Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
29/03/2006 - 21h13

Crítica: Lésbicas derrubam clichês em livro de contos

Publicidade

SÉRGIO RIPARDO
Editor de Ilustrada da Folha Online

Por dia, são lançados 30 livros no Brasil, em média. Haja estante. O número engloba edições pífias, de 3.000 exemplares, que são mais distribuídos com amigos do que vendidos nas livrarias. Nesse universo, há muita escrita ordinária, desperdício de papel e celulose. Em meio ao lixo, também existem algumas pérolas (no bom sentido). É o caso de "Lado B - Histórias de mulheres", um livro de contos sobre os amores e medos das lésbicas (leia trecho), um tema ainda pouco explorado no mercado editorial.

Reprodução
"Lado B" traz contos sobre lésbicas
"Lado B" traz contos sobre lésbicas
"Tenho sentido uma enorme atração por todo o corpo das mulheres, mas especialmente pela boceta. A minha, como já observei várias vezes, tem vida própria. Ela se manifesta nos momentos mais inadequados. Me fascinam seu cheiro, suas reações, seu sabor. Apesar da minha falta de experiências reais, já me masturbei muito olhando as fotos nas revistas que meus filhos 'santinhos' escondem no fundo do armário", cita trecho do conto "Diário", em que uma senhora escreve "indecências".

A autora do livro (104 páginas, R$ 22), que está sendo lançado pela Edições GLS, é a carioca Lúcia Facco, 42, mestre em literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e premiada em um concurso de contos promovido em 2004 pela União Brasileira de Escritores. Em 2004, pela mesma editora, ela lançou "As heroínas saem do armário: literatura lésbica contemporânea".

"Lado B" traz 12 contos. O texto é enxuto. As descrições buscam o realismo. Mas há um toque de poesia, explorando um clima de nostalgia, melancolia, algo "retrô". Elas amam demais, sofrem demais e sentem demais, em um mundo de repressões, patriarcal, que ainda silencia, condena e pune o prazer e o amor entre mulheres.

Corajosos, alguns trechos são explícitos --os mais conservadores diriam "pornográficos" ("Gozei imaginando que a penetrava com o meu clitóris, misturando os dois líquidos sem nome, os dois gostos diferentes, formando um terceiro, que depois eu lamberia").

Além do erotismo, a obra fala de maternidade, de amor, de morte, de solidão, de felicidade. Há lésbicas para todos os gostos, contrariando as expectativas do senso comum, que só admite a existência do estilo "caminhoneira" para as chamadas "sapatonas".

O livro surpreende quando narra experiências de mulheres cheias de feminilidade, assumidas ou não, de diferentes perfis (brancas, negras, jovens, velhas, enfim, gente de carne e osso, que pode estar sentada ao seu lado e você nem desconfia de sua homossexualidade --e precisa?!).

Há a pretensão de "retirar a literatura lésbica do gueto e enquadrá-la no panorama da arte contemporânea", como menciona a apresentação de "Lado B" pela editora. É compreensível esse tom, que visa atrair uma atenção mais ampla para a publicação, viabilizando comercialmente o projeto. Nada contra, mas soa falso e medroso. Será que, juntando todas as lésbicas com potencial de compra, o livro não entraria na lista dos mais vendidos? Vale lembrar que o próximo livro de Bruna Surfistinha, atual campeã de vendas, vai explorar o filão da homossexualidade feminina, tema que também atrai a fantasia de homens heterossexuais.

A tal "literatura lésbica" ainda anda a passos de tartaruga. Televisão e cinema já acordaram bem antes para esse universo. No ano passado, a TV paga brasileira começou a exibir a série americana "The L Word". A saudosa e finada série "Sex and the City" colocou uma personagem lésbica vivida pela atriz brasileira Sonia Braga --a pintora Maria-- para ensinar a fogosa Samantha (Kim Cattrall) a pronunciar, em português, a palavra "boceta" (já imaginou ler essa palavra em alguma publicação décadas atrás ou o que a censura faria?!).

Resistência

No mercado editorial brasileiro, há ainda uma resistência aos livros sobre a temática homossexual. Às vezes, há caso de aproveitar a oportunidade de que o assunto está sendo "bombado" pelo cinema. Foi o caso do conto que inspirou o filme "O Segredo de Brokeback Mountain". Foi lançado no Brasil pela editora Intrínseca, que aproveitou o marketing espontâneio em torno da obra de Ang Lee, que levou o Oscar de melhor diretor --apesar de ter perdido o prêmio de melhor filme.

A Intrínseca foi rápida ao colocar nas livrarias só o conto que interessava --ao contrário da editora Bertrand, que antes planejava lançar até junho o livro "Close Range", no qual apareceu o conto sobre Brokeback Mountain.

Serviço
"Lado B - Histórias de mulheres"
Autora: Lúcia Facco
Editora: Edições GLS (www.edgls.com.br ou 0/xx/11/3865-9890)
Páginas: 104
Preço: R$ 22

Leia mais
  • Bruna Surfistinha aborda sexo gay em novo livro
  • "Entenda as entendidas" retrata lésbicas
  • Crítica: Livro de Jean expõe o gay que a Globo leva a sério
  • Crítica: "Brokeback", o livro, não tem densidade

    Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre literatura e gays
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página