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20/09/2004 - 03h08

"Metapolis" articula a topografia urbana-humana

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INÊS BOGÉA
da Folha de S.Paulo

Impenetrável na superfície, a cidade ganha outra textura nas dobras e reentrâncias do corpo humano, como se só assim sua existência real se revelasse. Uma saturação labiríntica de imagens e movimentos expõe em cena a combinação de civilidade e corporeidade, de adestramento e prazer. "Metapolis" (2000), coreografia de Frédéric Flamand com cenografia da arquiteta Zaha Hadid, apresentada no teatro Alfa na sexta, articula essa topografia urbana-humana, como espaço possível de realização.

Uma cidade utópica é construída com três pontes móveis, projeções e uma arquitetura de corpos. Variada e heterogênea, a peça sugere articulações insólitas, na medida em que o corpo do bailarino se vê transpassado ou transformado em imagem da cidade, ou então se mostra como traço dessa mesma cidade. A linguagem híbrida soma o break à dança contemporânea. É num ritmo descontínuo, de vetores desencontrados, com linhas de forças antagônicas, que a dança se constrói.

O corpo, por vezes, deixa de ter gravidade e flutua na projeção de um espaço imaginário. As formas são apresentadas num jogo de espelhos, criando um fluxo frenético por cidades retratadas ou intuídas, de natureza contrastante umas com as outras.

Flamand ordena uma pluralidade de referências, ecos mais ou menos diretos de reflexões sobre esse tema já clássico do debate pós-moderno, que é o corpo no contexto urbano. Exemplo: "O Mundo Novo" (1791) de Giandomenico Tiepolo, quadro barroco onde pessoas, de costas, contemplam o além-mar, traduz-se aqui numa massa de corpos sobre as pontes, olhando uma cidade virtual; ou a forma cubofuturista dos trabalhos de Picasso para o balé "Parade" (1917), que ganham outra feição nos corpos multifacetados pela tecnologia de ponta.

A platéia fica quase hipnotizada pela avalanche de imagens, luzes, gestos. O resultado, é verdade, tende a um aplacamento dos sentidos --assim como no cotidiano, com sua velocidade de informações e pulverização de tudo.

Por outro lado, a engenhosidade do cenário móvel (e figurino) de Hadid estimula intensidades diferentes: da obscuridade inicial aos riscos luminosos atravessando o espaço, de um campo de forças onde os bailarinos se deslocam às roupas sem forma em que são projetadas as imagens das cidades --fundidas aos corpos, que dançam então, ao mesmo tempo, virtual e realmente, na tela do fundo e na frente do palco.

Num presente contínuo --acentuado pela morosidade tensa da música eletrônica (interrompida aqui e ali por citações de música concreta e do "Quarteto para o Fim do Tempo", de Messiaen)--, a maleabilidade é de lei. As cidades se mostram em arqueamentos e acentos dos corpos, que a atravessam todo dia.

A identificação da vida, a nossa própria vida, com a existência aberratória e ordinária das cidades, em "Metapolis", provoca uma experimentação sensorial inédita. Na criação de mundos intensos e fissurados, o que se mostra ao mesmo tempo oculta algo de que se tem apenas vaga percepção. O quanto esse segredo, afinal, há de criar sentidos novos, ou o quanto é nuvem de fumaça (nuvem de implosões, para ser preciso) não chega a ser decidido num espetáculo que espanta mais do que encanta. O que não deixa de ser uma tese sobre as cidades.

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