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05/09/2005 - 09h36

Zélia Salgado ganha revisão crítica em catálogo de museu no Rio

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MARIO GIOIA
da Folha de S.Paulo

A história da arte moderna brasileira não é a mesma sem a presença de uma senhora de cem anos que vive em um amplo apartamento próximo ao Palácio das Laranjeiras, no Rio, e que diariamente admira o grande painel que recebeu de presente de Roberto Burle Marx (1909-1994).

"Ele era muito meu amigo... Estudamos juntos na Escola Nacional de Belas Artes", conta Zélia Salgado, fitando os tons azuis e verdes da tela de sua sala, também repleta de obras de sua autoria, "que alteram a compreensão da escultura no país", segundo Paulo Herkenhoff, diretor do MNBA (Museu Nacional de Belas Artes). A instituição tem no acervo 30 obras da artista.

Herkenhoff deve lançar até outubro, quando Zélia completa 101 anos, um catálogo que deve recolocar a artista no debate artístico nacional. É uma das raras obras sobre a artista paulistana --"mas sou carioca de coração", frisa ela--, que, com Amilcar de Castro (1920-2002), Mary Vieira (1927-2001) e Franz Weissmann (1911-2005), rompeu a percepção da obra de arte em três dimensões por aqui, sendo precursora da revolução empreendida posteriormente pela já canônica Lygia Clark (1920-1988).

"Lygia tinha aulas no ateliê de Roberto. Ele viajava muito. Quando ele não estava, eu assumia as aulas", lembra ela. Antes de a artista explodir com os "Bichos", em 1960, segundo a família de Zélia, Lygia ficou muito impressionada com a produção da professora-substituta no final dos anos 50, como "Aspiração Vertical".

Nesse ponto, há um vácuo na história da arte brasileira. "Ocorre um verdadeiro desastre", conta Herkenhoff. No período, o Itamaraty promoveu exposições itinerantes. Trabalhos de Zélia foram enviados para França, Itália, Alemanha, Argentina e Chile. Cerca de 20 obras não voltaram mais.

"Há registros inequívocos delas em catálogos do MAM do Rio [em 1960] e da Bienal de São Paulo [a quinta edição, em 1959], em que se percebe seu avançado tratamento do espaço", afirma.

Observando imagens delas, Zélia baixa o olhar e comenta, em voz hesitante: "Não me lembro muito bem...". Segundo familiares, ela não gosta de tocar no assunto e não recebeu informações sobre o extravio de suas obras. "Nunca houve por parte dela uma reivindicação forte", diz Herkenhoff.

Procurado pela Folha, o Itamaraty, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que a localização de dados sobre as obras e sobre o eventual extravio não seria possível sem uma investigação aprofundada em seus arquivos. Em Brasília, ironicamente, um jardim interno abriga "Folhagens", escultura de grandes dimensões de Zélia.

Formação

Um outro nome-chave vai unir as trajetórias de Zélia e Lygia: o do russo Isaac Dobrinsky (1891-1973). "Ele me ensinou muito. Era muito pobre, morava com a mulher e o filhinho numa sala que servia para tudo", lembra Zélia. Professor dela na parisiense Académie de la Grand Chaumière em 1937-38, discutia com os alunos a percepção da obra de arte, levando-os para diversos museus. Anos mais tarde, ministraria aulas para Lygia Clark.

"Lygia sempre dizia que era seu melhor professor, mas não se sabia muito bem o porquê. Zélia retoma a história e conta que foi ela quem o indicou à jovem", diz Herkenhoff.

"Ela [Zélia] teve um trabalho muito relevante na escultura nos anos 50", avalia o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar. "Lembro-me de seu ateliê na Vieira Souto [em Ipanema], onde encontrei Clarice Lispector."

Autora de uma das esparsas entrevistas com Zélia --em seu livro "Abstracionismo Geométrico e Informal"--, a artista plástica Anna Bella Geiger, 72, atesta seu caráter pioneiro. "Não há dúvidas de que a sua produção escultórica influencia seus contemporâneos e estabelece novos parâmetros para a época", afirma Geiger.

Zélia sorri ao lembrar que omitia cinco anos de sua idade em mostras para não parecer mais velha que Burle Marx. E, mesmo tendo parado de produzir em seu centenário, no ano passado, ainda deve motivar mais ensaios, antologias e pesquisas.

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