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03/08/2005 - 09h38

Compositor viaja no tempo e desbrava capital húngara

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JOÃO WAINER
Colabiração para a Folha de S.Paulo, em Budapeste

O vôo 879 da companhia húngara Malev Airlines deixou Zurique sem atraso naquele sábado de junho em que o Brasil venceu a Alemanha por 3 a 1 na Copa das Confederações.

Na segunda fileira um passageiro lia atentamente o jornal húngaro "Szép Szó" e preenchia as palavras cruzadas impressas no caderno cultural. Com dificuldade, consultava a cada instante um livro verde de capa dura sobre a mesinha da aeronave. O passageiro era Chico Buarque de Hollanda, prestes a aterrissar pela primeira vez em Budapeste, cidade que, apesar de não conhecer, inspirou-o e deu nome a seu último romance, publicado em 2003. O livro ao lado do jornal era um dicionário húngaro-inglês. Começava ali a viagem do autor --assim como seu protagonista, o escritor José Costa--, não apenas por Budapeste mas também pela língua húngara que, segundo seu livro, de tão complexa é a única que o Diabo respeita.

O primeiro contato com o povo húngaro deu-se ainda no avião. A aeromoça da Malev, linda, loura e de nome Érika, servia os passageiros. Chico pediu: "Et wiz kera" ("Uma água, por favor"). "Mineral water?", respondeu a aeromoça, em inglês, com sotaque carregado nos "erres", típico do Leste Europeu, para a decepção do compositor empenhadíssimo no aprendizado do húngaro.

Evoluindo lentamente nas palavras cruzadas, Chico demonstrava ansiedade que ficava mais clara à medida que o vôo chegava ao fim. "É estranho. Fiquei muito tempo, dois anos, me imaginando nesta cidade. Quero ver quando pisar lá o que vai acontecer."

Em sua chegada à cidade, jantou um prato típico húngaro, despediu-se e saiu sozinho, caminhando rápido com seu sotaque paulista nos pés pela margem do rio Danúbio. "Quando estou andando pela cidade, parece que eu estou dentro do livro", confessou o escritor.

Chico Buarque desbravou Budapeste. Uma de suas descobertas foi a estátua do escritor anônimo no Városliget. A estátua representa um historiador que trabalhava para o rei Bélla 3º no final do século 17 e prestava-lhe anonimamente serviços literários. Foi ele quem escreveu "Gesta Hungarorum" ("História dos Húngaros"), um dos mais importantes livros de história da Hungria. Sua identidade jamais foi descoberta.

No romance "Budapeste", o protagonista José Costa é um ghost-writer que escreve textos para que outros assinem. No final da viagem, Chico afirmou que ao livro não cabem modificações em edições futuras, mas a estátua seria a única que ele poderia acrescentar após conhecer a Budapeste real.

"Chegando aqui, pude confirmar que algumas coisas que eu tinha escrito com base em pesquisas estavam erradas, como o cigarro da marca Fecske que não existe há mais de 20 anos, ou o jornal onde meu protagonista publica um anúncio num domingo e que não sai aos domingos. Por outro lado, coisas que eu tinha inventado são reais, como a rua Toth, em que Kriska morava, que realmente existe. Fui até lá e descobri que há uma estação de metrô ao lado, exatamente como descrito no livro. A intuição também funciona muito", afirmou.

Na periferia de Budapeste houve um torneio de futebol entre o time da embaixada brasileira, reforçado por Chico e seu empresário, Vinicius França, contra equipes formadas por ex-jogadores húngaros, alguns com passagem pela seleção local. Os brasileiros jogaram duas vezes e venceram ambas. Chico não fez gol, mas jogou bem e deu boas assistências aos gols de Vinicius.

"Escrever sobre uma cidade que você não conhece é um pouco como escrever sobre outros tempos. Quanta literatura já não foi escrita sobre tempos remotos, ficção científica e tal. Chegar aqui a Budapeste é como se eu pudesse chegar ao Brasil da invasão holandesa da peça "Calabar", que escrevi com o Ruy Guerra, que se passa em 1631. É claro que qualquer peça ou romance histórico é feito com base em pesquisas, mas deve ter muito desacerto. Chegar a Budapeste é como se eu pudesse viajar no tempo."

"Ao lado da estranheza inicial, me senti como se de fato conhecesse Budapeste. Me senti à vontade aqui", disse Chico Buarque, momentos antes de despedir-se e embarcar para Paris, local onde ele afirma que encontra a paz necessária para trabalhar. Chico finaliza, a partir de agora, as composições de seu próximo disco, com previsão de lançamento no final deste ano.

O repórter-fotográfico João Wainer é diretor de fotografia da série "Chico Buarque".

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