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01/11/2000
-
04h06
JOSÉLIA AGUIAR, da Folha de S.Paulo
A senhora inglesa de meia-idade, há mais de meia hora na fila, pede para fotografar Gore Vidal, que sorri apenas, sem dizer exatamente que concorda. Minutos depois, o leitor assíduo traz uma rosa amarela e cinco livros de uma só vez para o autor autografar. A mulher com lápis e bloco de desenho está silenciosa no canto da livraria, à espera para fazer seu retrato. De novo, o autor responde aos pedidos com meio sorriso.
Nunca se pode dizer ao certo quando o autor norte-americano de 75 anos, conhecido pela acidez de sua escrita, abandona a ironia. Foi com sua incansável visão mordaz que, desde os anos 60, Gore Vidal se tornou um dos maiores escritores do seu país, ao iniciar uma série de romances históricos sobre a criação do que chama de império americano. Costuma dizer que seus livros revelam o que as patrióticas aulas de história não contam sobre os Estados Unidos: a verdade.
Gore Vidal cresceu em Washington e conviveu com representantes legítimos desse império -de alguns, estava ou ainda está próximo por certo grau de parentesco. Al Gore, vice-presidente dos EUA e candidato democrata nas eleições do próximo dia 4 de novembro, é seu primo distante.
Na última quarta, Gore Vidal autografou seu novo livro, "The Golden Age" (A Era Dourada), em uma das mais tradicionais livrarias de Londres, a Hatchards, em Piccadilly. O livro acaba de ser comprado pela Rocco e deve ser lançado no ano que vem no Brasil. Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - Com "The Golden Age", o senhor de fato encerra a sua série de livros sobre a construção do império americano?
Gore Vidal - Nesse livro, o sétimo, falo dos anos 40 e dos anos 50. É o período em que Franklin Roosevelt adquire a maior parte do mundo para os EUA.
Depois vem Harry Truman, que joga a bomba no Japão e cria a corporação global. Eu levo a história até o começo do ano 2000. Acho que contei tudo. O que importa é dizer como o império se criou, definir como fomos e quem fomos. Parte da história todos conhecem. Outra parte ninguém contou até então.
Folha - A América continua tão poderosa hoje quanto no passado?
Vidal - Sim. A União Soviética desapareceu. Não há mais alternativa ao império americano. Não há sinal de outro poder que rivalize com o norte-americano. Os EUA são o único poder global. Gostaria de substituir esse império atual pela república antiga, mas ela se perdeu nos anos 50.
Folha - Pode-se aprender com a história?
Vidal - A América tem razões para não cultivar o passado. Somos culpados e, ao contrário do que diz nossa própria propaganda, detestados.
Os EUA sempre agem de má-fé com outros países. Sejam sempre cautelosos ao lidar conosco. Interferir nos outros países é um hábito que não devemos perder.
Folha - Como será o império americano no próximo século?
Vidal - Aos poucos, nós nos tornaremos menores e menos agressivos. Provavelmente vamos nos tornar alguma coisa entre o Brasil e a Argentina, quem sabe um poder médio.
Folha - A cultura americana também domina o mundo como extensão desse império?
Vidal - Não estou tão certo de que a cultura americana seja tão dominante. Entretenimento é um grande produto que exportamos, depois de armas. Temos obtido sucesso com isso. Mas o mundo é um lugar muito grande. Um bilhão de chineses têm sua própria cultura. A Índia também tem seu 1 bilhão de habitantes.
Folha - Certa vez o senhor afirmou que a audiência dos livros diminuiu. E ironizou dizendo que havia praticamente mais escritores do que leitores. O senhor realmente pensa assim?
Vidal - Os diretores de cinema assumiram o lugar dos romancistas. O cinema se tornou a forma de arte preferida. A ficção se aproximou da poesia nisso. Não há mais um grande público, e sim uma minoria que a aprecia. A ficção não é mais essencial.
Folha - Por que isso aconteceu?
Vidal - As gerações crescem vendo TV e não aprendem a ler muito bem. Uma cabeça talhada pelas imagens trabalha diferente de uma cabeça moldada pela datilografia linear. Não saberia dizer a diferença.
Folha - O que o senhor escreve atualmente?
Vidal - Eu acabo de lançar uma nova peça na Broadway, há dois meses. Agora uma nova peça deve entrar em cartaz. Tenho de escrever vários ensaios. Nenhum romance agora.
Folha - Às vésperas das eleições nos EUA, como o senhor imagina o governo de seu primo Al Gore?
Vidal - Bem, ele pode perder, não é? Infelizmente meu primo Al é o Gore errado. Eu sou o Gore certo. Mas o país não é governando por presidentes, e sim pelas grandes corporações. Quem for presidente será pago por elas, e os presidentes vão fazer o que elas querem.
Livro: The Golden Age
Autor: Gore Vidal
Editora: Doubleday
Quanto: R$ 55 (448 págs.)
Onde encontrar: www.livcultura.com.br, www.amazon.com, www.bn.com (US$ 22 nos sites norte-americanos)
Leia mais notícias de Ilustrada na Folha Online
A história americana (que não ensinam na escola)
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A senhora inglesa de meia-idade, há mais de meia hora na fila, pede para fotografar Gore Vidal, que sorri apenas, sem dizer exatamente que concorda. Minutos depois, o leitor assíduo traz uma rosa amarela e cinco livros de uma só vez para o autor autografar. A mulher com lápis e bloco de desenho está silenciosa no canto da livraria, à espera para fazer seu retrato. De novo, o autor responde aos pedidos com meio sorriso.
Nunca se pode dizer ao certo quando o autor norte-americano de 75 anos, conhecido pela acidez de sua escrita, abandona a ironia. Foi com sua incansável visão mordaz que, desde os anos 60, Gore Vidal se tornou um dos maiores escritores do seu país, ao iniciar uma série de romances históricos sobre a criação do que chama de império americano. Costuma dizer que seus livros revelam o que as patrióticas aulas de história não contam sobre os Estados Unidos: a verdade.
Gore Vidal cresceu em Washington e conviveu com representantes legítimos desse império -de alguns, estava ou ainda está próximo por certo grau de parentesco. Al Gore, vice-presidente dos EUA e candidato democrata nas eleições do próximo dia 4 de novembro, é seu primo distante.
Na última quarta, Gore Vidal autografou seu novo livro, "The Golden Age" (A Era Dourada), em uma das mais tradicionais livrarias de Londres, a Hatchards, em Piccadilly. O livro acaba de ser comprado pela Rocco e deve ser lançado no ano que vem no Brasil. Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - Com "The Golden Age", o senhor de fato encerra a sua série de livros sobre a construção do império americano?
Gore Vidal - Nesse livro, o sétimo, falo dos anos 40 e dos anos 50. É o período em que Franklin Roosevelt adquire a maior parte do mundo para os EUA.
Depois vem Harry Truman, que joga a bomba no Japão e cria a corporação global. Eu levo a história até o começo do ano 2000. Acho que contei tudo. O que importa é dizer como o império se criou, definir como fomos e quem fomos. Parte da história todos conhecem. Outra parte ninguém contou até então.
Folha - A América continua tão poderosa hoje quanto no passado?
Vidal - Sim. A União Soviética desapareceu. Não há mais alternativa ao império americano. Não há sinal de outro poder que rivalize com o norte-americano. Os EUA são o único poder global. Gostaria de substituir esse império atual pela república antiga, mas ela se perdeu nos anos 50.
Folha - Pode-se aprender com a história?
Vidal - A América tem razões para não cultivar o passado. Somos culpados e, ao contrário do que diz nossa própria propaganda, detestados.
Os EUA sempre agem de má-fé com outros países. Sejam sempre cautelosos ao lidar conosco. Interferir nos outros países é um hábito que não devemos perder.
Folha - Como será o império americano no próximo século?
Vidal - Aos poucos, nós nos tornaremos menores e menos agressivos. Provavelmente vamos nos tornar alguma coisa entre o Brasil e a Argentina, quem sabe um poder médio.
Folha - A cultura americana também domina o mundo como extensão desse império?
Vidal - Não estou tão certo de que a cultura americana seja tão dominante. Entretenimento é um grande produto que exportamos, depois de armas. Temos obtido sucesso com isso. Mas o mundo é um lugar muito grande. Um bilhão de chineses têm sua própria cultura. A Índia também tem seu 1 bilhão de habitantes.
Folha - Certa vez o senhor afirmou que a audiência dos livros diminuiu. E ironizou dizendo que havia praticamente mais escritores do que leitores. O senhor realmente pensa assim?
Vidal - Os diretores de cinema assumiram o lugar dos romancistas. O cinema se tornou a forma de arte preferida. A ficção se aproximou da poesia nisso. Não há mais um grande público, e sim uma minoria que a aprecia. A ficção não é mais essencial.
Folha - Por que isso aconteceu?
Vidal - As gerações crescem vendo TV e não aprendem a ler muito bem. Uma cabeça talhada pelas imagens trabalha diferente de uma cabeça moldada pela datilografia linear. Não saberia dizer a diferença.
Folha - O que o senhor escreve atualmente?
Vidal - Eu acabo de lançar uma nova peça na Broadway, há dois meses. Agora uma nova peça deve entrar em cartaz. Tenho de escrever vários ensaios. Nenhum romance agora.
Folha - Às vésperas das eleições nos EUA, como o senhor imagina o governo de seu primo Al Gore?
Vidal - Bem, ele pode perder, não é? Infelizmente meu primo Al é o Gore errado. Eu sou o Gore certo. Mas o país não é governando por presidentes, e sim pelas grandes corporações. Quem for presidente será pago por elas, e os presidentes vão fazer o que elas querem.
Livro: The Golden Age
Autor: Gore Vidal
Editora: Doubleday
Quanto: R$ 55 (448 págs.)
Onde encontrar: www.livcultura.com.br, www.amazon.com, www.bn.com (US$ 22 nos sites norte-americanos)
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