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23/09/2005
-
10h52
MARCELO PEN
Crítico da Folha de S.Paulo
Não há nenhuma relação. Aos críticos que, como J.M. Coetzee, enxergam um paralelo entre o governo de Charles Lindbergh (sim, o famoso aviador americano), inventado no mais recente romance de Philip Roth, 72, "Complô contra a América", e a atual administração de George W. Bush, o autor só tem a dizer: "É a ficção deles'.
Qual é o complô contra a América, o leitor só fica sabendo (talvez) no final do livro. Há complôs e complôs, e traições e traições. Há a traição de Lindbergh, que assina um pacto de não-agressão com Hitler. E há a traição do rabino Bengelsdorf, que se alia a Lindbergh, traindo seu povo.
A história parte da premissa de que Roosevelt, em vez de disputar a cadeira presidencial em 1940 com um inexpressivo candidato republicano, tivesse-a perdido para o popular Lindbergh, simpatizante do nazismo. O pesadelo que esse cenário representaria para os judeus americanos é visto através de uma perspectiva realista: a da família de Roth. De vez que o incrível se torna crível.
Em entrevista à Folha, o romancista se mostra avesso à generalizações e se recusa a responder perguntas não diretamente relacionadas a "Complô contra a América". Contrário não só às leituras alegóricas do livro, como também a alçada de uma tendência artística de misturar fato e ficção, o ganhador do Pulitzer dispara: "Sou apenas um escritor".
Folha - Como o sr. vê a tendência no romance contemporâneo de misturar biografia e ficção?
Philip Roth - Não vejo nada, essas questões literárias mais amplas não me interessam. O que fiz, no meu livro, foi por necessidade. Eu dispunha de um assunto: o que teria ocorrido caso Lindbergh se tornasse presidente? Tive de desenvolvê-lo, imaginativamente. E tinha minha própria família; pareceu-me inteligente usá-la como alicerce realista para que minha premissa não desmoronasse. Estava simplesmente resolvendo um problema literário pessoal. Sou apenas um escritor.
Folha - Qual seria a diferença entre ficção e história?
Roth - Quando temos um livro de história na nossa frente sabemos que não é uma obra de ficção. Se temos uma de ficção, sabemos que não é de história.
Folha - Mas o sr. fez questão de apor notas históricas a esta sua ficção. Por quê?
Roth - Para evitar confusão. O leitor médio no Brasil, digamos, poderia pensar que Lindbergh foi presidente e que essas coisas realmente aconteceram. Não veria que se tratou de uma invenção.
Folha - Alguns leitores reclamam do final do livro, inesperado, e talvez abonatório a Lindbergh.
Roth - Não houve nada disso. Trata-se apenas de uma hipótese, defendida por um dos personagens e combatida pelos demais. Não poderia ter sido mais claro.
Folha - O sr. acredita que o anti-semitismo está voltando a crescer?
Roth - Não nos EUA. Escrevi sobre um período histórico específico. Na década de 1930, o anti-semitismo foi um fenômeno sério não apenas na Europa mas também nos EUA. Mas isso passou. A premissa que tinha para meu livro não era improvável, naquela época. Não tentei traçar nenhum paralelo. Meu livro não é uma alegoria. Não escrevi sobre 2005.
Folha - Como é ser um judeu nos Estados Unidos hoje, em comparação com sua infância?
Roth - Meus avós vieram à América em 1890. Nasci em 1933, quando eles já estavam instalados fazia quarenta e poucos anos. Minha família está aqui faz mais de 110 anos: é muito tempo, para qualquer família americana. Quando meus avós chegaram, eram estrangeiros, não falavam a língua, vieram para cá quando havia um anti-semitismo institucionalizado. Mas também vieram para um país livre, onde não foram perseguidos, presos ou ameaçados. Em 2005, a diferença é gigantesca; o anti-semitismo não existe de forma nenhuma num âmbito institucionalizado.
Folha - Embora o sr. recuse o paralelo entre seu romance e o mundo de hoje, há autores, como J. M. Coetzee, que comparam o "governo" de Lindbergh com o Bush.
Roth - Trata-se de uma ficção criada pela imaginação deles, não pela minha. Comecei a escrever este livro em janeiro de 2000. A idéia ocorreu-me em dezembro do ano anterior. Bush só foi empossado em 20 de janeiro. Estava no meio do romance quando ocorreu o ataque de 11/9. Antes disso, a presidência de Bush nem existia. Não passou pela minha cabeça nem por um segundo.
Folha - O que o sr. acha da presidência Bush?
Roth - A pergunta não tem relevância para meu livro, não sei por que deveria respondê-la.
Folha - Em seu livro, o personagem de Mawhinney é descrito como um daqueles "protestantes nórdicos e anglo-saxões [...] que desde sempre mandavam e para sempre mandariam no país". Trata-se de uma visão crítica, não?
Roth - É a perspectiva de um judeu, na década de 1930. Quando é extraído do contexto, a frase torna-se apenas uma declaração geral e sem sentido. O menino vê o pai, em oposição à família de Mawhinney, com quem seu irmão vai morar, em Kentucky. Essa é a base do parágrafo. Mas, como generalização, não a defendo.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre J.M. Coetzee
Philip Roth mergulha os EUA no nazismo
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Crítico da Folha de S.Paulo
Não há nenhuma relação. Aos críticos que, como J.M. Coetzee, enxergam um paralelo entre o governo de Charles Lindbergh (sim, o famoso aviador americano), inventado no mais recente romance de Philip Roth, 72, "Complô contra a América", e a atual administração de George W. Bush, o autor só tem a dizer: "É a ficção deles'.
Qual é o complô contra a América, o leitor só fica sabendo (talvez) no final do livro. Há complôs e complôs, e traições e traições. Há a traição de Lindbergh, que assina um pacto de não-agressão com Hitler. E há a traição do rabino Bengelsdorf, que se alia a Lindbergh, traindo seu povo.
A história parte da premissa de que Roosevelt, em vez de disputar a cadeira presidencial em 1940 com um inexpressivo candidato republicano, tivesse-a perdido para o popular Lindbergh, simpatizante do nazismo. O pesadelo que esse cenário representaria para os judeus americanos é visto através de uma perspectiva realista: a da família de Roth. De vez que o incrível se torna crível.
Em entrevista à Folha, o romancista se mostra avesso à generalizações e se recusa a responder perguntas não diretamente relacionadas a "Complô contra a América". Contrário não só às leituras alegóricas do livro, como também a alçada de uma tendência artística de misturar fato e ficção, o ganhador do Pulitzer dispara: "Sou apenas um escritor".
Folha - Como o sr. vê a tendência no romance contemporâneo de misturar biografia e ficção?
Philip Roth - Não vejo nada, essas questões literárias mais amplas não me interessam. O que fiz, no meu livro, foi por necessidade. Eu dispunha de um assunto: o que teria ocorrido caso Lindbergh se tornasse presidente? Tive de desenvolvê-lo, imaginativamente. E tinha minha própria família; pareceu-me inteligente usá-la como alicerce realista para que minha premissa não desmoronasse. Estava simplesmente resolvendo um problema literário pessoal. Sou apenas um escritor.
Folha - Qual seria a diferença entre ficção e história?
Roth - Quando temos um livro de história na nossa frente sabemos que não é uma obra de ficção. Se temos uma de ficção, sabemos que não é de história.
Folha - Mas o sr. fez questão de apor notas históricas a esta sua ficção. Por quê?
Roth - Para evitar confusão. O leitor médio no Brasil, digamos, poderia pensar que Lindbergh foi presidente e que essas coisas realmente aconteceram. Não veria que se tratou de uma invenção.
Folha - Alguns leitores reclamam do final do livro, inesperado, e talvez abonatório a Lindbergh.
Roth - Não houve nada disso. Trata-se apenas de uma hipótese, defendida por um dos personagens e combatida pelos demais. Não poderia ter sido mais claro.
Folha - O sr. acredita que o anti-semitismo está voltando a crescer?
Roth - Não nos EUA. Escrevi sobre um período histórico específico. Na década de 1930, o anti-semitismo foi um fenômeno sério não apenas na Europa mas também nos EUA. Mas isso passou. A premissa que tinha para meu livro não era improvável, naquela época. Não tentei traçar nenhum paralelo. Meu livro não é uma alegoria. Não escrevi sobre 2005.
Folha - Como é ser um judeu nos Estados Unidos hoje, em comparação com sua infância?
Roth - Meus avós vieram à América em 1890. Nasci em 1933, quando eles já estavam instalados fazia quarenta e poucos anos. Minha família está aqui faz mais de 110 anos: é muito tempo, para qualquer família americana. Quando meus avós chegaram, eram estrangeiros, não falavam a língua, vieram para cá quando havia um anti-semitismo institucionalizado. Mas também vieram para um país livre, onde não foram perseguidos, presos ou ameaçados. Em 2005, a diferença é gigantesca; o anti-semitismo não existe de forma nenhuma num âmbito institucionalizado.
Folha - Embora o sr. recuse o paralelo entre seu romance e o mundo de hoje, há autores, como J. M. Coetzee, que comparam o "governo" de Lindbergh com o Bush.
Roth - Trata-se de uma ficção criada pela imaginação deles, não pela minha. Comecei a escrever este livro em janeiro de 2000. A idéia ocorreu-me em dezembro do ano anterior. Bush só foi empossado em 20 de janeiro. Estava no meio do romance quando ocorreu o ataque de 11/9. Antes disso, a presidência de Bush nem existia. Não passou pela minha cabeça nem por um segundo.
Folha - O que o sr. acha da presidência Bush?
Roth - A pergunta não tem relevância para meu livro, não sei por que deveria respondê-la.
Folha - Em seu livro, o personagem de Mawhinney é descrito como um daqueles "protestantes nórdicos e anglo-saxões [...] que desde sempre mandavam e para sempre mandariam no país". Trata-se de uma visão crítica, não?
Roth - É a perspectiva de um judeu, na década de 1930. Quando é extraído do contexto, a frase torna-se apenas uma declaração geral e sem sentido. O menino vê o pai, em oposição à família de Mawhinney, com quem seu irmão vai morar, em Kentucky. Essa é a base do parágrafo. Mas, como generalização, não a defendo.
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