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28/07/2005 - 09h42

Frateschi mergulha em dilemas éticos ao montar Fiodor Dostoiévski

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Três dias depois do final da gestão do PT na Prefeitura de São Paulo (2001-2004), o ator e ex-secretário da Cultura Celso Frateschi já mergulhava na adaptação teatral de um conto do russo Fiodor Dostoiévski (1821-1881), "Sonho de um Homem Ridículo".

É a história algo surrealista de um sujeito ensimesmado, às turras com a autoconsciência do ridículo que o assombra desde a infância. No espetáculo solo, Frateschi, 53, transformou o protagonista em funcionário público, como que sublinhando a lida com o poder que ele mesmo experimentou. Daí a recrudescente atualidade do texto em meio à crise que abala o PT e o governo Lula.

Na viagem onírica que o projeta para outro planeta, o homem dostoievskiano parece ir ao longe para melhor enxergar a Terra, a si e a seus semelhantes, num processo de dor e tristeza, busca de uma verdade possível no reino das aparências éticas.

A seguir, trechos da entrevista com Frateschi, 35 anos de teatro.

Folha - Você saiu da secretaria, converteu o protagonista em funcionário público. O projeto tem a ver com sua experiência com o poder?

Celso Frateschi - Sem dúvida nenhuma. O bom do teatro é isso: é uma profunda reflexão sobre a vida. Eu não imaginava que fosse acontecer o que está acontecendo dentro do PT. E o texto resultou de uma violência, de uma contundência, de uma contemporaneidade, do ponto de vista ético --que é questão básica em Dostoiévski, que nem de longe pensei que ia ter essa força que tem.

Folha - Como vê a atual crise política do país?

Frateschi
- O destino da história do PT está colocado numa encruzilhada que pode ser fundamental para o país. Torço para que se punam os culpados. O medo é que se perca o foco nessa briga contra a corrupção. Claro que fico triste e preocupado em ver gente histórica do partido, como o [José] Genoino, que não teve nada pessoalmente, mas fez uma ação que gerou uma confusão do cão.

É por isso que "Horácio" vem a calhar [texto do alemão Heiner Muller, outro solo do ator]. Horácio vence a guerra por Roma e, entusiasmado, acaba matando também a irmã, noiva do homem com quem duelou.

Ele é julgado pelos romanos, que sabiamente lhe dão o louro, como herói, mas também o machado, como assassino. É uma crueldade que a história demanda. Tem de ser assim. São dirigentes de cerca de 800 mil filiados, de 50 milhões de pessoas que acreditaram e votaram no presidente.

Folha - Depois que deixou a secretaria, teve encontros com Emanoel Araújo ou Carlos Augusto Calil [respectivamente, o ex e o atual secretário da Cultura]?

Frateschi - Com o Emanoel tive vários, antes de ele assumir. Foi surpreendente a virada de discurso dele, até uma reação patética, mas ele já pediu desculpas públicas, até lhe mandei flores. Acho que foi vítima do [José] Serra, mal informado pelo gabinete. Tenho o maior respeito pelo Emanoel.

Com o Calil, surpreendeu-me muito, de forma negativa. Ele participou do governo, não precisava ter invertido tanto, principalmente no que diz respeito à [biblioteca] Mário de Andrade. Usou números errados. Ele sabe que o que conseguiu fazer no Centro Cultural São Paulo, por exemplo, foi porque o orçamento pulou de R$ 2 milhões para R$ 8 milhões, e fui eu quem fiz isso, não foi à toa. Não tive contato com ele nem quero.

Folha - Sua atuação administrativa foi marcada pela reafirmação de políticas públicas. Essa filosofia pode ser disseminada?

Frateschi - Deixei uma contribuição para ser analisada positiva ou negativamente por qualquer governo. Hoje, você tem um governo [na cidade de São Paulo] que se pauta para ser contrário ao governo anterior.

Infelizmente, os programas de cultura não foram votados, sempre ficam na sombra dos outros programas. Vejo com muita tristeza alguns abandonos, como o Museu da Cidade, que tem verba depositada no Instituto Florestan Fernandes, cerca de R$ 6 milhões, R$ 7 milhões, e dinheiro do BID para ser reformado, R$ 15 milhões ou R$ 20 milhões, e todas as ações são de pé no freio, de não se tocar o Museu da Cidade por ser uma marca do governo anterior. A própria Galeria Olido, que tinha dinheiro de patrocinador, e não da prefeitura.

E a maior tristeza de todas, de chorar, que é o abandono dos CEUs, uma visão pedagógica que compreendia cultura, esporte e educação. Eles descaracterizaram, malharam tanto, que a primeira ação foi tirar a responsabilidade da ação cultural da Secretaria da Cultura. Isso é jogar fora os 21 centros culturais. E isso com dinheiro constitucional, não tem como falar que não tem. Com a Mário de Andrade foi a mesma coisa, todo o processo de reativação descaracterizou o trabalho já feito. O problema é quando o debate não atinge o nível propositivo e sim o da desqualificação.

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre Celso Frateschi
  • Leia o que já foi publicado sobre Fiodor Dostoiévski
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