sobretudo as páginas de "mundo". A vacina contra este mal, nos ensina Natali, seria um bom jornalismo, impresso ou não, de "qualificação diferenciada", tendo à frente "imensas possibilidades".

Sabe-se que quase não há jornalismo internacional nos currículos das escolas de comunicação. Por isso, o livro de Natali se torna ainda mais valioso. A dissertação sobre a notícia é, em si só, uma aula.

Entre algumas informações históricas, Natali nos conta que o jornalismo internacional foi instrumento de divulgação, e de injeções de medo, durante a Revolução Francesa e que o "New York Herald" foi o primeiro jornal americano a declarar-se apartidário. Acrescento que os jornais americanos têm como norma apoiar candidaturas.O papel vergonhoso da imprensa na cobertura da guerra do Iraque, recheado de autocríticas, merece um livro à parte.

Natali cita no livro o fato de as agências de notícias terem dado viabilidade econômica ao jornalismo internacional. No entanto, há pontos sobre os quais acho que é bom falar. Elas têm uma história de subsídios oficiais e, de imediato, trataram de ajustar-se à ordem colonial por meio de divisões de áreas de atuação. A agência Reuters, inglesa, plantou-se mais nas regiões de maior influência da Inglaterra. A France Presse, francesa, fez o mesmo em relação ao colonialismo francês.

Em 1946, terminada a guerra, os Estados Unidos, assumindo a condição de potência mundial, soltaram por meio do Departamento de Estado o famoso memorando exigindo "liberdade de informação". Queriam mais espaço para as agências americanas.

Quarto poder? Poder da informação? Ou poder de manipulação? A imprensa empurrou os Estados Unidos para a guerra contra a Espanha em solo cubano. Campanha que nos remete à de agora, contra o Iraque, apesar de feita em termos mais grosseiros.

Em "Jornalismo Internacional", é mencionada a resistência da Rússia e da China diante do poder de veto da França no Conselho de Segurança da ONU, reunido em 2003 para decidir se aprovaria ou não a guerra contra o Iraque. Aproveito para falar que o governo Bush se contentaria com maioria simples de votos no Conselho.

Ele é constituído de cinco membros permanentes com direito a voto e veto e dez não permanentes, com direito a voto. Uma resolução aprovada, embora vetada, seria pelo menos uma vitória "moral" para Bush. Faltava apenas um voto. As pressões foram enormes em cima de Angola e Chile, na época membros não permanentes do conselho. Telefonemas pessoais de Bush. Promessa de tapete vermelho em Washington ao presidente angolano. Os dois países não cederam, e nem maioria simples Bush conseguiu. Resistência histórica, é preciso que seja lembrado. Um bom fecho para um texto sobre jornalismo internacional.

Newton Carlos é jornalista e analista de questões internacionais

Avaliação:

Jornalismo Internacional
Autor: João Batista Natali
Editora: Contexto
Quanto: R$ 23,90 (128 págs.)
 

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