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10/09/2004
-
08h22
PAULO SANTOS LIMA
free-lance para a Folha
Se a fábula é este gatilho narrativo que apresenta um mundo bem delineado no qual os personagens passam por poucas e boas para, ao final, as coisas repousarem entre justiça e conforto, é Steven Spielberg seu maior cineasta, com filmes cuja fantasia nivela dramas pessoais a naves alienígenas pousando em solo terráqueo.
Nesse cinema de êxtase no espetáculo, não são poucas as vezes que mostra personagens tentando ajuste no mundo, do extraterrestre de "E.T." ao robô de "Inteligência Artificial". Essa tendência à assimilação ganha nova configuração em "O Terminal". Não só pelos personagens se alinharem ao mundo, mas pelo mundo precisar se ajustar como lugar.
Viktor Navorski (Tom Hanks) chega a Nova York e tem seu passaporte retido porque, enquanto seguia do Leste da Europa a América, seu país entrou em guerra civil e virou um território sem nome. Viktor terá de esperar na área de convivência do terminal aeroviário até sua terra natal retomar a estabilidade política. Estamos num aeroporto, que nada mais é que um não-lugar, um sítio sem memória no qual as pessoas apenas estão de passagem.
Spielberg, em princípio, resolve aquilo que seria problema para uma fábula, que é o lugar onde as coisas acontecem. O terminal gelado e impessoal não é mais um local passageiro, mas sim a tradução de Nova York, da América até, com suas leis, injustiças, encontros e desencontros. Viktor, então, tem problemas com o duríssimo agente alfandegário Frank (Stanley Tucci), mas conhece pessoas boas, como o boa-praça que desvia comida para ele e Amelia (Catherine Zeta-Jones), que será o ponto romântico da história. Até emprego bem-remunerado ele arranja, na reforma do aeroporto, que aqui já aparece como a terra da oportunidade.
É uma fábula que poderia estar situada em qualquer cidadezinha norte-americana dos filmes de Frank Capra, o que deixa claro o talento do cineasta em traduzir em imagem o roteiro "bizarro", e na modulação de comédia, drama e romance que são despachados indiscriminadamente em "O Terminal". Porque não é fácil, convenhamos, colocar um personagem sob várias situações como dormir, tomar banho, comer e até transar num aeroporto.
Spielberg consegue fazer do aeroporto um lugar dramático, graças à espera sem fim de Viktor, e sua direção apresenta idéias interessantíssimas no início, como a do registro kafkiano do não-cidadão num absurdo não-lugar. A bala explode no tambor do revólver de Spielberg quando o altruísmo coletivo, ingênuo, toma as rédeas daquela que seria uma brutal (e absurda) história. E é bem curioso que, no final das contas, um aeroporto avance do não-lugar para ser um ambiente utópico.
Avaliação:
O Terminal (The Terminal)
Direção: Steven Spielberg
Produção: EUA, 2004
Com: Tom Hanks, Catherine Zeta-Jones
Quando: a partir de hoje nos cines HSBC Belas Artes, Kinoplex Itaim 6 e circuito
Especial
Leia o que já foi publicado sobre o filme "O Terminal"
Leia o que já foi publicado sobre o ator Tom Hanks
"O Terminal" faz do aeroporto um país cheio de injustiças
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free-lance para a Folha
Se a fábula é este gatilho narrativo que apresenta um mundo bem delineado no qual os personagens passam por poucas e boas para, ao final, as coisas repousarem entre justiça e conforto, é Steven Spielberg seu maior cineasta, com filmes cuja fantasia nivela dramas pessoais a naves alienígenas pousando em solo terráqueo.
Nesse cinema de êxtase no espetáculo, não são poucas as vezes que mostra personagens tentando ajuste no mundo, do extraterrestre de "E.T." ao robô de "Inteligência Artificial". Essa tendência à assimilação ganha nova configuração em "O Terminal". Não só pelos personagens se alinharem ao mundo, mas pelo mundo precisar se ajustar como lugar.
Viktor Navorski (Tom Hanks) chega a Nova York e tem seu passaporte retido porque, enquanto seguia do Leste da Europa a América, seu país entrou em guerra civil e virou um território sem nome. Viktor terá de esperar na área de convivência do terminal aeroviário até sua terra natal retomar a estabilidade política. Estamos num aeroporto, que nada mais é que um não-lugar, um sítio sem memória no qual as pessoas apenas estão de passagem.
Spielberg, em princípio, resolve aquilo que seria problema para uma fábula, que é o lugar onde as coisas acontecem. O terminal gelado e impessoal não é mais um local passageiro, mas sim a tradução de Nova York, da América até, com suas leis, injustiças, encontros e desencontros. Viktor, então, tem problemas com o duríssimo agente alfandegário Frank (Stanley Tucci), mas conhece pessoas boas, como o boa-praça que desvia comida para ele e Amelia (Catherine Zeta-Jones), que será o ponto romântico da história. Até emprego bem-remunerado ele arranja, na reforma do aeroporto, que aqui já aparece como a terra da oportunidade.
É uma fábula que poderia estar situada em qualquer cidadezinha norte-americana dos filmes de Frank Capra, o que deixa claro o talento do cineasta em traduzir em imagem o roteiro "bizarro", e na modulação de comédia, drama e romance que são despachados indiscriminadamente em "O Terminal". Porque não é fácil, convenhamos, colocar um personagem sob várias situações como dormir, tomar banho, comer e até transar num aeroporto.
Spielberg consegue fazer do aeroporto um lugar dramático, graças à espera sem fim de Viktor, e sua direção apresenta idéias interessantíssimas no início, como a do registro kafkiano do não-cidadão num absurdo não-lugar. A bala explode no tambor do revólver de Spielberg quando o altruísmo coletivo, ingênuo, toma as rédeas daquela que seria uma brutal (e absurda) história. E é bem curioso que, no final das contas, um aeroporto avance do não-lugar para ser um ambiente utópico.
Avaliação:
O Terminal (The Terminal)
Direção: Steven Spielberg
Produção: EUA, 2004
Com: Tom Hanks, Catherine Zeta-Jones
Quando: a partir de hoje nos cines HSBC Belas Artes, Kinoplex Itaim 6 e circuito
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