Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
06/02/2006 - 09h46

Em entrevista exclusiva, diretor fala de "Capote"

Publicidade

SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo

A conversa deveria girar em torno principalmente de "Capote", o filme, indicado na terça a cinco Oscars, incluindo filme, direção, roteiro adaptado e ator. Mas o diretor estreante Bennett Miller acabou falando de muito mais, da crise no jornalismo a política, de George W. Bush a Glauber Rocha.

Getty Imagem
Truman Capote, em 1977
Truman Capote, em 1977
Apesar de ter sido indicado ao Oscar já em seu primeiro longa de ficção, Miller, 38, é tão desconhecido do grande público que o site especializado IMDb traz apenas três informações biográficas: que ele nasceu em 1967, que se formou na Mamaroneck High School em 1985 e que foi colega de classe de Dan Futterman. Onde? Quem? Mamaroneck é uma cidadezinha no interior de Nova York, onde ele nasceu. Ator, Futterman é amigo de infância de Miller e o responsável por apresentar ao diretor o universo de Truman Capote (1924-1984).

Considerado um dos criadores do chamado jornalismo literário (ou novo jornalismo), Capote é autor de duas obras importantes, "Bonequinha de Luxo" (1958), de ficção, e "A Sangue Frio" (1966), em que investiga um crime bárbaro acontecido numa cidadezinha do Kansas em 1959. O último e a conturbada vida do escritor são a base de "Capote", o filme, segundo roteiro de Futterman, baseado na biografia de Gerald Clarke.

Antes disso, Bennett Miller só dirigiu o documentário "The Cruise" (1998), sobre o guia turístico nova-iorquino Timothy "Speed" Levitch (que lhe valeu prêmios em Berlim e no Emmy), e comerciais de TV, "dezenas e dezenas deles, enquanto esperava e aperfeiçoava minha técnica", disse ele, por telefone, à Folha. "Capote" estréia no Brasil no dia 24.

Folha - Por que Capote, por que este assunto agora?

Bennett Miller - Eu estava procurando um filme para dirigir já há alguns anos, sem muito sucesso. Futterman, meu amigo desde os 12 anos, me mandou o roteiro. Ao lê-lo, achei que Capote era particularmente relevante hoje. E há algumas razões para isso. Primeiro, porque me sinto culturalmente deslocado do ciclo atual. Quando vou procurar a origem disso, de por que as coisas começaram a ficar do jeito que ficaram, chego a Capote. O que ele realmente fez foi perceber antes para onde nossa cultura estava indo, em termos de jornalismo, celebridade.

Outra razão, talvez maior, é que Capote é um desses personagens cuja vida e morte representam muito mais do que eles próprios. Representam uma verdadeira tragédia americana, sobre uma pessoa que realmente tem tudo que alguém pode querer, talento, dinheiro, sucesso, fama e todo o resto, e não consegue evitar destruir a si mesmo. Por fim, o tema de pessoas não entendendo realmente as conseqüências do que fazem para conseguir o que querem. Essa, aliás, é uma tendência moderna, que se aplica igualmente a indivíduos, empresas e países.

Folha - Nesse sentido, "Capote" pode ser visto como um filme político, a biografia de uma pessoa abertamente gay feita nos EUA de hoje. Concorda?

Miller - Não. Espero que seja mais profundo do que um filme político. Para mim, política é efêmera, ninguém faz política como uma condição humana profunda (risos). Se há uma leitura política do filme, isso é bom, mas o objetivo não foi político. Eu realmente espero que este filme se mantenha de pé daqui a cem anos, quando George W. Bush, sua administração e tudo o que ele está fazendo hoje estejam esquecidos.

Folha - O sr. acompanhava o jornalismo literário, gênero que Capote ajudou a inventar?

Miller - Não, foi uma coincidência. O mundo do personagem é fascinante, mas quando li a história eu pensei que tudo aquilo parecia uma metáfora de algo que transcendia ele e a história.

Folha - O sr. deve estar ciente da crise por que passa o jornalismo hoje, no seu país especialmente motivada pelos casos de Jayson Blair e Judith Miller no "New York Times". Há também a queda em vendas e publicidade. O sr. acha que a indústria que fez de Capote o que Capote foi está morrendo?

Miller - Sim, é uma questão profunda. O jornalismo realmente está em crise, e isso não prejudica tragicamente apenas a profissão, é um pilar de integridade da sociedade que se pode perder. A corrupção praticada por essas pessoas vai ter conseqüências que eles mesmos não entendem.

Eu diria, no entanto, que o próprio Capote contribuiu para o problema ao convidar o entretenimento para o noticiário, no que chamamos hoje de "infotainment". A partir dele, a meta virou mais atrair um maior número de espectadores e entretê-los para vender produtos do que ter a responsabilidade e a integridade que o jornalismo deve ter para servir seu propósito na sociedade.

Um exemplo: enquanto Capote escrevia "A Sangue Frio", Kennedy assumiu a Casa Branca. Havia então uma completa ciência das infidelidades de Kennedy entre os membros da imprensa. Todo mundo sabia que esse cara estava dormindo com legiões de mulheres. E ninguém, no entanto, jamais escreveu uma linha sobre isso. E a razão pela qual Kennedy continuava a fazer isso tão freqüentemente, bem debaixo do nariz da imprensa, era porque ele sabia que nunca escreveriam algo a respeito. Fazia parte da cultura.

O que Capote fez foi pegar uma história muito privada de uma família metodista do meio do país --e ele foi aos detalhes mais sórdidos-- e torná-la em algo que era jornalismo, claro, mas também entretenimento e também rentável. Hoje em dia, é impossível para um jornalista ter ciência de qualquer insinuação sobre a vida pessoal de um presidente e não publicar. É como se fosse um bando de hienas procurando carniça, como no caso dos jornalistas que se iludiam achando que procuravam uma verdade maior por trás do sexo oral de Bill Clinton.

Folha - Por que a escolha de Philip Seymour Hoffman?

Miller - Porque este personagem é tão complexo e famoso que havia o perigo de ser interpretado de maneira falsa. Mas Capote era também um ser humano, que lutava contra a tragédia. Eu queria um ator que conseguisse dar conta desse personagem mas não o deixasse se tornar uma máscara. Havia um grande perigo de fazer de Capote uma caricatura.

Folha - O sr. é desconhecido do grande público. Quais as suas influências? Li que Jim Jarmusch é um diretor que o sr. respeita.

Miller - Gosto da independência dele, que realmente faz filmes autorais. Mas existem diretores que me são mais próximos, como Stanley Kubrick, os primeiros filmes especialmente, Werner Herzog, o Nicolas Roeg de "A Longa Caminhada" (1971), os irmãos Maysles (Albert e David, dos documentários "Monterrey Pop", 1968, e "Gimme Shelter", 1970), o Wim Wenders do começo, de "Alice nas Cidades" (1974).

Folha - Algum brasileiro?

Miller - Sou fã de Fernando [Meirelles], especialmente "Cidade de Deus", mas infelizmente não sou tão curioso quanto outros cineastas, como Scorsese, que parece conhecer tudo sobre todas as cinematografias do mundo. Você não me recomenda uns dois nomes de brasileiros depois de ver "Capote"?

Folha - Glauber Rocha, para começar. E Eduardo Coutinho.

Miller - Glauber Rocha? Por qual filme eu deveria começar?

Folha - "Terra em Transe".

Especial
  • Veja trailers dos filmes indicados
  • Veja a cobertura completa do 78º Oscar
  • Leia o que já foi publicado sobre "Capote"
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página