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24/08/2005 - 08h37

Após 23 anos, João Carlos Martins e Arthur Moreira Lima tocam juntos hoje

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RICARDO FELTRIN
Editor-chefe da Folha Online

Nesta quarta-feira, o teatro Cultura Artística, em São Paulo, abrigará um concerto histórico para a música clássica brasileira. Dois velhos amigos voltarão a tocar juntos após 23 anos. A última vez que João Carlos Martins e Arthur Moreira Lima se apresentaram num mesmo palco foi no Lincoln Center, em Nova York, no início da década de 80. A apresentação desta noite tem ainda outro simbolismo: será a primeira vez que Martins, que foi obrigado a trocar o piano pela regência, conduzirá o amigo como maestro, e diante de sua Bachiana Chamber Orquestra.

Nas décadas de 70 e 80, Martins e Moreira Lima sempre se apresentavam juntos, em concertos duplos. Foram cerca de 50, cada qual executando sua paixão: obras de Bach (1685-1750) no caso do primeiro; de Chopin (1810-1849), no caso do segundo.

Paixões colocadas de lado, os amigos decidiram homenagear outro compositor esta noite. Será de Wolfgang Amadeus Mozart (1762-1842) a peça que João Carlos Martins --que abandonou as teclas após uma série de acidentes e cirurgias que lhe tiraram os movimentos das mãos-- conduzirá ao lado de Moreira Lima. Ao final do espetáculo, farão o que Martins chama de "brincadeira": tocarão novamente juntos, utilizando dois pianos.

"Mas não será um concerto a quatro mãos, viu? Só o Arthur usará as duas mãos. Eu só posso usar quatro dedos. É tudo que consigo", diz resignado o novo maestro.

Veja os principais trechos da entrevista:




Folha Online - Há quantos anos o sr. e Arthur Moreira Lima não se apresentavam juntos?

João Carlos Martins -
Há 23 anos. A última vez foi em Nova York. Nós sempre tocávamos juntos, intercalando prelúdios de Bach, que eu adoro, com prelúdios de Chopin, que o Arthur ama.

Folha Online - Como o sr. se sente regendo pela primeira vez um amigo?

Martins -
Prefiro passar a bola para ele responder. Como será que ele se sente tendo por regente um amigo? (risos).

Folha Online - Qual será a peça que farão juntos?

Martins -
O concerto nº 22 de Mozart em Mi Bemol.

Folha Online - Acha que haverá algum tipo de, digamos, tensão entre o solista e o regente por causa dos estilos diferentes do senhor e dele?

Martins -
Não sei, acho que não. Mas certamente o Mozart de (interpretado por) Arthur é diferente do meu. Os músicos trazem para a interpretação suas diferenças de estilos e técnicas. Isso é inevitável.

Folha Online - O sr. é especialista em Bach. Moreira Lima, em Chopin. Impressão minha ou o contraponto e o romantismo estão se encontrando no alegre Mozart?

Martins -
Boa questão... Olha, eu considero Bach o primeiro computador com alma da história. Tinha uma mente matemática e ao mesmo tempo uma expressividade absurda, um espírito imenso. Já Chopin foi o auge do sonho na música. Ele é a expressão máxima do romance. Enquanto isso, Mozart parece ter um pouco de ambos. Do contraponto e do romantismo. Veja que curioso: Mozart é aquele compositor que você toca bem quando é criança e ainda está aprendendo a tocar piano. E quando envelhece, depois dos 60 anos, um pianista volta a tocar Mozart bem. É isso. Seu espírito é juvenil, independentemente da idade de quem o toca.

Folha Online - Parodiando o futebol, que o sr. tanto gosta...

Martins -
... eu diria que você tem Bach num gol e Chopin no outro. E Mozart (e Beethoven) no meio de campo (risos).

Folha Online - Ainda nessa "linha futebolística", o sr. não sente que a música clássica no Brasil anda meio parecida com o futebol? Basta surgir um craque que ele imediatamente vai embora, para a Europa...

Martins -
(risos) A verdade é que o futebol sempre imitou a música clássica. Desde os tempos da Guiomar Novaes (1895 - 1979) e da Magdalena Tagliaferro (1893 - 1986) os grandes talentos brasileiros vão embora na primeira boa oportunidade...

Folha Online - Pelo jeito isso não vai mudar tão cedo, vai?

Martins -
Está melhorando. Muita gente boa já está decidindo ficar no Brasil, o que é ótimo para nossa música, nossas orquestras...

Folha Online - Devido aos acidentes e às cirurgias, o sr. hoje só consegue brincar com quatro ou cinco dedos no piano. A regência compensa a saudade do ex-pianista?

Martins -
Compensa, sim. Aprendi a fazer o jogo do contente, meio Poliana. Eu me entrego ao que faço, me entrego a Deus. Mas confesso que quando vejo o Arthur fazendo aquelas longas escalas velozes no piano, que eu também fazia, aí me bate uma saudade, e como bate...

Folha Online - O sr. deve ter acompanhado a crise que atingiu a Sinfônica Municipal este ano (desavenças entre John Neschling e Roberto Minczuk. que levaram o segundo a deixar a OSMSP), e também a crise financeira que quase parou a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB). Além da dificuldade financeira tão comum na área, os egos dos regentes não estão complicando ainda mais as coisas, porque crescem mais do que o próprio talento deles?

Martins -
Quando eu vejo ou ouço falar em brigas entre regentes ou músicos clássicos, fico muito chateado. Triste mesmo. Porque nossa categoria é tão pequena, tão rara, que a rivalidade só piora as coisas. Eu respeito o trabalho que foi feito na Municipal, na Estadual e na Brasileira, eu torço para todos darem certo, torço pelo Jamil Maluf (agora na Sinfônica Municipal de São Paulo)... Sei que é difícil, mas todos deveriam sentar e conversar em nome da música, apenas. Sem egos, sem vaidades. Só temos a ganhar com isso, e nada a perder.

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