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26/10/2005 - 09h51

"Palindromes" discute aborto em fábula cruel

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JOSÉ GERALDO COUTO
Colunista da Folha de S.Paulo

Todd Solondz diz que "Palindromes" é "a história de uma garota em busca do amor". Uma definição simples --e enganosa, claro. Assim como ocorria em "Bem-Vindo à Casa de Bonecas" (95), seu primeiro sucesso internacional, não há nada de inocente nesta fábula sobre a inocência.

"Palindromes" começa com o funeral de Dawn Weiner, a infeliz adolescente de "Bem-Vindo". A protagonista do novo filme é uma prima de Dawn, Aviva, de 13 anos, cuja idéia fixa é se tornar mãe.

O fato mais notável, do ponto de vista dramatúrgico, é que Aviva é interpretada por diversas atrizes (e até por um ator), cada uma com idade, compleição física e cor da pele diferentes, numa radicalização do recurso utilizado por Luis Buñuel em "Esse Obscuro Objeto do Desejo" (77).

O palíndromo (palavra ou frase que, lida de trás para a frente, fica igual) caracteriza não apenas o nome da protagonista mas também a estrutura do relato, que começa e termina nos subúrbios de Nova Jersey, depois de atravessar vários Estados americanos, seguindo os rios até chegar ao Kansas, no coração do país. A primeira palavra dita na tela, assim como a última, é "mãe".

O que desencadeia a saga de Aviva é um fato paradoxal e, ao mesmo tempo, sintomático de nossos tempos. A garota engravida, mas sua mãe a convence, "por amor", a abortar a criança. Na discussão entre as duas, a filha diz que não quer tirar o filho: "É o meu bebê!". Ao que a mãe responde: "Ele ainda não é uma pessoa. É só uma espécie de tumor".

É esse diálogo terrível que ecoa nos diversos episódios da odisséia de Aviva, todos eles relacionados à questão da maternidade e à discussão do aborto.

A presença de um personagem chamado Huckleberry e o tema da viagem iniciática levou muita gente a ver no filme uma paródia amarga do clássico "As Aventuras de Huckleberry Finn", do escritor Mark Twain. Mas alguém já definiu "Palindromes", com mais precisão, como uma "Alice no País dos Horrores".

Pois a odisséia dessa estranha Aviva cambiante (e entretanto sempre a mesma) é também uma viagem às entranhas de uma América cindida entre o pragmatismo do consumo e o fundamentalismo religioso.

O humanitarismo bem-intencionado é satirizado de modo cruel no trecho em que a protagonista, agora metamorfoseada em uma obesa adolescente negra, chega à casa da bondosa Mama Sunshine, um lar para crianças deficientes ou enjeitadas.

O problema do arguto Solondz talvez seja a visão estática, a histórica, que ele acaba transmitindo do ser humano. Não há saída porque, por mais que tente, o indivíduo não consegue mudar, e o mundo está irremediavelmente dividido entre os inocentes e os pervertidos.

A aparente simpatia do diretor pelos solitários e desajustados acaba por se diluir nesse pessimismo imobilizador. Isso não elimina, é claro, o interesse estético e temático de seus filmes, entre os quais "Palindromes" seja talvez o mais audacioso.

Palindromes
Direção: Todd Solondz
Quando: hoje, às 22h10, no Cineclube Vitrine; amanhã, às 22h40, na Sala UOL; e dias 1º, às 20h20, no Reserva Cultural; e 2, às 22h, no Cineclube Vitrine

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