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03/01/2006 - 09h50

Após "Baile Perfumado", Caldas filma "Deserto Feliz"

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SILVANA ARANTES
Enviada especial da Folha de S.Paulo a Lagoa Grande (PE)

Antes que a placa oficial dê as boas-vindas a "Lagoa Grande, capital da uva e do vinho no Nordeste", quem cruza a estrada no interior de Pernambuco já teve a chance de avistar a pousada Desejos e o anúncio de strip-tease fixo na parede cor-de-rosa da Nossa Casa Bar.

Ante-sala de Lagoa Grande, o comércio de sexo beira-de-estrada é também uma boa introdução para o longa-metragem "Deserto Feliz", que o cineasta pernambucano Paulo Caldas começou a filmar ali, no mês passado.

Sob o olhar da câmera de Caldas, Biu (Servilio Holanda) colhe as uvas que florescem no sertão, no trecho de terra irrigado pelas águas do rio São Francisco.

Na margem de sua vida que corre longe do trabalho na vinícola, Biu acalenta a amizade com Mão de Véia (o premiado ator João Miguel, de "Cinema, Aspirinas e Urubus"), que vive de contrabandear animais silvestres, e, quando chega em casa, olha com lascívia a enteada Jéssica (Nash Laila, 18, em sua estréia no cinema).

Um dia, Biu vai além do olhar. O estupro empurra Jéssica para Recife, a 710 km, onde transcorre a parte central da trama. Jéssica se afasta do assédio familiar, mas não escapa da teia de prostituição e dos roteiros de sexo para turistas europeus que tomam conta da capital pernambucana.

Violência doméstica, turismo sexual e tráfico de animais habitam, na opinião de Caldas, "numa certa sombra". São temas "que a sociedade esconde, não condena totalmente ou faz que não vê".

É dessa área de penumbra que o cineasta quis tratar em seu primeiro longa de ficção desde "Baile Perfumado" (1997), "mas de forma desglamourizada", ressalta.

Para não fazer parecer atraente o universo de "Deserto Feliz", o diretor optou por uma fotografia sem "os vermelhos e amarelos, para desassociar as cores quentes com o "caliente" da prostituição".

Além de dar ao seu filme "tons frios", Caldas quer subtrair dele uns quantos símbolos identificados com o ambiente de mercadejo do sexo. "Não tem batom vermelho, radiola de ficha e taxista com cortininha no carro", diz.

Por trás da complacência com os aspectos que aborda em "Deserto Feliz", Caldas vê mais razões do que as exclusivamente relacionadas à mecânica interna da sociedade brasileira atual. "Continuamos sendo saqueados de todas as formas. Tiram do país as riquezas animais, minerais e até as pessoas", afirma.

O elemento estrangeiro em "Deserto Feliz" é representado pelo ator alemão Peter Ketnath (Mark), por cujo personagem Jéssica se apaixona. Os dois se conhecem num programa --objetivo da viagem de Mark ao Brasil.

Com o romance, Jéssica avista num casamento e na vida em Berlim a chance de um recomeço.

Além de João Miguel e Peter Ketnath (que fala português, é casado com uma brasileira e vive com a família entre a Bahia e Berlim), "Deserto Feliz" empresta de "Cinema, Aspirinas e Urubus" seu diretor, Marcelo Gomes. Ele é co-roteirista do longa, com Caldas, Manuela Dias e Xico Sá, colunista da Folha.

Assim como Gomes, que esperou sete anos para filmar seu longa, premiado em Cannes no ano passado, Caldas volta à direção de ficção dez anos depois das filmagens de "Baile Perfumado", que co-dirigiu com Lírio Ferreira, e se tornou um marco do renascimento do cinema feito no Nordeste.

"Tive projetos que não se concretizaram. Eles envolviam mais recursos", diz. "Deserto Feliz" tem orçamento de R$ 2 milhões e estréia ainda não programada.

Enquanto esperou para filmar novamente histórias inventadas, Caldas dirigiu documentários e diz que acabou se interessando não apenas pela linguagem estética da não-ficção, mas também por sua forma de produção, com equipe reduzida e câmera na mão.

"A operação gigantesca no cinema não me interessa", afirma.
 

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