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27/11/2005 - 06h00

Marco Nanini avalia 40 anos de carreira

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LAURA MATTOS
VALMIR SANTOS
da Folha fde S.Paulo

Há 30 pessoas na platéia da peça infantil "O Bruxo e a Rainha". Marco Nanini, um rapazinho de 17 anos, surge com fantasia de bruxo, diz poucas palavras e some. O público é pequeno, o cachê, menor ainda. Mas o coração do estreante sai pela boca, e ele decide: "quero o palco para sempre".

Já se passaram 40 anos do dia em que o pernambucano fez certinho em deixar para trás seus trabalhos em hotéis e como bancário. Aos 57, veterano do teatro, TV e cinema, está à vontade para rever o passado e avaliar o presente, com duras críticas ao governo Lula e ao ministério de Gilberto Gil.

Em cartaz em São Paulo com "Um Circo de Rins e Fígados", de Gerald Thomas, prepara-se para enfrentar o primeiro longa com roteiro e direção do dramaturgo. Também irá estrear no cinema "O Mistério de Irma Vap", adaptação de sua peça de maior sucesso, e filmar "O Bem Amado", de Guel Arraes, e "A Grande Família".

Guardião de sua vida privada e avesso ao mundo das celebridades, Nanini raramente fala de si. À Folha, abriu uma exceção. Leia a entrevista a seguir.

Folha - Um das graças de Lineu, de "A Grande Família", é o fato de ele ser muito honesto. No Brasil, a honestidade está se tornando algo cada vez mais engraçado?

Marco Nanini - A índole brasileira é de honestidade, apesar desse carnaval de Brasília. Não gostaria que a honestidade virasse piada, mas quem se diz honesto está ficando meio ridículo mesmo.

Folha - Se "A Grande Família" consegue agregar qualidade à audiência, por que é tão difícil encontrar esse tipo de casamento na TV?

Nanini - A TV anda de forma muito paquidérmica, mas há tentativas. "A Grande Família" se transformou em fenômeno, ninguém poderia imaginar que seria assim. Participei de programas que tentavam isso [agregar qualidade à audiência] e fizeram sucesso, como "TV Pirata", "A Comédia da Vida Privada" e "Brasil Especial" [adaptações de textos literários]. "A Grande Família" tem a família como núcleo, o que o torna próximo do telespectador, e é um programa de grande qualidade. Nós da equipe temos essa consciência e a responsabilidade de não deixar a qualidade cair apesar de tanto tempo no ar. Mas não sou um expert em TV, nem assisto muito. Não sobra tempo.

Folha - Como será a adaptação de "A Grande Família" para o cinema?

Nanini - O nosso desafio é não repetir um episódio da TV no cinema. Queremos uma trama diferente. Mas, ao mesmo tempo, não podemos nos afastar muito das personalidades e da vida da família. Estamos nesse fio da navalha. Será um projeto com olhar cinematográfico e não televisivo.

Folha - Terá a fórmula de "Os Normais - O Filme", ou seja, mostrará como Lineu e Nenê se conheceram?

Nanini - Não. Será um cotidiano inesperado, mas não posso falar o que é, porque é bombástico.

Folha - O fato de você estar fora das novelas desde 1999 ["Andando nas Nuvens"] é coincidência?

Nanini - Sou ator de novelas do século passado [risos]. Mas não tenho preconceito. Não gosto é da coisa massiva da gravação, que não deixa tempo para mais nada, e gosto de fazer teatro, cinema.

Folha - "Um Sonho a Mais" e "Brega & Chique", dois de seus trabalhos mais marcantes na TV, foram novelas de humor, com toques inovadores. Hoje é mais difícil fugir dos folhetins tradicionais?

Nanini - O que sei é de orelhada, porque infelizmente não assisto. Mas acho que o Sílvio de Abreu e o Gilberto Braga tentam, a Glória Perez tenta do jeito dela. Os canais a cabo deveriam experimentar mais, porque os abertos têm de acertar no Ibope. Houve uma época em que isso era mais tranqüilo. O Bráulio Pedroso, por exemplo, fazia novelas, digamos, de risco. Havia o horário das 22h, mais experimental. Agora, a programação é muito estudada.

Folha - O telespectador hoje é mais politicamente correto do que nos tempos da "TV Pirata"? Um daqueles quadros que brincavam com o machismo ainda fariam rir ou seriam alvo de ação do Ministério Público e críticas de ONGs feministas?

Nanini - Há exagero de parte a parte: de quem defende a liberdade total e absoluta na TV e de quem recrimina e reprime. As pessoas estão ficando muito exclusivistas, cada uma dentro do seu ponto de vista. Não há acordo. Mas não vejo um caminho. Veja essa situação: o casal Garotinho foi absolvido, e foi dito que a compra de votos envolvia uma quantia muito pequena de dinheiro em relação às denúncias de Brasília. Todo mundo está meio doido.

Folha - Na TV, seu nome é atrelado a projetos de qualidade. Qual é o segredo para fugir dos micos?

Nanini - Tive um grande encontro na TV, que foi com o [diretor] Guel Arraes. Ele mudou minha vida porque me escolheu para o "TV Pirata", o "Brasil Especial" [93], e a partir daí sempre me chamava para os programas dele. Foi acontecendo. Mesmo nas coisas populares, tive a sorte de participar de programas interessantes. A vida depende de sorte e de saber não na hora certa. Disse não algumas vezes por intuição.

Folha - Como foi transformar "O Mistério de Irma Vap" em longa? O que haverá da montagem original da peça e o que o cinema agregará?

Nanini - O espectador vai ver o roteiro original. Tem uma pitada da peça, mas nenhuma relação com aquela montagem. Não será um revival. A Carla [Camurati, diretora do filme] criou personagens que tem a ver com a proposta do Charles Ludlum [autor da peça], que são atores fazendo vários personagens. A trama do filme é em torno de uma remontagem da "Irma Vap". Na peça, um dos atrativos maiores era a troca de roupa dos personagens, o que não temos no cinema. A Carla resolveu isso cinematograficamente, com efeitos nos quais eu contraceno comigo e o Ney [Latorraca] com ele.

Folha - Encenada por mais de uma década, "Irma Vap" marcou muito sua carreira. Como avalia hoje essa passagem da sua vida?

Nanini - "Irma Vap" é um divisor de águas. Tivemos separações, encontros, coisas surpreendentes. O sucesso extraordinário não tinha controle, e não queria me encantar com isso porque seria quase suicídio. Com "Irma Vap", aprendi a driblar a rotina. Pude compreender mais o Ney, fazer amizade com ele, ficar com ódio dele, desfrutar o que ele tinha de bom. Estávamos dentro de uma intimidade total, uma situação limite. Camarim é uma coisa muito louca. "Irma Vap" também me deu o que eu sempre quis, que era ter um produtor como meu sócio. Encontrei o Fernando [Libonati] quando ele era muito jovem, estudante de odontologia. Cuidava das minhas coisas em casa, e percebi que tinha jeito para organização. Fui deixando as coisas acontecerem, e ele acabou administrando "Irma Vap". A partir daí, com essa convivência profissional também, passamos a programar o que viria após a peça. Essa produção atuante me permitiu, por exemplo, estar com Gerald [Thomas] hoje.

Folha - 1969 é o ano. A peça, "A Gatatarada". O que foi esse encontro com a Dercy Gonçalves?

Nanini - Foi surpreendente. Essa mulher é fenomenal, de uma intuição cênica e inteligência de ficar babando. Ela, na época, tinha programas de grande sucesso. Topei o papel por intuição. Nem ensaiei com ela. Quando estreei com aquela estrela que dominava a TV popular, foi assustador. Mas tive uma pós-graduação com ela. E antes da "Gata Tarada" teve a "Viúva Recauchutada", em que fiz o personagem Gatinho [risos].

Folha - Em 1973, você assinou um texto, a peça "Descasque o Abacaxi Antes da Sobremesa"...

Nanini - Tive um trauma muito grande com esse "Descasque o Abacaxi". Fui escrevendo e ficando contente, corria para casa para escrever, e foi saindo um texto. Achava que, por ser autor, ficaria escondido por trás daquelas letras e não tinha nada a ver com isso. Mas resolveram montar a peça. Quando fui ver um ensaio, tive um choque. Eu me vi completamente nu, odiei, comecei a tumultuar o ensaio, não queria mais deixar montar a peça, fui posto para fora. A peça até fez sucesso, mas não consigo escrever mais nem cartão postal [risos].

Folha - Qual é a sua opinião sobre as denúncias de corrupção no país?

Nanini - Estou pasmo, com a sensação que meu personagem na peça do Gerald sente, uma perplexidade. Quando um partido como o PT, que era a esperança derradeira, envolve-se nesse emaranhado de confusão, é triste. Conversei com o Gerald sobre falar dessa sensação na peça, sem ser didático, e ele realmente fez um texto que espelha a perplexidade das pessoas. Mas as histórias dos jornais são mais absurdas do que a peça, e os sustos são freqüentes. Em meio a tudo isso, abro o jornal e vejo que os rios da Amazônia secaram. O mundo realmente está acabando.

Folha - "Circo de Rins" é sua 15ª produção. Como produtor, que avaliação tem da política do governo em relação à cultura?

Nanini - A política pública atual é muito nublada. A outra era, digamos, viciada. Não vejo nada acontecer. Adoraria levar um espetáculo a grandes platéias, mas é complicado. As pessoas acham que você está nadando em dinheiro no teatro e é o contrário. A meia-entrada acabou com qualquer condição de ter lucro na bilheteria. É uma lei, mas ninguém paga os 50%. Fica para o produtor, que tem de pagar o teatro, os direitos autorais, a luz. Ou você faz um "standard" popular ou não conta com o lucro. Tivemos muitas conversas com o atual Ministério da Cultura, mas acho tudo muito confuso por lá. É o ministério da informação e contra-informação. A gente não sabe bem quem está sendo ministro, se é o Gilberto Gil ou o interino. Vemos muito fogo de artifício, mas nada de concreto.

Folha - Então você assina embaixo aquela cutucada que a peça do Gerald Thomas dá no Gilberto Gil?

Nanini - Sim. Depois que assumiu, o Gilberto Gil demorou meses para falar a palavra teatro. Nunca foi a teatro, não gosta de teatro. Não tenho nada contra ele como artista, mas também acho confusa essa história de um artista ser ministro. Ele canta, é ministro, não é, viaja, volta, entra interino, uma confusão. Achei que seria mais consistente, mas vejo com desconfiança. O Ministério da Cultura precisa ser prestigiado primeiro pela Presidência da República, que deveria dar uma verba melhor. Hoje é menos de 1% do orçamento, ridículo. Nenhum governo deu força ao MinC.

Folha - "Circo de Rins" recebeu verba dos Correios. Apesar disso, acha que uma política cultural de fomento é diferente de um patrocínio eventual de uma estatal?

Nanini - É. Agora depende de quem comanda o departamento de marketing da estatal, de quem julga os editais. Não é uma política sistemática, com regras próprias, mas que varia de governo a governo. As regras não são claras.

Folha - Você votou no Lula?

Nanini - Votei.

Folha - Está arrependido?

Nanini - Decepcionado. Meu voto foi do Ciro Gomes no primeiro e do Lula no segundo. Estou muito descrente, perplexo e penso em votar nulo. Esse voto obrigatório, que às vezes temos de fazer um voto útil, está ficando muito chato. Uma democracia em que você é obrigado a votar é insuportável.

Folha - Como avalia a trajetória do cinema pós-"Carlota Joaquina"?

Nanini - Não posso falar, porque costumo brincar dizendo que vejo cinema na ordem cronológica e que até 2007 pretendo acabar de ver "Sunset Boulevard" ["Crepúsculo dos Deuses", 1950]. Sou muito ignorante com relação a cinema, falando aqui, a boca pequena [risos]. Não vou ao cinema, e isso é uma falha imperdoável. Quando vou, penso: "Meu Deus, preciso vir sempre, que coisa maravilhosa!". Encho minha agenda de tal forma que não sobra tempo para nada. Abro mão de divertimentos para me organizar no trabalho.

Folha - E os projetos de filmar "O Bem Amado" e um longa com roteiro e direção de Gerald Thomas?

Nanini -"O Bem Amado" é ainda um projeto. O Guel [Arraes] me convidou para fazer o Odorico Paraguaçu, mas ainda não assinamos contrato. No caso do Gerald, é uma proposta nossa, do Fernando [Libonati]. A idéia é um circuito não-comercial. Ele está escrevendo o roteiro, animadíssimo, e vai mostrar o primeiro tratamento até dezembro. É um segmento que queríamos fazer na nossa produtora, a Pequena Central. O longa tem filmagens em Nova York, na Turquia e no Brasil e não posso dizer mais nada, porque o Gerald é imprevisível [risos].

Folha - Por que o público sabe tão pouco da sua vida pessoal?

Nanini - Não gosto muito de falar da minha vida pessoal, do meu cachorro, meu gato, meu avô, minha mãe. Eu me sinto protegido dentro de um pedacinho da vida particular que posso segurar. Adoro chegar em casa e ficar à vontade, quieto, não gosto de tirar foto em casa e mostrar na revista. Mas não critico quem faz isso. É por temperamento e até inabilidade. Não tenho o menor traquejo social, esqueço o nome das pessoas. Se vou a uma festa, o Nando tem de ficar no meu ouvido dizendo: "é fulano de tal". E estou ficando surdo também, e ele agora grita, o mico é maior [risos].

Folha - Já precisou dizer não a um convite para a ilha de "Caras"?

Nanini- Já me convidaram, mas explico isso. Imagine eu na ilha de "Caras"! Ia ser o Peter Sellers, o convidado trapalhão [risos].

Folha - O que ficou faltando nesses 40 anos de carreira?

Nanini - Olha, não está faltando nada. Estou bem contente com o quinhão que me toca, tanto de sofrimento quanto de alegria.

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