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13/02/2006 - 10h21

Após "Ônibus 174", Padilha filma roteiro de PM

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo, no Rio

Rodrigo Pimentel é um homem que perdeu suas certezas. Um dia, ele acreditou que, "se o governo soltasse a polícia nas favelas, a gente reverteria o quadro da insegurança no Rio de Janeiro".

Como capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar), Pimentel invadiu morros, prendeu suspeitos, recebeu promoção salarial por matar traficante e medalha reconhecendo sua "coragem e destemor".

De nada adiantou. Era a sensação que ele tinha, quando o cinema o encontrou, no fim dos anos 90. Nessa época, o capitão foi convidado a falar para a câmera do cineasta João Moreira Salles, que filmava o documentário "Notícias de uma Guerra Particular", em co-direção com Katia Lund.

O depoimento de Pimentel ao documentarista assinalou o início do fim de sua carreira de 12 anos na polícia --e também o começo de sua trajetória no cinema.

Hoje, aos 34 anos, afastado do Bope (é capitão reformado), Pimentel estréia como roteirista, num longa de ficção sobre a polícia em que eventuais semelhanças com fatos reais estão muito longe de ser mera coincidência.

"Bope - Tropa de Elite" será filmado em agosto, com direção do documentarista José Padilha ("Ônibus 174"), que também divide o roteiro com Pimentel.

O encontro com Padilha foi o segundo passo do capitão em direção ao cinema. No primeiro --a participação em "Notícias de uma Guerra Particular" (1999)--, seu papel original deveria ser o de "censor", segundo afirma.

O comandante do batalhão pediu a Pimentel que ficasse perto dos documentaristas durante as entrevistas que faziam com os membros da corporação.

Seriam dois os objetivos do comandante com a escalação do capitão: inibir possíveis comentários indesejáveis dos oficiais de mais baixa patente e obter diariamente um relato das filmagens.

"Ninguém era menos indicado do que eu para aquela função, com a vontade que eu estava de expressar a minha frustração", relembra Pimentel.

A sua frustração era a de quem se sentia "enxugando um grande gelo". A rotina de invasões aos morros --que a geração de Pimentel reivindicara como sendo a mais correta política de segurança pública-- revelara-se inócua no combate ao tráfico de drogas.

"Você vai todo dia à favela, mata todo dia um traficante, você volta no dia seguinte e sempre há outro traficante lá. Não é possível que essa seja uma lógica razoável", descreve o ex-capitão.

Guerra particular

De uma frase de Pimentel, saiu o título e a síntese do documentário de Moreira Salles. Em seu desabafo para a câmera, o capitão afirma que a política pública de segurança no Rio de Janeiro havia se convertido numa "guerra particular entre polícia e bandido".

O incômodo de Pimentel era com a ineficácia das ações do batalhão. Matar não é ato que o constrangesse. "É tão impessoal aquela morte em troca de tiro. Não me atormenta. Nunca me atormentou. Aliás, não conheço quem esteja atormentado", diz.

A projeção que o capitão obteve com o filme o levou a assinar uma coluna sobre a polícia no "Jornal do Brasil". Dentro do batalhão, porém, o conceito de Pimentel caiu. "Passei de um oficial muito bom a ruim em seis meses", diz.

Depois da estréia do documentário, em 1999, Pimentel diz que enfrentou rotina de punições ("Tomei 80 dias de cadeia") e transferências para o interior do Estado, a contragosto.

Mas ele admite que, àquela altura, de tão desapontado, já estava "remando o barco para trás". A saída do Bope era inevitável.

Em meio às discussões sobre sua permanência ou não na polícia, Pimentel soube do projeto do documentarista José Padilha de reconstituir o episódio do seqüestro do ônibus 174, ocorrido em junho de 2000, que terminou com a morte do seqüestrador, Sandro do Nascimento, e da passageira Geísa Gonçalves.

Apresentado a Padilha por Moreira Salles, Pimentel atuou como co-produtor de "Ônibus 174" (2002). Sua maior contribuição foi convencer oficiais do Bope, que teve participação desastrada no episódio, a falar sobre a ação.

"Usei argumentos emocionais. Disse que tínhamos de mostrar o nosso lado, ou ficaria parecendo que o Bope era incompetente."

Mas, pouco antes da estréia de "Ônibus 174", Pimentel foi tomado por nova frustração. Quando viu se desenhar na tela um filme assentado na trajetória de Sandro do Nascimento, ele achou que havia perdido para a bandidagem.

Disse ao Padilha: "Tira o meu nome daí e pode dar ao filme o título 'Sandro, um Herói Brasileiro'. Esse cara vai acabar sendo considerado santo", relembra.

A decepção foi contornada, e a amizade com Padilha continuou. Por sugestão do diretor, para escrever o novo filme, Pimentel estudou a obra do mestre de roteiros Syd Field. Hoje, o ex-capitão acha que encara o cinema de forma mais elaborada e se interessa por filmes que antes não veria.

Em "Bope - Tropa de Elite", Pimentel faz o retrato de "uma polícia muito violenta e muito corrupta". Acha que vai ser "esclarecedor para a sociedade". A dúvida é se os amigos que mantém na polícia entenderão sua escolha.

Rodrigo Pimentel ainda habita o território da incerteza.

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