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27/11/2005 - 21h46

Iggy Pop e NIN "incendeiam" SP

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VINICIUS ALBUQUERQUE
da Folha Online

Iggy Pop, avô (literalmente) do punk rock, fez a festa de quem esperava agitação, entremeada de baixarias e momentos cômicos, além de som rascante, na edição paulista do Claro que é Rock, evento que levou cerca de 25 mil pessoas a enfrentar o frio da chácara do Jóquei Clube de São Paulo para ver a verdadeira instituição do rock. O terror eletrônico do NIN (Nine Inch Nails), apesar do horário, também impressionou e obteve resposta efusiva do público.

Da "iguana do rock" (Iggy Pop começou em uma banda chamada "The Iguanas") veio tudo o que, de alguma forma, já se esperava: um vocalista desvairado e desenfreado coleando, que não pára no palco. Sua aparição em cena foi quase mágica, como se aparecesse do nada. A calça, de cintura baixa, já deixava ver bastante abaixo da cintura, mostrando mais do que se esperaria --ou do que se gostaria.

R. Bastos/Folha Imagem
O vocalista Iggy Pop não pára no palco
O vocalista Iggy Pop não pára no palco
Disso seguiu-se mergulhar no público e ajudar alguns fãs mais ousados a subir ao palco, abrindo-se assim a porteira para que dezenas dos espectadores mais à frente deixassem os seguranças malucos.

"I Wanna be Your Dog" foi devidamente cantada em coro pelo público. Quando a banda mandou "1969", do primeiro álbum, e alguns fãs já tinham subido ao palco e sido retirados pelos seguranças, Iggy, aos gritos, exigia: "Let'em stay!" ("Deixem eles ficarem!"). Alguns dos roqueiros felizardos que subiram ao palco aproveitaram o pequeno poder delegado pelo dono do show e fizeram gestos pouco educados para os seguranças.

Mas a apresentação se tornou mesmo "interativa", por assim dizer, na hora em que o quarteto de "Motor City" (Detroit, onde surgiram os Stooges no final da década de 60) tocou "No Fun". Aí o próprio "stooge" principal puxou mais de 30 pessoas para o palco, que simplesmente se espalharam, indo abraçar os demais integrantes da banda.

Iggy simulou uma relação sexual com o amplificador, deu "tchauzinho" para o público com ar de criança travessa e ainda fez uma certa confissão, antes de tocar "Dirt" (do álbum "Funhouse", segundo do grupo): "Algumas vezes estamos no topo; outras, estamos no fundo, como já estive na minha vida cheia de percalços".
Enfim, foi o que todos queriam ver. Não precisava mais. A surpresa teria sido se ele tivesse feito menos. Assim como seria meio anticlimático se, em um show de João Gilberto, faltasse alguma crítica à qualidade do som --que o fez mostrar a língua para o público em 2000.

No fim, quando voltou para o bis --"I Wanna be Your Dog"--, Iggy exigiu as luzes acesas. Não quis saber se podiam ou não ser acesas e foi, digamos, enfático em seus pedidos aos técnicos de iluminação (sem economizar nos palavrões, disse algo como: "não ligo se vocês são da TV ou do governo, acendam as luzes) quando requisitou que as luzes fossem acesas para poder olhar para todos e agradecer.

Apocalipse

A apresentação de Trent Reznor foi como o anúncio do fim do mundo. Pesado, poderoso, o som do Nine Inch Nails é rápido e violento, com uma massa de guitarras, sintetizadores e bateria casada com melodias por vezes até mesmo doces que faz com que seja impossível assistir parado. Quando se percebe, já se está pulando --ou no mínimo, sacudindo a cabeça.

Quer dizer, deveria ser assim. O NIN foi prejudicado pela ordem dos shows. Quando entrou no palco, era visível o cansaço geral do público, depois de gastar muita energia com Iggy Pop e devido ao adiantado da hora --a apresentação começou por volta das 2h.

Mesmo assim, a fumaça no palco, em conjunto com os jogos de luzes, o azul e vermelho que tingiam Reznor, se combinavam para dar uma atmosfera sombria. O cenário se completa com telas em formatos retangulares, com recortes estranhos, algumas penduradas no alto do palco, como se estivessem escorrendo para baixo, outras, ao lado da bateria, como se brotassem do chão, onde eram exibidas imagens que lembravam fogo, ou de chuviscos (como as de uma TV sem antena).

Reznor também é um adepto de se aproximar do palco, deitar perto do público e atirar objetos --como um pandeiro e um microfone. O "set list" do show incluiu tanto trabalhos antigos ("Head Like a Hole", do álbum "Pretty Hate Machine", de 1989), como músicas mais conhecidas do público brasileiro ("March of the Pigs", de "The Downward Spiral", de 1994) e a sinistra "With Teeth" (do álbum homônimo, deste ano).

O vocalista disse que era um prazer finalmente ter vindo tocar no Brasil. Que seja a primeira apresentação de várias.

Festa

Rosa Bastos/Folha Imagem
Wayne Coyne, vocalista do Flaming Lips, dentro da bolha
Wayne Coyne, vocalista do Flaming Lips, dentro da bolha
O NIN, no entanto, terá de dividir o lugar de destaque com o Flaming Lips. O show começa com um pedido do vocalista Wayne Coyne: ele pediu ao público (com a ajuda de um intérprete), que as pessoas respondessem, no caso de alguém algum dia perguntar, que ele chegou vindo diretamente do espaço. Isso porque Coyne se enfiou em uma bolha plástica, que foi inflada e na qual foi rolando pelo palco até ser jogado em cima do público, que o fez de bola de vôlei.

Enquanto a bola era inflada, foram entrando no palco bichinhos de pelúcia vivos --juntamente com dois pequenos sóis (que também pareciam duas pequenas estrelas), um em cada extremidade do palco. A primeira canção, "Race for the Prize", foi uma verdadeira festa: Coyne atirou pedaços de papel picado colorido ao público, bem como disparou fitas coloridas. Um dos membros da banda estava caracterizado de Papai Noel. Tudo num clima de tanta alegria que parecia festa infantil.

Na seqüência, como se ele já não tivesse cativado a audiência, mandou "Bohemian Rhapsody", do Queen. Ao lado deste repórter, pelo menos, todo mundo cantava junto com Coyne.

Outro destaque foi a interpretação de "She don't use jelly" --que, ao lado de "Turn it on", ambas do álbum "Transmissions From the Satellite Heart" (1993), projetaram a banda. Não faltaram nem críticas ao governo Bush --no telão, a banda exibiu imagens do presidente americano, George W. Bush, e de seu vice, Dick Cheney, ao som de nada menos que "War Pigs", do Black Sabbath. Até os roqueiros mais "do mal", que aguardavam na outra ponta o fim do show dos Lips para o início da apresentação de Iggy e seus patetas, reverenciaram.

Momento "teen"

O rock mais a ver com a vertente pop também foi representado pela bola da vez, o Good Charlotte --o primeiro show de rock de muitos dos garotos e garotas que estavam lá, devidamente caracterizados de roqueiros e observados por pais corujas que assistiam os filhos se descabelarem e se debulharem em lágrimas pelos ex-VJs da MTV americana.

O público do Good Charlotte era formado, no entanto, majoritariamente por garotas. Se os roqueiros mirins se derretem por Avril Lavigne, não se sabe, mas as meninas não fazem a mínima questão de esconder o que sentem pelos rapazes da banda.

A tantas do show, o vocalista, Joel, se aproximou do canto direito do palco --e as garotas aproveitaram para atirar pacotes com ursinhos de pelúcia, acompanhados de papéis com corações desenhados, no que tinha tudo para serem cartinhas.

As meninas, ruins de pontaria, erraram o palco, mas alguns seguranças boa-praça deram uma força: pegaram os pacotes do chão e colocaram sobre a ponta do palco. Se a banda recebeu as mensagens das garotas, não se sabe.

Os roqueiros torceram o nariz, mas os pais pareceram aprovar a predileção musical das crianças. A professora do ensino básico aposentada Rejane Camargo, 39, disse que o filho Caio, 14, estava debutando em um show de rock. O garoto está na sétima série e é bom aluno, segundo Rejane --que tem experiência de 10 anos com adolescentes e não viu problema em trazer o pequeno guitarrista (há um ano Caio estuda guitarra), acompanhado ainda da amiga Laisa, também de 14. "É legal ver que o ambiente não tem nada de pesado, nada de errado", disse --antes, claro, dos shows que seriam apresentados à noite.

Da mesma opinião é a ex-chefe de escoteiros Marilyn Keunecke Herwig, que trouxe a filha Mara Helena, 14, e mais três amigas, Roberta, Thais e Jéssica (todas da mesma idade) de Blumenau (SC).

Ao som da balada "We Believe", Bruna Yumi, 12, mal conseguia falar, de tanto que chorava. O primo, Francisco Carvalho dos Santos, 24, levou Yumi ao show e encoraja a paixão da menina pelo rock. Questionada sobre em que série está na escola, a garota (de preto, com uma bandana na cabeça), mostrava o número seis com os dedos, porque, entre uma crise de choro e outra, só conseguia dizer "eles são muito lindos".

O engenheiro Wilson Gonzales levou o filho Matheus, 12, com mais três amigos de escola, como prêmio por boas notas --o garoto já foi aprovado para a sétima série.

Já Rodrigo Antonio, 12, parece ser veterano de show, tendo ido já às apresentações do Whitesnake e do Judas Priest. O pai, Aguinaldo Pedroso Silva, é roqueiro das antigas: em 1977 teve um bar de rock na Vila Mazzei (zona norte de São Paulo). Todos de camisetas de bandas, queriam ver o Suicidal Tendencies --mas, como o show foi cancelado em razão de uma cirurgia a que iria se submeter o vocalista, Mike Muir, iam assistir ao show do Iggy Pop.

Intermezzo

O Fantomas foi, talvez, o ponto fraco da noite. Talvez, não... ah, foi ruim mesmo. Mike Patton (que já fez esquisitices como o Faith No More e o obscuro Mr. Bungle), uma figura difícil de caracterizar --mesmo para a fauna bastante diversificada e heterogênea do mundo do rock-- fez um show que foi criticado até por São Pedro: foi o único momento do festival em que a garoa ameaçou cair (este repórter ao menos sentiu umas gotinhas na cabeça).

Seja para se proteger da garoa que ameaçou a noite do rock na chácara do Jóquei, seja para se proteger da agressão musical da banda de Patton (agressão não pela violência do som, mas por se tratar de um trabalho ruim mesmo), a apresentação do Fantomas provocou um certo êxodo em direção ao lounge, às filas dos banheiros e das tendas de cerveja e comidinhas.

Mas era de esperar que o Fantomas fosse só um esporro sonoro, uma desculpa para um grupo de pessoas fazer barulho: quando vi o guitarrista da banda, Buzz Osbourne --dos Melvins, banda que ganhou algum destaque na explosão do movimento Grunge, na primeira metade dos anos 90, e uma das coisas mais barulhentas e disformes que três pessoas já conseguiram fazer com guitarra, baixo e bateria--, já sabia que o que vinha pela frente seria como pepino em cubinhos (dificílimo de digerir).

A bateria, de tão grande, parecia um ser vivo. Atrás dela, dominando o bicho, estava Terry Bozzio --que já tocou com Frank Zappa. Bom, quem gosta de Frank Zappa deve curtir essas heterodoxias sonoras "mais à esquerda", como me disseram. O caso é que a banda é uma reunião de músicos competentes fazendo algo, no entanto, chato e bem pouco apreciável. Não restou dúvida nenhuma sobre o virtuosismo de Bozzio, mas, se alguém viu algum sinal de jazz no som dos caras (como tanto se propalou a respeito deles, que entremeavam o peso do rock com as sutilezas do jazz e blá, blá, blá), a este repórter ao menos passou despercebido.

O lugar deles era ali, acho, afinal de contas. As pessoas precisavam de um intermezzo para ir cuidar de outras coisas --não que isso tenha esvaziado a frente do palco. Talvez alguém tenha sentido necessidade de se penitenciar de alguma coisa. Ouvir o Fantomas (que era um desenho tão legal da infância deste repórter) certamente livrou muitas pessoas de muitos pecados.

Sonic Youth

Outro exagero sonoro --mas esse, sim, de qualidade-- foi o show dos nova-iorquinos do Sonic Youth. Não que não tenha havido momentos fracos no show, mas houve momentos sublimes o suficiente para compensar. Por exemplo, coisas como "Pattern" acabam enchendo quem não está curtido pelas viagens de efeitos e distorção provocada pelos três guitarristas do grupo, Thurston Moore, Lee Ranaldo e James O'Rourke (como se as duas que o grupo usou durante boa parte de sua existência não fossem suficientes).

Mas a delicadeza musical de "Unmade Bed", com o vocal quase etéreo de Moore, justificou tolerar os momentos de viagem dos caras. Moore, por exemplo, não se furtou a se espojar no chão, esperando, quem sabe, arrancar da guitarra alguma nota, algum timbre, algum apito de distorção que ele ainda não tenha ouvido nos mais de 20 anos que vem torcendo o braço da guitarra, fazendo-a gritar.

Houve também espaço no show para as divertidas "Drunken Butterfly" (de "Dirty", de 1992) e "Bull in the Heather" (de "Experimental Jet Set, Trash and No Star", de 1994), com direito a coro do público e tudo.

Mas valeu esperar tanto tempo (do meu ponto de vista, ao menos) para ouvir, sendo executado diante de uma audiência que pediu bis e foi atendida, o hino "Teenage Riot", do clássico álbum de 1987, "Daydream Nation".

Só o que escapou a este repórter foi o por quê do telão. Não que tenha ficado feio ou que tenha sido desagradável. Mas deve ser para justificar o prefixo "art", do rótulo "art rock" com que se costuma designar o que os caras fazem.

Ver o Sonic Youth foi a realização de um sonho antigo deste repórter. A banda de Nova York já esteve no Brasil em 2000, mas então diversas razões me impediram de ir.

Homenagem

Uma justa homenagem foi feita durante o festival: ninguém menos que Thurston Moore, o guitarrista do Sonic Youth, dedicou uma canção ao "Sr. Operador de Máquinas", o "Minuteman" Mike Watt.

Grande pena não termos tido oportunidade de ver no Brasil nem o Minutemen (grande nome do hardcore californiano nos anos 80) nem o saudoso Firehose, composto por dois terços do Minutemen --Watt e o baterista George Hurley-- além do guitarrista Ed Crawford.

Watt também foi homenageado pela estrela da noite, Iggy Pop. O baixista passou a integrar a nova formação dos Stooges, fazendo as vezes de Dave Alexander --baixista original, morto em 1975.

Três discos que certamente não decepcionarão o ouvinte que se arriscar a conhecer o currículo de Watt são "If'n" (1987) e "Mr. Machinery Operator" (1993), com o Firehose, e "Ballhog or Tugboat" (1995), já em carreira solo.

Nação Zumbi

A participação do Nação Zumbi também foi um destaque. O "mangue beat", estilo praticamente criado pela banda e pelo ex-vocalista Chico Science --morto em 1997--, continua a reunir adeptos. O público respondeu à altura, cantando em coro praticamente todas as músicas.

Atitude

O público foi composto de gente que se esperaria encontrar em um festival destinado a agradar gostos tão diversos --de pais que levaram os filhos a punks de moicano em riste, tentando manter a pose de radical em um show financiado pelo grande capital (um dos patrocinadores do show foi a fabricante norte-americana de celulares Motorola).

Fome

A única coisa que poderia ter afastado as pessoas das barracas de comida era o preço. Uma porção de yakissoba, servida no pratinho de isopor igual se vê na região da avenida Paulista por R$ 4 na versão grande, lá saia por não menos de R$ 10. O x-salada, que pode ser apreciado nas boas lanchonetes (e nas não tão boas assim) da cidade por coisa de R$ 3, lá estava R$ 7.

A barraca à esquerda do palco A dispunha ainda de iguarias mais ousadas, como combinados de sushi e sashimi, mas era preciso coragem de samurai para encarar os R$ 26 que custava. Mas enfim, ninguém foi lá para comer, mesmo.

Alguns desencontros entre os caixas e a cozinha acabaram levando gente a pagar por um lanche mesmo depois de toda a comida ter acabado (e não é que houve quem comesse os sushis e sashimis todos?). No fim da festa, a comida acabou --para o desespero da "turma da larica".

Quem teve esse triste contratempo acabou tendo que trocar a ficha do lanche (de R$ 5) por cerveja (de R$ 4). Não se ouviu falar, no entanto, de devolução da diferença. Também houve reclamações sobre os estacionamentos que ficavam em locais íngremes, de pouca iluminação, em meio à lama.

Durante o festival, que abriu os portões ao meio-dia do sábado e terminou às 3h40 do domingo, foram vendidos 35 mil cervejas, 5.000 refrigerantes, 4.200 sanduíches e 2.000 pizzas.

Os postos médicos do evento atenderam 91 pessoas --nenhuma em estado grave. A Polícia Militar não registrou nenhuma ocorrência dentro da Chácara do Jockey.

Filas

Filas para banheiros assustavam, mas andavam com rapidez suficientes para não causarem desesperos. Este repórter conseguiu seu cachorro-quente no pão francês, com molho de tomate e cebola e uma salsicha, em coisa de 10 minutos --mas ao custo de R$ 5. Em um dia de semana, o cachorro-quente em São Paulo, completo com purê de batata, batata palha e todas as outras sutilezas da baixa gastronomia, sai por R$ 2.

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre o Claro que é Rock
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