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30/04/2005 - 09h30

Jô Soares desvenda os bastidores da ABL em seu novo livro

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MARCELO PEN
crítico da Folha de S. Paulo

Crimes estrambóticos, uma elite que se comporta como nos últimos dias de Sodoma, um assassino caldeado numa vil seita medieval. Tudo relativo a Jô Soares, 67, é hiperbólico. A começar pelas várias atividades a que se dedica, da TV ao teatro, da pintura à musica. E, nos últimos anos, a literatura.

Entrar em seu estúdio é, guardada as proporções, como se esgueirar pela mansão de "Cidadão Kane", o filme de Orson Welles. O espaço impressiona.
Amplíssimo, refrigerado, pontilhado de obras de arte, ocupa todo um andar de um prédio de alto padrão em Higienópolis, em São Paulo. Logo à esquerda, o olhar é atraído para uma fantástica escultura do Super-Homem. Atrás de várias mesas e cadeiras, como se brotasse da imensa tela do computador, uma voz ecoa: "Olá!".

A recepção, para alívio do visitante, é bem mais amistosa do que a advertência "No Trespassing!" (Não entre!) que figura no início do clássico de Welles. A visita tem por objetivo tratar do último livro de Kane... ops! Soares, um romance policial histórico e de humor chamado "Assassinatos na Academia Brasileira de Letras", no qual a mirabolante imaginação do autor transfigura a realidade brasileira dos anos de 1920.

Começa assim: um influente político nordestino é eleito para a Academia Brasileira de Letras graças a uma ficção que narra o envenenamento coletivo dos imortais. Pois não só o novo membro é assassinado no dia da posse, como outro acadêmico cai duro sobre seu túmulo, durante o funeral. Os dois tinham sido envenenados. Entra em cena o comissário Machado Machado (o nome repetido é fruto da adoração paterna pelo idealizador da Academia, Machado de Assis). Sua missão: desvendar a espessa trama que mistura esoterismo, dandismo, mau-caratismo e sofismos. Enquanto isso, os imortais vão caindo como moscas.

Soares diz que não pensa em emular o feito de seu político e entrar para a ABL com um livro sobre assassinatos de acadêmicos. Para ele, o que lhe interessa e que o levou a estrear na literatura com o bem-sucedido "O Xangô de Baker Street" é o humor.

Folha - Como foi seu ingresso na literatura?
Jô Soares
- Foi graças ao Rubem Fonseca. Liguei para ele e disse que tinha uma história que achava que ele podia escrever. Ele disse: "Senta e escreve, cara, está pronto, é você quem tem de escrever". Insistiu tanto que comecei "O Xangô...". E descobri uma coisa fantástica. A minha ferramenta fundamental é o humor. Percebi que podia escrever sobre qualquer tema desde que não descuidasse da visão de humor. Daí, desembestei.

Folha - Como surgiu a idéia para "Assassinatos..."?
Soares
- Foi num estalo, ao ler uma notícia sobre alguém que tinha morrido num banquete. Refleti: "Será que foi envenenado?". Imagine que haja um grupo de pessoas que morresse envenenado, num banquete desses. Na hora, pensei: "O chá da academia!".

Folha - Por que escolheu a data de 1924 para situar a ação?
Soares
- É o governo de Arthur Bernardes, que, para mim, foi injustiçado, pois quis fazer reformas progressistas e teve de governar 95% do tempo sob estado de sítio. Houve também o fato de o cassino do Copacabana Palace ter sido inaugurado naquele ano.

Folha - O sr. planeja com rigor o enredo dos seus livros?
Soares
- Só consigo começar a escrever quando sei o final. Antes de escrever, crio um roteiro, encadeio a história em cenas. Claro que volta e meia fujo desse roteiro. Há personagens que surgem de repente. Por alguns nos apaixonamos. Outros desprezamos.

Folha - Sentimos que o sr. tem um certo carinho pelo assassino.
Soares
- Não posso negar [risos].

Folha - Em pré-venda pela internet seu livro já ocupa o terceiro lugar na lista dos mais vendidos.
Soares
- O que mais massageia o ego do autor é ver alguém lendo a sua obra. Aqui o livro fica muito vinculado à minha imagem. Quando "O Xangô..." foi lançado na França, vi pessoas que não me conheciam comprando meu livro, o que me deixou comovido. A impressão que se tem é que o livro virou um filho e caminha só.

Folha - O sr. é muito zeloso com esses seus filhos?
Soares
- Claro! Aí a gente começa a fazer maluquices, como ir à Barnes & Nobles, em Nova York, e tirar o livro da estante, para botá-lo mais para frente... Coisa de criança.

Folha - O sr. é um dos autores de "Humor nos Tempos do Collor". "Assassinatos..." é o humor nos tempos do Lula?
Soares
- [risos] O humor nos tempos do Lula ainda não foi escrito, embora eu ache que ele mesmo, às vezes, se encarregue de colaborar.

Folha - "Assassinatos..." e "O Xangô..." mesclam romance policial, humor e romance histórico. Não tem receio de ser acusado de repetir uma fórmula?
Soares
- Não. Primeiro porque se trata de uma época diferente. Além disso, há vários escritores que fazem exatamente isso, ao misturar ficção e história. Só escrevo sobre aquilo que gosto. Não sei escrever sobre encomenda.

Folha - O gênero policial é injustiçado?
Soares
- Hoje em dia, não, embora talvez seja considerado um gênero à margem. Foi bom, porque não ficou sob o crivo literário, o que deu aos autores uma liberdade muito grande.

Folha - E o humor?
Soares
- Em todas as grandes obras percebo uma visão de humor. Em Balzac, em Dostoiévski. Mas só existe um país cujo maior escritor é também humorista, o Cervantes. Por isso, na Espanha, dá-se importância ao humor.

Folha - Como andam suas relações com a ABL?
Soares
- O lançamento no Rio será na Academia, por isso mandei o livro para os acadêmicos. Ao fazer as dedicatórias, percebi que conheço muitos. Dos 40, tive contato com 28, através do programa.

Folha - Não pretende candidatar-se a uma vaga, como seu personagem, que entra para a Academia com um livro sobre assassinatos na Academia?
Soares
- Não, aí ficaria uma meta-meta-metalinguagem. Teria de fazer a campanha, a política da campanha, que não me motiva.

Folha - Mas o sr. conhece tanta gente lá.
Soares
- Há uma grande diferença entre conhecer e reconhecer. Não me vejo pedindo voto para nada. É como na Academia Francesa, na qual a brasileira se espelha, quando, na realidade, espera-se que as honrarias sejam mais oferecidas do que batalhadas.

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