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01/11/2005 - 09h17

Cavalier filma diário experimental

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TIAGO MATA MACHADO
Crítico da Folha de S.Paulo

No início, cada imagem é um signo a refletir a identidade do "filmador", um fragmento de sua subjetividade: o interior da casa dos pais, o corpo da amada, a vista da janela do escritório, o café em frente, o retrato de Blaise Pascal na nota de 500 francos.

É como se estivéssemos diante de um daqueles desenhos pontilhados que se pede às crianças para completar e percebêssemos aos poucos o contorno de um rosto. O rosto costurado de Alain Cavalier diante do espelho, Narciso às avessas: um retrato que guarda os rastros do esboço original.

"Cine-Fragmentos" é um desses momentos decisivos no percurso de um autor. Espécie de diário, filmado durante dez anos, é a "pièce de résistance" da vertente mais experimental da obra de Cavalier. Não é a primeira vez que, cansado das pompas do mundo, depois de idas e vindas em torno do reconhecimento do público, Cavalier se recolhe à escuridão e ao silêncio de sua vida privada. Como se, para descobrir do que é feito, mesmo por dentro, o autor precisasse se render, de vez em quando, a esses exercícios quase obscenos de desnudamento, despojando-se de qualquer argumento.

Seus cine-fragmentos são pequenos intervalos de tempo (o antes e o depois dos verdadeiros acontecimentos) e de lugar (esses perfeitos entre-lugares que são os quartos de hotel). Cavalier parece perseguir esse "entre alguma coisa" que é a matéria da vida. Aos poucos, o tempo vai se acumulando nas lacunas. Sua ação é tão subterrânea quanto a fronteira que separa as duas proposições do filme: viver e se olhar vivendo, morrer e se olhar morrendo.

Há algo de patético nisso tudo: fazer um diário, como diria um escritor argentino, é se converter de imediato num clown. Há algo de patético e natural nessa tendência em tomar o mundo em função de nossa própria degenerescência. Aos poucos, a morte passa a ocupar todos os espaços de "Cine-Fragmentos": o calvário dos pais, o calvário do mundo na TV, o câncer no rosto do cineasta.

E é com a mesma crença inabalável no poder de revelação de sua câmera que Cavalier se debruça sobre a morte. Ele usa sua câmera quase como um instrumento científico de verificação, um pouco como o ginecologista que examina com uma microcâmera o útero de Françoise, sua namorada. Examinando seu rosto costurado diante do espelho, brincando de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, Cavalier leva sua experiência até o fim.

Cine-Fragmentos
Direção: Alain Cavalier
Quando: hoje, às 18h20, no MIS; e dia 3, às 19h40, no Frei Caneca Arteplex

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