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21/12/2005
-
20h49
da Folha Online
"Você nasce poeta. Como disse Noel Rosa, samba não se aprende na escola", afirmou na tarde desta quarta-feira o poeta Ferreira Gullar, 75, em sabatina realizada pela Folha em São Paulo.
Durante duas horas, Gullar respondeu a perguntas feitas por entrevistadores e pela platéia. Para sabatiná-lo, foram convidados os colunistas da Folha Nelson Ascher, Pasquale Cipro Neto e Manuel da Costa Pinto e o professor de história da cultura (USP) Nicolau Sevcenko. O poeta foi a décima personalidade a participar das sabatinas da Folha.
Nascido no Maranhão, José Ribamar Ferreira publicou seu primeiro livro de poemas, "Um Pouco Acima do Chão", em 1949. O poeta afirmou que a efervescência literária brasileira contemporânea à sua juventude e ao início da sua produção não o influenciou de imediato.
"Nasci em São Luís [MA]. Era uma cidade à qual as coisas chegavam cem anos depois. Para mim, os poetas estavam todos mortos. Essa era uma profissão de defuntos. Então, comecei como poeta parnasiano, com decassílabos e dodecassílabos", disse. "Só mais tarde tomei conhecimento de que havia outra poesia que não era rimada e metrificada: nenhum princípio a priori, nenhuma norma. A poesia agora não tem forma, e a linguagem nasce junto com o poema."
Essa ausência de forma preestabelecida está em sua primeira obra de destaque, "A Luta Corporal", publicada em 1954 --que, segundo o poeta, "destroça toda a linguagem". "Augusto de Campos [um dos pais da poesia concreta] me disse: 'A sua posição é destrutiva; a nossa é construtiva'."
Duas décadas depois, Gullar publicou "Poema Sujo" (1976), extenso poema editado em livro. "Não planejava escrever um poema tão grande. Na verdade, não planejo meus livros", ressalta. A obra foi escrita em Buenos Aires, durante o seu exílio. Pouco tempo antes, ele havia deixado o Chile, que se fechara após a morte de Salvador Allende. "Meu apartamento foi invadido várias vezes", lembrou.
Com seu passaporte invalidado na Argentina, que também se tornava uma ditadura, o poeta afirmou que passou a sentir-se preso e angustiado. "Achei que tinha de escrever a última coisa possível. Pensei: 'Vou dizer tudo enquanto é tempo, vou vomitar o meu passado na página, sem ordem nenhuma, como se fosse uma galáxia, e extrair um poema."
De cara
Para Gullar, não se aprende a ser poeta --ou você é ou não é. "Recebo coisas de jovens do país inteiro. Leio o primeiro, o segundo, o terceiro poema e só. Porque você vê de cara se ele é do ramo ou não. Um poeta é diferente do outro, mas ele tem sempre uma maneira especial de lidar com a palavra."
Sua produção não segue uma linearidade temporal, depende das inspirações que vão surgindo ao longo da sua vida, ele explica. E, se elas não vêm, o poeta não chega perto do papel e da caneta.
"Quando acabei 'A Luta Corporal' [1954], entrei em crise. Acabou tudo, destruí a linguagem, fiquei no vazio. Fiquei estudando filosofia por muito tempo. Não tinha rumo, estava perdido."
Governo
Gullar, que já foi presidente da Funarte, demonstrou insatisfação com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Não votei nele. Há muito tempo eu já não acreditava que o PT seria capaz de governar o Brasil atendendo aos desejos da população." Entre as decisões do partido que o poeta julga equivocadas estão a oposição à Lei de Responsabilidade Fiscal, o Fundef e o acordo de não proliferação de armas nucleares. "[Esse governo] é uma empulhação."
Sobre o ministro da Cultura, Gilberto Gil, Gullar afirmou que tem ouvido muitas reclamações. "Artistas de diferentes áreas dizem que o ministro não tem cumprido o seu papel. Dizem que os projetos não vão adiante, que as solicitações não têm andamento."
Para ele, a função do governo é apenas dar suporte às artes, não direcioná-la. "Quem cria arte é o povo, não o governo. [O governo] tem de criar condições para os artistas, não orientá-los [como vem acontecendo]", afirmou o poeta, que já teve uma produção literária de conteúdo político.
Apesar da freqüência irregular, Gullar continua escrevendo --segundo, ele, "apesar da idade". "Achava que, com a idade, a gente perde a capacidade de escrever. Mas estou é ficando mais pirado", brincou.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre Ferreira Gullar
Veja como foram as sabatinas anteriores
"Você nasce poeta", diz Ferreira Gullar
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"Você nasce poeta. Como disse Noel Rosa, samba não se aprende na escola", afirmou na tarde desta quarta-feira o poeta Ferreira Gullar, 75, em sabatina realizada pela Folha em São Paulo.
Durante duas horas, Gullar respondeu a perguntas feitas por entrevistadores e pela platéia. Para sabatiná-lo, foram convidados os colunistas da Folha Nelson Ascher, Pasquale Cipro Neto e Manuel da Costa Pinto e o professor de história da cultura (USP) Nicolau Sevcenko. O poeta foi a décima personalidade a participar das sabatinas da Folha.
Nascido no Maranhão, José Ribamar Ferreira publicou seu primeiro livro de poemas, "Um Pouco Acima do Chão", em 1949. O poeta afirmou que a efervescência literária brasileira contemporânea à sua juventude e ao início da sua produção não o influenciou de imediato.
Marcelo Lobos/Folha Imagem |
Ferreira Gullar foi sabatinado nesta quarta |
"Nasci em São Luís [MA]. Era uma cidade à qual as coisas chegavam cem anos depois. Para mim, os poetas estavam todos mortos. Essa era uma profissão de defuntos. Então, comecei como poeta parnasiano, com decassílabos e dodecassílabos", disse. "Só mais tarde tomei conhecimento de que havia outra poesia que não era rimada e metrificada: nenhum princípio a priori, nenhuma norma. A poesia agora não tem forma, e a linguagem nasce junto com o poema."
Essa ausência de forma preestabelecida está em sua primeira obra de destaque, "A Luta Corporal", publicada em 1954 --que, segundo o poeta, "destroça toda a linguagem". "Augusto de Campos [um dos pais da poesia concreta] me disse: 'A sua posição é destrutiva; a nossa é construtiva'."
Duas décadas depois, Gullar publicou "Poema Sujo" (1976), extenso poema editado em livro. "Não planejava escrever um poema tão grande. Na verdade, não planejo meus livros", ressalta. A obra foi escrita em Buenos Aires, durante o seu exílio. Pouco tempo antes, ele havia deixado o Chile, que se fechara após a morte de Salvador Allende. "Meu apartamento foi invadido várias vezes", lembrou.
Com seu passaporte invalidado na Argentina, que também se tornava uma ditadura, o poeta afirmou que passou a sentir-se preso e angustiado. "Achei que tinha de escrever a última coisa possível. Pensei: 'Vou dizer tudo enquanto é tempo, vou vomitar o meu passado na página, sem ordem nenhuma, como se fosse uma galáxia, e extrair um poema."
De cara
Para Gullar, não se aprende a ser poeta --ou você é ou não é. "Recebo coisas de jovens do país inteiro. Leio o primeiro, o segundo, o terceiro poema e só. Porque você vê de cara se ele é do ramo ou não. Um poeta é diferente do outro, mas ele tem sempre uma maneira especial de lidar com a palavra."
Sua produção não segue uma linearidade temporal, depende das inspirações que vão surgindo ao longo da sua vida, ele explica. E, se elas não vêm, o poeta não chega perto do papel e da caneta.
"Quando acabei 'A Luta Corporal' [1954], entrei em crise. Acabou tudo, destruí a linguagem, fiquei no vazio. Fiquei estudando filosofia por muito tempo. Não tinha rumo, estava perdido."
Governo
Gullar, que já foi presidente da Funarte, demonstrou insatisfação com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Não votei nele. Há muito tempo eu já não acreditava que o PT seria capaz de governar o Brasil atendendo aos desejos da população." Entre as decisões do partido que o poeta julga equivocadas estão a oposição à Lei de Responsabilidade Fiscal, o Fundef e o acordo de não proliferação de armas nucleares. "[Esse governo] é uma empulhação."
Sobre o ministro da Cultura, Gilberto Gil, Gullar afirmou que tem ouvido muitas reclamações. "Artistas de diferentes áreas dizem que o ministro não tem cumprido o seu papel. Dizem que os projetos não vão adiante, que as solicitações não têm andamento."
Para ele, a função do governo é apenas dar suporte às artes, não direcioná-la. "Quem cria arte é o povo, não o governo. [O governo] tem de criar condições para os artistas, não orientá-los [como vem acontecendo]", afirmou o poeta, que já teve uma produção literária de conteúdo político.
Apesar da freqüência irregular, Gullar continua escrevendo --segundo, ele, "apesar da idade". "Achava que, com a idade, a gente perde a capacidade de escrever. Mas estou é ficando mais pirado", brincou.
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