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22/12/2004
-
10h14
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo
Honras desse tipo costumam mesmo ser póstumas, mas agora estão feitas: o tributo "Namorando a Rosa" recoloca no lugar devido a grandeza da violonista e compositora brasileira Rosinha de Valença (1941-2004) no seio de sua música popular. Fecha-se alegre um ciclo triste iniciado em 1992, quando Rosinha sofreu uma parada cardíaca e entrou no estado de coma que prevaleceu até sua morte, em junho.
As honrarias vêm de dentro para fora e partiram do selo Quitanda, de Maria Bethânia, cantora que sob direção musical de Rosinha se projetou definitivamente no show "Comigo me Desavim" (67). Também produtora do disco-tributo, Bethânia faz dele uma espécie de "Brasileirinho" 2, um prosseguimento do inventário do Brasil íntimo que a tem guiado.
"Rosinha era a plenitude da bossa nova, mas tinha uma particularidade: era do interior, caipirinha como eu e emocionada com isso", relata Bethânia para justificar a tonalidade interiorana e amplamente emotiva do CD que bancou com a gravadora Biscoito Fino e produzido com Miúcha.
Bethânia canta no tributo em cinco oportunidades, amplificando o espectro emocional de canções de uma mulher mais célebre como violonista, mas que se revelava autora em profundidade em poeminhas como "Madrinha Lua" e "Usina de Prata".
"A Pescaria" é cantada em dueto arrepiante de Bethânia com Caetano Veloso, como numa dupla caipira. A irmã diz que seria do gosto mais íntimo de Rosinha, violonista de bossa que também era sambista de prima, em parceria virtuosa com Martinho da Vila. Chico Buarque e sua sobrinha Bebel Gilberto, filha de Miúcha, repetem o feito em "Os Grilos São Astros", formando dupla caipira das mais chiques num todo assombroso de música e poesia.
A soberba "Usina de Prata", de letra profunda e fantasmagórica, foi recolhida, como muito do disco-tributo, do LP "Cheiro de Mato" (76, nunca reeditado pela EMI), em que a não-cantora Rosinha dava a Miúcha primeira chance de soltar a voz.
"Quando eu e Bethânia regravamos "Cabocla Jurema" [tema popular que Rosinha resgatara em "Cheiro de Mato'], fui a Valença mostrar para ela. Pareceu que o olho dela me olhou, e então caiu uma lágrima", comove-se Miúcha, que relê "Meus Zelos" e trata o tributo como atenuante de "um sentimento de culpa que todo mundo tinha por não visitá-la". "Bethânia nunca teve coragem de ir, eu quase não tive também."
Bethânia não visitou e conta o porquê: "Não tive coragem de ir ver, quando alguém ia, eu dizia: "Nem me ligue, não tenho perna". Ela era uma moleca, ver aquilo parado eu não queria, não".
Embora não fosse em pessoa, formou com Alcione e Martinho da Vila grupo seleto que prestou assistência a Rosinha e à família nos anos de coma. Fechava-se o cerco protetor do samba em torno de Rosinha, que trabalhou com Nara Leão e Elis Regina e apresentou Dona Ivone Lara a Bethânia (as duas se unem no tributo em "Sonho Meu", de Ivone, elo de comunhão entre as três).
"Bethânia ajudou tanto quanto eu, eu era a portadora das coisas para Valença, levava colchão de água", conta Alcione, que transformou a saudade em uma releitura apaixonada de "Interior", uma das mais belas canções de Rosinha e surpreendente momento de epifania no CD-tributo.
"Nos últimos tempos eu não estava indo mais lá, não adiantava", encolhe-se Martinho, que retrabalha o samba e a ausência em formato de blues, na parceria Martinho-Rosinha "Pro Amor de Amsterdã". Quem canta com ele no dueto é Célia Vaz, outra referência quase solitária do violão feminino na música brasileira.
Se é de mulheres e de música instrumental que se fala, que entrem homens instrumentistas com seus depoimentos musicais e falados. Participam da parte instrumental de "Namorando a Rosa" os veteranos parceiros de Rosinha Hermeto Pascoal e Turíbio Santos e o "herdeiro" (nos dizeres de Martinho da Vila) Yamandú.
"Não sou herdeiro, isso é exagero, mas Rosinha foi um dos primeiros violões brasileiros que ouvi, com Baden Powell e Raphael Rabello", mapeia o jovem Yamandú, que toca "Rosinha, Essa Menina", composta em 76 para a violonista por Paulinho da Viola.
Hermeto foi além, compôs um tema para Rosinha, o escorchante "Mais uma Rosa". Fala o mago de muitos sons e poucas palavras: "Pelos músicos da minha geração, a mulher era desprezada pelos homens quando era vista tocando ou dirigindo carro. Quando o pessoal via que Rosinha esquentava tudo, acabava esse papo boboca". Sem mais papo então.
Namorando a Rosa
Avaliação:
Lançamento: Quitanda
Quanto: R$ 30, em média
Especial
Leia o que já foi publicado sobre Maria Bethânia
Leia o que já foi publicado sobre Rosinha de Valença
Tributo de Maria Bethânia redimensiona Rosinha de Valença
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da Folha de S.Paulo
Honras desse tipo costumam mesmo ser póstumas, mas agora estão feitas: o tributo "Namorando a Rosa" recoloca no lugar devido a grandeza da violonista e compositora brasileira Rosinha de Valença (1941-2004) no seio de sua música popular. Fecha-se alegre um ciclo triste iniciado em 1992, quando Rosinha sofreu uma parada cardíaca e entrou no estado de coma que prevaleceu até sua morte, em junho.
As honrarias vêm de dentro para fora e partiram do selo Quitanda, de Maria Bethânia, cantora que sob direção musical de Rosinha se projetou definitivamente no show "Comigo me Desavim" (67). Também produtora do disco-tributo, Bethânia faz dele uma espécie de "Brasileirinho" 2, um prosseguimento do inventário do Brasil íntimo que a tem guiado.
"Rosinha era a plenitude da bossa nova, mas tinha uma particularidade: era do interior, caipirinha como eu e emocionada com isso", relata Bethânia para justificar a tonalidade interiorana e amplamente emotiva do CD que bancou com a gravadora Biscoito Fino e produzido com Miúcha.
Bethânia canta no tributo em cinco oportunidades, amplificando o espectro emocional de canções de uma mulher mais célebre como violonista, mas que se revelava autora em profundidade em poeminhas como "Madrinha Lua" e "Usina de Prata".
"A Pescaria" é cantada em dueto arrepiante de Bethânia com Caetano Veloso, como numa dupla caipira. A irmã diz que seria do gosto mais íntimo de Rosinha, violonista de bossa que também era sambista de prima, em parceria virtuosa com Martinho da Vila. Chico Buarque e sua sobrinha Bebel Gilberto, filha de Miúcha, repetem o feito em "Os Grilos São Astros", formando dupla caipira das mais chiques num todo assombroso de música e poesia.
A soberba "Usina de Prata", de letra profunda e fantasmagórica, foi recolhida, como muito do disco-tributo, do LP "Cheiro de Mato" (76, nunca reeditado pela EMI), em que a não-cantora Rosinha dava a Miúcha primeira chance de soltar a voz.
"Quando eu e Bethânia regravamos "Cabocla Jurema" [tema popular que Rosinha resgatara em "Cheiro de Mato'], fui a Valença mostrar para ela. Pareceu que o olho dela me olhou, e então caiu uma lágrima", comove-se Miúcha, que relê "Meus Zelos" e trata o tributo como atenuante de "um sentimento de culpa que todo mundo tinha por não visitá-la". "Bethânia nunca teve coragem de ir, eu quase não tive também."
Bethânia não visitou e conta o porquê: "Não tive coragem de ir ver, quando alguém ia, eu dizia: "Nem me ligue, não tenho perna". Ela era uma moleca, ver aquilo parado eu não queria, não".
Embora não fosse em pessoa, formou com Alcione e Martinho da Vila grupo seleto que prestou assistência a Rosinha e à família nos anos de coma. Fechava-se o cerco protetor do samba em torno de Rosinha, que trabalhou com Nara Leão e Elis Regina e apresentou Dona Ivone Lara a Bethânia (as duas se unem no tributo em "Sonho Meu", de Ivone, elo de comunhão entre as três).
"Bethânia ajudou tanto quanto eu, eu era a portadora das coisas para Valença, levava colchão de água", conta Alcione, que transformou a saudade em uma releitura apaixonada de "Interior", uma das mais belas canções de Rosinha e surpreendente momento de epifania no CD-tributo.
"Nos últimos tempos eu não estava indo mais lá, não adiantava", encolhe-se Martinho, que retrabalha o samba e a ausência em formato de blues, na parceria Martinho-Rosinha "Pro Amor de Amsterdã". Quem canta com ele no dueto é Célia Vaz, outra referência quase solitária do violão feminino na música brasileira.
Se é de mulheres e de música instrumental que se fala, que entrem homens instrumentistas com seus depoimentos musicais e falados. Participam da parte instrumental de "Namorando a Rosa" os veteranos parceiros de Rosinha Hermeto Pascoal e Turíbio Santos e o "herdeiro" (nos dizeres de Martinho da Vila) Yamandú.
"Não sou herdeiro, isso é exagero, mas Rosinha foi um dos primeiros violões brasileiros que ouvi, com Baden Powell e Raphael Rabello", mapeia o jovem Yamandú, que toca "Rosinha, Essa Menina", composta em 76 para a violonista por Paulinho da Viola.
Hermeto foi além, compôs um tema para Rosinha, o escorchante "Mais uma Rosa". Fala o mago de muitos sons e poucas palavras: "Pelos músicos da minha geração, a mulher era desprezada pelos homens quando era vista tocando ou dirigindo carro. Quando o pessoal via que Rosinha esquentava tudo, acabava esse papo boboca". Sem mais papo então.
Namorando a Rosa
Avaliação:
Lançamento: Quitanda
Quanto: R$ 30, em média
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