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27/10/2005
-
10h09
BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha de S.Paulo
"Mongolian Ping Pong", filme de estréia do chinês Ning Hao, é narrado à maneira de uma fábula. Nas estepes da Mongólia Interior, Província chinesa que faz divisa com a Mongólia, um menino, filho de nômades, encontra uma bola de pingue-pongue que vem boiando pelo rio. Não sabe o que é aquilo. Intrigado, sai em busca de uma resposta. Consulta a avó xamã. Quer saber se a bola foi enviada pelos espíritos do rio, se é uma pérola inchada. Mostra aos colegas. Ninguém nunca viu nada parecido.
Em princípio, a fábula poderia corroborar o mito exótico do isolamento. Como se nesse mundo desértico, onde não se avista nenhuma outra família, onde as coisas passam e nada parece acontecer, vivessem seres em estado de pureza absoluta, em harmonia com a natureza, tão isolados das sociedades industriais que a aparição de uma bola de pingue-pongue pudesse ter o efeito de uma nave de marcianos na praça da Paz Celestial, em Pequim.
O filme não cai nesse clichê. Desde a primeira cena, quando a família de nômades posa para um fotógrafo ambulante, aparentemente diante da praça da Paz Celestial, "Mongolian Ping Pong" dá a entender que falar de pureza num mundo pós-industrial globalizado, mesmo quando se trata de regiões remotas como as estepes mongóis, só pode ser obra de ignorância ou de má-fé. O fundo da foto é falso: a família está sendo registrada no meio da estepe, assim como mais tarde o mesmo fotógrafo usará um fundo falso com a imagem da estepe para seus retratos de famílias urbanas. O exótico e o extraordinário dependem sempre do ponto de vista. Cada um sonha com o que não tem.
É o que permite ao filme retratar os nômades com um humor fleumático. A garupa de um cavalo foi marcada com o símbolo "4 x 4" de uma picape que, quebrada, será rebocada por um cavalo. É o que lhe permite também fazer o elogio não idealizado das diferenças culturais e regionais, contra a homogeneização, sem cair na armadilha de ver essas diferenças como imaculadas ou imutáveis.
Essa fábula diz respeito à reinterpretação, à recriação, à imaginação e à reinvenção simbólica que o menino mongol projeta sobre a bolinha. Não sabe para que ela serve. Nunca viu um jogo de pingue-pongue (sua imaginação depende de que não veja). E quando, num programa de esportes, ouve dizer que a bola de pingue-pongue é a "bola nacional", decide ir a Pequim devolvê-la.
Resta dizer que, em sua precisão e sutileza, a última cena, misto de revelação e decepção, quando o menino descobre para que serve a bola, é um achado cinematográfico, em que o espectador continua sem ver, livre para imaginar.
Mongolian Ping Pong
Direção: Ning Hao
Quando: hoje, às 22h30, no Reserva Cultural; e dias 31, às 14h, no Cineclube Vitrine; e 1º, às 17h30, no Espaço Unibanco
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Colunista da Folha de S.Paulo
"Mongolian Ping Pong", filme de estréia do chinês Ning Hao, é narrado à maneira de uma fábula. Nas estepes da Mongólia Interior, Província chinesa que faz divisa com a Mongólia, um menino, filho de nômades, encontra uma bola de pingue-pongue que vem boiando pelo rio. Não sabe o que é aquilo. Intrigado, sai em busca de uma resposta. Consulta a avó xamã. Quer saber se a bola foi enviada pelos espíritos do rio, se é uma pérola inchada. Mostra aos colegas. Ninguém nunca viu nada parecido.
Em princípio, a fábula poderia corroborar o mito exótico do isolamento. Como se nesse mundo desértico, onde não se avista nenhuma outra família, onde as coisas passam e nada parece acontecer, vivessem seres em estado de pureza absoluta, em harmonia com a natureza, tão isolados das sociedades industriais que a aparição de uma bola de pingue-pongue pudesse ter o efeito de uma nave de marcianos na praça da Paz Celestial, em Pequim.
O filme não cai nesse clichê. Desde a primeira cena, quando a família de nômades posa para um fotógrafo ambulante, aparentemente diante da praça da Paz Celestial, "Mongolian Ping Pong" dá a entender que falar de pureza num mundo pós-industrial globalizado, mesmo quando se trata de regiões remotas como as estepes mongóis, só pode ser obra de ignorância ou de má-fé. O fundo da foto é falso: a família está sendo registrada no meio da estepe, assim como mais tarde o mesmo fotógrafo usará um fundo falso com a imagem da estepe para seus retratos de famílias urbanas. O exótico e o extraordinário dependem sempre do ponto de vista. Cada um sonha com o que não tem.
É o que permite ao filme retratar os nômades com um humor fleumático. A garupa de um cavalo foi marcada com o símbolo "4 x 4" de uma picape que, quebrada, será rebocada por um cavalo. É o que lhe permite também fazer o elogio não idealizado das diferenças culturais e regionais, contra a homogeneização, sem cair na armadilha de ver essas diferenças como imaculadas ou imutáveis.
Essa fábula diz respeito à reinterpretação, à recriação, à imaginação e à reinvenção simbólica que o menino mongol projeta sobre a bolinha. Não sabe para que ela serve. Nunca viu um jogo de pingue-pongue (sua imaginação depende de que não veja). E quando, num programa de esportes, ouve dizer que a bola de pingue-pongue é a "bola nacional", decide ir a Pequim devolvê-la.
Resta dizer que, em sua precisão e sutileza, a última cena, misto de revelação e decepção, quando o menino descobre para que serve a bola, é um achado cinematográfico, em que o espectador continua sem ver, livre para imaginar.
Mongolian Ping Pong
Direção: Ning Hao
Quando: hoje, às 22h30, no Reserva Cultural; e dias 31, às 14h, no Cineclube Vitrine; e 1º, às 17h30, no Espaço Unibanco
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