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10/02/2006 - 03h00

Herchcovitch e Miele conversam sobre moda

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ALCINO LEITE NETO
Editor de Moda da Folha
VIVIAN WHITEMAN
da Folha de S.Paulo

Alexandre Herchcovitch e Carlos Miele são os únicos brasileiros a participar desta temporada da Olympus Fashion Week, em Nova York --se descontarmos o mineiro Francisco Costa, estilista da Calvin Klein, que fez carreira nos EUA e é atualmente um dos nomes mais poderosos da moda norte-americana.

O desfile de Herchcovitch, ocorrido no sábado, foi o quarto que ele fez em Nova York. O de Miele, na quarta-feira, foi o oitavo. Cada um deles desembolsou pouco mais de US$ 30 mil (cerca de R$ 60 mil) no aluguel das salas de desfile e outros gastos de praxe (depois que se recebe o convite da organização). A presença nos EUA já rendeu seus frutos. Nas duas mais luxuosas lojas de departamento da cidade é possível encontrar as roupas dos dois. As peças de Herchovitch estão sendo vendidas na Bergdorf Goodman. As de Miele ocupam um corner quase do tamanho do de Valentino na Sacks da Quinta Avenida.

Tanto Herchcovitch quanto Miele participaram dos desfiles de fundação da São Paulo Fashion Week, há dez anos. Herchcovitch continua até hoje na semana de moda paulista. Miele deixou de desfilar em 2002, depois de desacordos com a direção do evento, e acabou optando por fazer carreira internacional com a grife Carlos Miele --ele é também dono da M. Officer.

Embora sejam duas personalidades centrais da moda brasileira, Herchcovitch e Miele jamais haviam sentado frente a frente para conversar. Diferenças de estilos e de propostas acabaram colocando um e outro em campos divergentes da moda. A convite da Folha eles aceitaram realizar, pela primeira vez, um bate-papo. A conversa ocorreu num restaurante do Meatpacking District, o bairro de Nova York onde Miele abriu sua loja em 2004.

Folha - Por que vocês decidiram desfilar em Nova York?

Carlos Miele - Quando pensei em abrir uma loja no exterior, decidi que Nova York seria o lugar ideal. Eu estava desfilando em Londres, mas cheguei à conclusão que aqui é mais internacional, como Paris e Milão, com a presença de mais compradores e mais editores de moda.

Alexandre Herchcovitch - Antes de desfilar em Nova York, apresentei três coleções em Londres e oito em Paris. Então fui convidado a vir para cá. A minha marca estava passando por uma fase de popularização no Brasil, com os licenciamentos, e eu estava sentindo que a internacionalização e as vendas fora do país iam no mesmo ritmo. Então, aceitei. Aqui tudo vai mais rápido. Ou eles gostam ou não gostam de você rapidamente. Mas não penso em abrir uma loja no momento, como fez o Miele. Se o fizesse, seria antes em Tóquio, onde estão os meus principais compradores internacionais.

Folha - Qual a maior dificuldade que vocês encontraram desde que começaram a desfilar aqui?

Miele - Eu tive problemas com a seleção de modelos. No meu primeiro desfile, a agência cancelou sete modelos depois que eu tinha feito as provas de roupa. Foi um erro da agência. Mas em geral aqui você não tem muita surpresa. As surpresas vêm sobretudo do Brasil.

Folha - Como assim?

Miele - No Brasil, as pessoas não cumprem prazos e aí você entrega a mercadoria com problemas de qualidade _o que eles não perdoam nos Estados Unidos. Tive problemas no início, em Nova York, por causa disso.

Herchcovitch - Quando você faz uma venda para fora do Brasil, os parâmetros são completamente outros, seja de entrega ou de qualidade. Você tem uma data muito precisa para entregar. No Brasil, quando você faz um pedido para o seu fornecedor e ele fala que vai entregar em 30 dias, pode saber que serão 50 dias. E, aqui, se você atrasa uma vez, eles não te perdoam mais. Em relação a modelos, também tive o mesmo problema do Miele, ontem [na última segunda-feira]. A agência americana DNA cancelou uma modelo que eu já tinha confirmado. Achei muito pouco profissional.

Folha - Desfilar aqui mudou o modo de vocês criariem, levou-os a pensar no gosto americano?

Herchcovitch - Como somos estilistas que querem vender no mundo inteiro, não dá para pensar só em São Paulo ou em Recife ou em Nova York. É obvio que eu acabo ententendo um pouco mais a mentalidade da mulher americana, mas eu jamais posso cair na cilada de fazer uma roupa só para ela e ponto.

Miele - Eu aprendi a subir a numeração, coisa que já tinha ocorrido em Londres. Eles tem uma numeração um pouco maior do que a nossa, mas que não chega a alterar a modelagem. Fora isso, não passei por mudanças. Eu sou meio obsessivo e não consigo mudar. No Brasil, passei dez anos fazendo a mesma coisa e sendo criticado durante todo este tempo. A minha principal qualidade, penso, é que as clientes sabem o que eu vou oferecer. Eu tenho um estilo que é sempre contínuo. Lógico que, dentro desse estilo, tento inovar e me aprimorar. Gostaria muito de mudar a cada coleção, de ser uma pessoa nova em cada temporada, mas não consigo.

Folha - Miele, você voltaria para a São Paulo Fashion Week?

Miele - Não sei. Se eu desfilar no Brasil antes, vou tirar muito a magia do meu desfile aqui, pois as pessoas já terão visto tudo na internet. Acredito que, quanto mais internacional você se torna, mais difícil é fazer dois desfiles. A não ser que sejam dois desfiles diferentes. Se eu pudesse desfilar a M. Officer, eu voltaria.

Herchcovitch - Acho que a postura do Miele é a mais correta. Eu deveria optar: ou São Paulo ou Nova York. Mas eu não posso optar ainda. Tenho muita gente que espera meu desfile no Brasil, tenho muitos compradores lá, de onde vem a maior parte da minha renda. Não me incomoda repetir a coleção aqui. Acho que a SPFW ainda não tem uma visibilidade grande como as semanas de moda de Nova York, Paris, Milão e mesmo de Londres. Se tivesse, eu desfilava apenas em São Paulo. Acho que ela terá esta visibilidade no futuro, mas de um a dez, ela ainda está no passo número três.

Miele - A São Paulo Fashion Week nunca vai conseguir ser internacional porque compete com o calendário, compete até com o clima. Além disso, tem outras semanas de moda na fila, como a da Espanha e a da Índia. Acho que o Brasil deveria, sim, fazer uma semana de alto verão durante o inverno, no que o país não teria concorrência nenhuma. É o que as pessoas esperam do Brasil. Todo mundo iria nessa semana, e eu adoraria desfilar nela. Acho que o Fashion Rio está perdendo tempo. Já falei com eles várias vezes para fazerem uma semana só por ano, no alto verão.

Folha - O que vocês pensam que seja o papel de um e de outro na moda brasileira?

Miele - Alexandre foi o designer brasileiro que teve uma projeção internacional e abriu caminho para outros estilistas, como eu, que queriam desfilar em Londres. Admiro nele também essa sua coragem de mudar radicalmente a cada vez. Ele se dá bem com tudo, com cores, estampas. Faz uma roupa bastante internacional.

Herchcovitch - O que eu tenho na minha memória sobre os desfiles do Miele e, até antes, da M. Officer, foi a maneira especial de ele colocar moda e arte na mesma passarela, para mostrar como a moda era arte e como a arte se apropriava da moda. Assisti alguns desfiles, uns eu entendi, outros não, mas esse foi um ponto forte da M. Officer. Depois, já como Carlos Miele, o fato de ele não mais desfilar no Brasil realmente balançou a cabeça de algumas pessoas que eu conheço e fez pensar se deveríamos fazer o mesmo. O terceiro ponto muito interessante na moda do Carlos Miele é a sua constância, que faz reforçar um estilo próprio, em que o uso de estampas e cores é muito particular e reflete, sim, um pouco do Brasil. Ele é, sem dúvida, um porta-voz da moda brasileira no mundo.
 

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