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28/08/2004 - 06h13

"Laranja Mecânica" sai com nova tradução

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JOCA REINERS TERRON
especial para a Folha

Depois de retornar da Malásia, onde trabalhou como professor, em 1960, o escritor britânico Anthony Burgess teve diagnosticado um tumor cerebral e deram-lhe apenas um ano de vida. Intencionando escrever o maior número possível de livros para assim deixar a viúva em situação cômoda devido aos direitos autorais, Burgess trancou-se numa cidade no sul da Inglaterra e de lá saiu com cinco livros prontos e outro pela metade.

Detalhe: não se sabe ao certo quais seriam os cinco terminados, porém o inacabado era o romance "Laranja Mecânica", relançado agora no Brasil pela editora Aleph. O tempo passou, nada aconteceu, e o escritor foi morrer somente em 1993, aos 76 anos de idade.

Burgess escreveu "Laranja Mecânica" inspirado nas tribos urbanas dos mods e rockers que infestavam a Londres dos anos 60. A obra tornou-se sucesso após Stanley Kubrick fazer a adaptação para o cinema, em 1971. Mais de 40 anos depois de seu lançamento, esse clássico da distopia (ao lado de "1984", de George Orwell e "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley) também pode ser lido como um antecipador da barbárie hoje vivida pelas populações das metrópoles, como São Paulo, que assiste a massacres de moradores de rua.

O livro é narrado por Alex, líder de uma gangue de "nadsats" (adolescentes --diferentemente da personificação de Alex por Malcolm McDowell, com 28 anos à época da gravação do filme) que vaga por uma cidade no futuro atrás de drogas (entre outras coisas), praticando espancamentos e assaltos. Depois de idas e vindas, Alex é preso e submetido a uma lavagem cerebral que o faz vomitar a cada pensamento violento.

O escândalo causado pelos delírios visuais da versão cinematográfica provocou sua proibição na Inglaterra, pois a exibição poderia influenciar os jovens, possibilidade esta questionada por Burgess: "A agressão foi erigida no interior do sistema humano e não pode ser ensinada por livros, filmes ou peças. Se alguém quiser acreditar que um livro possa instigar a violência, a Bíblia deveria ser sua primeira escolha".

"Os maiores dramas de todos os tempos estão encharcados de sangue (...) e, claro, pode-se dizer que sem violência não pode haver drama", ainda defendia-se num artigo no jornal britânico "The Guardian", 30 após a primeira edição do livro.

Ao contrário da visualidade aguçada criada por Kubrick, a qualidade extrema do original de Burgess é a música da gíria "nadsat", causadora de um estranhamento à altura de clássicos da literatura modernista de língua inglesa, como o "Finnegans Wake", de James Joyce.

Porém não é uma música da incomunicabilidade a proposta por Burgess, e sim um convite ao mergulho do leitor num mundo movido pela violência masculina da puberdade e da testosterona em ebulição, irrompendo não apenas nos atos de fúria incontida mas também nas agressivas e pueris brincadeiras de linguagem típicas dessa fase.

"Laranja Mecânica" tem um final diferente da adaptação para o cinema, baseada na edição norte-americana que à revelia do autor suprimiu o último capítulo. Longe de ser uma conclusão otimista, essa conclusão põe em xeque um Alex no limite do amadurecimento. Alex, que (como não poderia escapar a um lingüista do alcance de Burgess) também significa "sem lei".

Joca Reiners Terron é autor de "Hotel Hell" (2003), entre outros livros

LARANJA MECÂNICA
Autor:
Anthony Burgess
Tradutor: Fábio Fernandes
Editora: Aleph
Quanto: R$ 36 (224 págs.)

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