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08/08/2005 - 13h16

Daniel Filho lembra da rotina estressante da TV e fica com o cinema

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KARINA KLINGER
da Folha Online

Aos 67 anos, o ator e diretor carioca João Carlos Daniel continua surpreendendo os amigos. Homem que revolucionou a TV, dando novo padrão às novelas e consolidando o gênero no país, Daniel Filho acaba de estrear no teatro. Desta vez não como ator --afinal debutou nos palcos em 1952--, mas como diretor do espetáculo "As Mulheres da Minha Vida", em cartaz no teatro Cultura Artística, em São Paulo.

"Ficava sempre com inveja de quem fazia, mas nunca tinha tempo para fazer teatro. Achava que era uma mídia que não iria mais fazer", fala Daniel Filho, que depois de deixar um dos cargos de maior importância na Rede Globo, o de diretor artístico, em 2000, está agora à frente da Globo Filmes.

Luciana Cavalcanti/FI
Lalá
Diretor trocou TV por cinema em 2000
Envolvido em produções de grande repercussão na televisão, como "Irmãos Coragem", "Pecado Capital", "Malu Mulher", "Dancin'Days", entre outros, Daniel conta que sente saudade da TV aberta, mas não cogita voltar.

"O trabalho na TV aberta é muito pesado e eu não tenho mais porque trabalhar daquela forma. Cheguei milhares de vezes a passar três ou quatro dias sem deixar a emissora", conta.

Apaixonado por cinema desde os cinco anos, o diretor e produtor está por trás de uma série de filme, entre eles, "A Partilha", "A Dona da História", "Querido Estranho", "Tainá", "O Auto da Compadecida", entre outros. "Minha paixão por cinema é indescritível, sou do tipo que assiste a um filme por dia", diz ele, que defende uma obrigatoriedade de cotas para que os filmes brasileiros sejam exibidos na TV.

Além disso, Daniel, um dos primeiros a filmar um seriado em película, o "Confissões de Adolescente", que foi ao ar na TV Cultura no começo dos anos 90, defende a produção de filmes para a TV, o telefilme --investimento comum nos canais americanos.

Leia abaixo trechos da entrevista com o ator e diretor:




Folha Online - Por que demorou tanto para o senhor encarar o teatro como diretor?

Daniel Filho - Eu nunca tentei antes, porque não havia pensado nisso. Fui largando o teatro e, na minha cabeça, achei que não havia mais lugar para mim. Achei que não pertencia mais ao teatro. Mas de uns quatro, cinco anos para cá, eu comecei a pensar novamente nele.

Folha - A sensação de não ser mais de teatro lhe aborrecia?

Daniel Filho - Não. Só achava que era uma mídia que não iria mais fazer. A televisão ocupava tanto tempo e, agora, tem o cinema. Com a televisão saindo da minha vida, melhorou. Quando era diretor-geral da Globo, a TV ocupava muito espaço. Eu ficava sempre com inveja de quem fazia, mas nunca tinha tempo para trabalhar com ele.

Folha - E a escolha do texto da peça, como aconteceu?

Daniel Filho - Eu vi essa peça há 13 anos e estava em uma época de empreender. No mesmo ano, comprei "A Partilha", peça que virou filme depois. Eu vi "As Mulheres da Minha Vida", texto do norte-americano Neil Simon, em Nova York. Achei que ela daria um bom pedal no Brasil. E há quatro anos comecei a ampliar o meu mercado, comprei a peça que fala sobre um escritor e sua relação com as mulheres que passaram pela sua vida. A sociedade com Fagundes foi como um namoro. Ele leu e gostou. Foi açúcar no mel. O caminho acabou sendo inevitável.

Folha - O que mais lhe encantou no texto?

Daniel Filho - O homem tem muita dificuldade de falar de seus próprios sentimentos e a peça faz com que ele fale sem que precise se declarar. Eu também passo por isso.

Folha - Mas a vida não lhe ajudou a contornar a forma com que lida com seus sentimentos? Envelhecer foi complicado para o senhor?

Daniel Filho - Eu não sou mais o que era ontem com certeza. Envelhecer é a única forma de viver. As rugas vão caindo ainda mais. Vejo como era mais bonitinho antes, mais novo (risos). Estou há dois anos tentando completar 70 anos e, claro, tomo mais cuidado. Desde os 40, faço exames anuais.

Folha - E o fato da TV ter consumido tanto tempo na vida do senhor, isso lhe causou algum tipo de arrependimento? Deixar a TV foi um processo doloroso?

Daniel Filho - A televisão foi algo maravilhoso na minha vida. Sair foi a despedida de uma certa convivência, de uma boa convivência. E como toda despedida, fica saudade. Quando me lembro da TV, me imagino em uma estação de trem e eu dizendo tchau. Mas é uma tristeza agradável, pois tenho a sensação de dever comprido. Fiz coisas que me deixaram contente e agora com o lançamento em DVD de alguns programas, melhor ainda. Um deles, por exemplo, é o "Confissões de Adolescente", que chega às lojas em outubro.

"QUANDO FAZIA TV, ERA ALGO MAIS PRÓXIMO"

Reprodução
Estréia na televisão foi em 1956, quando o ator tinha 19 anos
Estréia na TV foi em 1956, quando o ator tinha 19 anos
Folha - Do que o senhor sente mais saudade na TV?

Daniel Filho - Tenho saudade de uma TV que não existe mais. É igual a saudade que eu tenho de Copacabana ou de Ipanema, no Rio de Janeiro. Quando fazia TV, era algo mais próximo, era um tipo de trabalho em que nós estávamos sempre muito próximos. Sou do tempo do ao vivo. Trabalhei na TV sem parar de 1956 até 2000. E acompanhei todas as transformações. É como se a TV fosse um filho, você não nota o quanto cresceu, o quanto poderoso e mais bonito está. Quando era ao vivo todo mundo se encontrava, tudo acontecia no mesmo estúdio. Depois foi sendo gravado. Eu sou da idade que não tinha memorando. Você apenas abria a porta, gritava e as pessoas escutavam.

Folha - Será que a TV era então mais humana naquela época?

Daniel Filho - Humano não é a palavra certa. A TV era mais artesanal. Todo mundo remava o mesmo barco.

Folha - E o que que tinha de bom que hoje não tem?

Daniel Filho - Tinha tudo de bom. Mas não gosto de comparar. Acho que a televisão teve uma carreira, o público aumentou muito. Quando comecei, havia poucos espectadores. Fiz uma novela com 100% de audiência, "Irmãos Coragem", algo que não acontece mais hoje. Afinal, a contagem era diferente, não é mais de porta em porta, também havia poucos espectadores. Só nesta passagem já ocorreu uma queda na audiência. Não podemos, portanto, fazer comparações. Temos agora uma nova televisão.

Folha - Mas o senhor acha que se habituaria com essa nova TV?

Daniel Filho - Isso é uma suposição. Eu não trabalho com suposições. E o mesmo que você me perguntar se Michelle Pfeiffer pedir um beijo, você daria? Acho a atriz americana uma mulher muito bonita, mas não é por isso que eu me casaria com ela.

Folha - Mas se rolasse uma proposta?

Daniel Filho - Eu não me vejo mais nisso. O trabalho na TV aberta é muito pesado e eu não tenho mais porque trabalhar daquela forma. Cheguei milhares de vezes a passar três ou quatro dias sem deixar a emissora, dormindo pelos cantos. Tudo para colocar o programa no ar. Principalmente naquela época de "Irmãos Coragem". Mas eu era mais garoto, estava numa luta, coisa que não preciso mais, nem pretendo mais.

"EU SOU UM CARA QUE VEJO UM FILME POR DIA"

Reprodução
Lalalala
Filmagens de "A Dona da História", em 2004
Folha - E a paixão pelo cinema, é recente?

Daniel Filho - O cinema sempre me encantou. É a coisa que eu mais gosto. Eu aprendi a amar desde os cinco anos de idade esse tipo de arte. É indescritível a minha relação. Eu sou um cara que vejo um filme por dia.

Folha - Como a maioria dos cineastas brasileiros, o senhor também encontra dificuldade na hora de fazer, lançar e distribuir um filme, mesmo estando à frente da Globo Filmes?

Daniel Filho - Não tem nada a ver uma coisa com outra. Já fiquei anos esperando o dinheiro chegar e ele não chegou. Os filmes que estou dirigindo estão resultando melhor, mesmo assim isso não me ajuda a arranjar dinheiro com mais facilidade. As pessoas que investem nesta área não estão atentas, nem preocupadas com isso. Eu tenho a mesma dificuldade que os outros, pode ser que eu tenha um pouco menos de dificuldade que algumas pessoas. Mas, no geral, é igual a todo mundo.

Folha - Hoje o cinema é uma atividade lucrativa?

Daniel Filho - Não. O cinema no Brasil não se paga, não tem como fechar a conta. Aliás, ele não é lucrativo em nenhum lugar do mundo, só nos Estados Unidos, na Índia e em Hong Kong. Em outros lugares, sem patrocínio, não se fecha a conta e o filme não sai.

Folha - Com quantos filmes o senhor está envolvido?

Daniel Filho - Preciso contar [risos]. "Se eu Fosse Você", com Tony Ramos e Glória Pires, estréia em janeiro. Mas já estou trabalhando na produção do longa de Alexandre Machado e Fernanda Young. Mas neste ano já tivemos "Tainá 2", "Casa de Areia" e "2 Filhos de Francisco", a ser lançado no próximo dia 19.

"AS SALAS SÃO POUCAS POR AQUI. SEM UM ACORDO DE EXIBIÇÃO NA TV, FICA DIFÍCIL"

Divulgação
Lalá
Diretor defende mais salas de cinema
Folha - O ministro Gilberto Gil afirmou em 2003 que pretendia fazer com que o Brasil produzisse 100 filmes por ano. O senhor acredita nessa possibilidade?

Daniel Filho - Não. Mas, para acontecer, são necessárias mais salas de cinema. Caso contrário, vão ficar ainda mais filmes nas prateleiras. As salas são poucas por aqui. E sem um acordo de exibição na TV, fica difícil. Mas existe a possibilidade de se produzir filmes para a TV, como acontece com o canal HBO. Só que a lei não considera que um filme feito para a TV seja um filme. O telefilme é um projeto que batalho há 20 anos. Bastava terceirizar toda essa transação.

Folha - O que torna essa produção tão difícil?

Daniel Filho - As pessoas ainda só falam na Globo. As pessoas usam o plural, mas, na verdade, estão pensando no singular. Cadê as outras emissoras? A Record e o SBT fizeram um filme recentemente, mas é preciso investir mais. Penso na necessidade de instituirmos uma obrigatoriedade de cotas para que os filmes brasileiros sejam exibidos na TV. O cineasta sueco Ingmar Bergman, por exemplo, não quer mais produzir para o cinema, só para TV. Tiveram de convencê-lo para que um de seus filmes fossem exibidos em um festival. E foi uma loucura. Vários amigos tiveram de negociar.

Folha - O processo inverso no Brasil, das minisséries se transformarem em filmes, também é interessante?

Daniel Filho - O próprio "Fanny e Alexander", uma das produções de Bergman mais bem avaliadas no Brasil, é, na verdade, uma minissérie feita para TV. Acho que o formato dá certo. O único problema em relação à TV é que as emissoras, até onde sei, têm de recolher o dinheiro imediatamente. Elas não podem fazer um produto e esperar o lançamento. Em "O Auto da Compadecida", por exemplo, o dinheiro veio do patrocínio. É como se o jornal tivesse de produzir algo que seria vendido daqui a seis meses. A TV não pode faturar daqui a um ano. A TV aberta não pode segurar ou prender-se em projetos que serão exibidos a longo prazo. Há coisas que precisam ser discutidas violentamente com mais cuidado em relação a essa história. Enquanto não houver lei que permita financiar um filme que passe na TV, as coisas não vão acontecer.

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