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10/09/2004 - 07h20

Com sua voz, Björk flutua entre o arcaico e a modernidade

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da Folha de S.Paulo

Björk vem de uma tradição de fazer de cada um de seus discos uma peça única, artesanalmente cuidada para desafiar os ouvidos e romper as barreiras do conformismo. Em "Medúlla", que é lançado agora no Brasil, a cantora islandesa vai mais longe. Faz um disco dificílimo, mas não menos belo por isso.

O elemento principal de "Medúlla" é a voz nos seus mais diferentes registros e matizes, do coro aos sons mais guturais. Mas os vocais são usados de um modo diferente, em que o estúdio se torna instrumento da cantora.

Quando decidiu que faria um disco vocal, a única imposição que se fez era que o resultado não soasse como Manhattan Transfer ou Bobby McFerrin. "Medúlla", obviamente, cumpre esse papel com facilidade. É, antes, um disco muito particular, que transita entre o passado e o futuro, o moderno e o arcaico.

Enquanto uma faixa como "Vökuró", baseada em uma composição para piano de Jórunn Vidar, está mais afinada com o seu belo arranjo para as 20 vozes do Icelandic Choir, "Who Is it" é um salto ao futuro da música, desacelerando a batida da garage inglesa e imprimindo texturas cristalinas de vozes. A canção, em que Björk divide os vocais com a cantora Tagaq, é uma das que mais apresenta elementos eletrônicos, com programações de Valgeir Sigurdsson, da banda Múm, de Mark Bell e do Matmos, além dos beats vocais do rapper Rahzel, do The Roots.

Entre esses dois extremos, o disco se desenha ora delicado, ora desafiador. Cada uma das canções aponta um caminho, rompendo a homogeneidade das duas últimas incursões de Björk em estúdio: o gélido "Homogenic" e o introvertido "Vespertine".

"Medúlla" pede para ser decifrado já na primeira faixa, a climática "Pleasure Is All Mine", que começa soturna, com as vozes do Icelandic Choir criando uma cama harmônica sobre os vocais sussurados, picotados em estúdio. Depois se desenvolve em crescendo, com o canto de Björk atingindo cada vez mais força até minguar naquele mesmo coro soturno do começo.

Na seqüência, "Show me Forgiveness", cantada à capela, é inocente como uma canção de ninar. O transe dessas duas primeiras faixas é rompido por uma das canções mais abrasivas do disco: "Where Is the Line". Batidas quebradas de beatbox encontram o baixo vocal pulsante de Mike Patton. Os arranjos de vocal são construídos de forma a criar um bloco rígido de som a partir de intercalações entre as vozes mais graves e as mais agudas, tencionado o baixo e o beatbox. Sobre essa base, Björk canta "Eu quero ser flexível/../ Eu sou elástica", como se quisesse romper essa rigidez formal com a força das palavras.

As duas faixas seguintes são justamente "Vökuró" e "Who Is it". Indo de um extremo a outro, a islandesa mergulha na canção mais bonita do disco, "Submarine", uma prece para voltar à vida após meses na redoma da maternidade. O fabuloso veterano Robert Wyatt, do mítico Soft Machine, e dono de uma das vozes mais desamparadas do pop, faz o dueto com Björk em "Submarine". A construção da música mostra o desligamento do tema, indo dos vocais gravíssimos, uterinos, até um desfecho agudo, com a frase "Tire-nos deste sono pesado e profundo" ecoando com doçura.

A mesma doçura que impregna a delicada "Desired Constellation", construída sobre uma programação sutil de timbres médios, pontuados por um baixo esparso, e cantada com grande extensão vocal por Björk.

Depois vem a faixa mais conhecida, "Oceania", cantada nas Olimpíadas, com a sua batida quebrada e com os vôos vocais do London Choir. É o momento em que o disco começa a ser descoberto de verdade e a voltar para alguns territórios explorados anteriormente, como se dá no contraste voz/coro de "Sonets/Unrealities XI", em que Björk volta a gravar um poema de E.E. Cummings, e em "Ancestors", que apresenta um piano minimalista que se impõe a algumas das variações vocais mais arrojadas, com supiros, respirações, lamúrias e vocais cortados sucedendo freneticamente.

Já em "Mouth's Cradle" há mais coro sobre eletrônica seqüencialista, que é domesticada por uma batida quebrada. De novo, Björk intercala os mais diferentes tipos de vocal, deixando sua voz improvisando em primeiro plano, e explorando os acidentes de vozes editadas e seqüências de coro. As mesmas que seguem pela breve e abstrata "Midvikudags".

O fim chega com a dançante "Triumph of the Heart", uma lembrança de que Björk ainda é aquela mesma cantora que enveredou pela eletrônica com "Debut" e não cansou mais de se colocar à frente de seu tempo.

Medúlla

Artista: Björk
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 35, em média

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