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21/05/2006 - 04h30

Fotógrafo Thomaz Farkas, 81, fala à Folha

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MARIO GIOIA
da Folha de S.Paulo

Antes transgressor, agora clássico. O discreto Thomaz Farkas, 81, é foco de duas homenagens em livro que chegam às lojas já no final do mês.

Nas duas publicações --a maior é uma caprichada edição da Cosacnaify que reúne imagens coloridas feitas nas regiões Norte e Nordeste, de 1964 a 1975--, transparece a importância de Farkas para a fotografia e o cinema nacionais.

Na fotografia, nos anos 40, ele subverteu o academicismo reinante, junto de seus colegas do Foto Cine Clube Bandeirante, como Geraldo de Barros e German Lorca, exibindo imagens que exploram as formas e a geometria. Nos anos 60, produzindo os documentários da que ficaria célebre com o nome de Caravana Farkas, revelou imagens de um Brasil pouco visto nos grandes centros.

No comando da rede de lojas Fotoptica, sua gestão foi marcada pelo profissionalismo e por inovações, como a publicação de revistas e a criação de uma galeria.

Na entrevista a seguir, Farkas fala sobre seu importante papel nessas duas áreas, se lembra de uma cidade de São Paulo mais gentil e revela preocupações com a preservação de seu precioso acervo.

Folha - O que você lembra da Hungria?

Thomaz Farkas - Saí de lá muito pequeno, com cinco anos, mas voltei para lá várias vezes. Voltei antes da Cortina de Ferro. Eu gosto muito da Hungria, é um país interessante. Gosto de lá por causa do cheiro da comida, que eu, às vezes, faço em casa. Tem um sabor especial. Mas faço só no inverno.

Folha - Você começou a fotografar a partir de cenas domésticas, na infância?

Farkas - Eu era muito moço. Morávamos no Pacaembu. Eu ainda freqüentava muito Campos do Jordão, eu tenho muitas paisagens de lá. São paisagens clássicas. Tirei foto de um gatinho, que tinha um bigode pequenininho. Colocamos o nome dele de Hitler. Era o gato Hitler. Também fotografei um zepelim. O Pacaembu era só lama, não era asfaltado. Nós tínhamos uma turma de bicicleta, chamada Esquadrilha Invencível. A gente brigava de espada e aquelas bobagens de garoto de dez, 15 anos. A gente ia até a biquinha, onde é a piscina hoje. Eu assisti à construção do estádio. Não tinha guindaste, não tinha trator, era tudo carroça de burro.

Folha - Como começou o seu envolvimento com o Foto Cine Clube Bandeirante?

Farkas - Comecei a freqüentar ainda menino. Era o mais moço de todos. Eu me dei muito bem com o grupo que havia lá durante anos. Mas, depois, fui para outro caminho com outros colegas, como o Geraldo de Barros, porque o Foto Clube era uma coisa bem restrita do ponto de vista artístico, era uma coisa que não inovou muito. Em 1940, o que havia de fotografia nova? Aqui não tinha muita coisa revolucionária.

O pessoal do Foto Clube sentava e julgava, mensalmente, trabalhos apresentados. Havia excursões mensais, a gente voltava, mostrava as fotografias que havíamos feito e tinha um concurso. Eram julgadas composição, iluminação, tema, e dava-se nota. Quem tinha nota máxima ganhava aquele prêmio do mês. Eu achei que aquilo não era muito 100%...
Com o tempo, fui aperfeiçoando a minha visão, tinha muito contato com revistas e livros estrangeiros na Fotoptica. Mas eu nunca fui profissional nem amador, eu acho que sou uma espécie de fotógrafo marginal.

Folha - Quais fotógrafos você admirava nessas revistas?

Farkas - Ah, tinha um americano chamado Weston [Edward, 1886-1958, considerado um dos mestres modernos], que era um cara fantástico, Ansel Adams [1902-1984, famoso por suas paisagens] e outros nomes muito bons, mas eu não fazia nada igual àquilo que eles faziam. Trocava correspondência com o Weston. Ele gostava muito das fotos, e isso me animava.

Folha - Você projetou um filme do Ivens no seu apartamento e aí acabou sendo preso.

Farkas - É, teve uma pessoa que disse: "Não, isso é coisa de comunista". Acusaram-me de ser da União Cultural Brasil-Cuba, e eu não era. Fiquei detido uma semana no Dops [Departamento Estadual de Ordem Política e Social, órgão de repressão do regime militar].

Vi coisas muito chatas, mas não me aconteceu nada. Meu filho também ficou meses preso, minha filha ficou uma semana, mas, no fim, graças a Deus, nós escapamos.

Folha - Como começou seu interesse por cinema? E como se deu a Caravana Farkas?

Farkas - Era o tempo da Segunda Guerra, e eu sempre quis estudar cinema. Mas eu era húngaro, era considerado do Eixo. Comecei a mexer em cinema na Politécnica. Tinha um grande professor de arquitetura, o Vilanova Artigas [1915-1985, mestre da arquitetura brutalista], que me apresentou um grupo maravilhoso, o Vladimir Herzog, o Maurice Capovilla, o Sérgio Muniz.

Em 1964, queríamos fazer uma revolução nos filmes. O Brasil é um lugar imenso, mas o que nos une? A língua. E a revolução era mostrar o Brasil para os brasileiros. Naquele tempo, só se pensava que o pessoal do Norte vivia no atraso, ao mesmo tempo se pensava que o Sudeste era uma maravilha... mas não queríamos fazer uma revolução armada. Foi uma maravilha quando veio "Viramundo", do Geraldo Sarno, e outros filmes, que tiveram grande reconhecimento.

Folha - E o que você acha dessa revolução digital na fotografia?

Farkas - Isso é novidade. Ainda não mexo com digital porque tenho muito a fazer com a "antiga". O digital é como a fotografia instantânea, que se abriu para o grande público. Antes, você tinha de regular foco, tempo, tinha de ser um iniciado. Agora, vem um aumento de fotógrafos. Mas ainda não sei o que vai dar.

Folha - Com toda essa longa trajetória, como está a preservação do seu acervo?

Farkas - O meu arquivo de fotografias está prejudicado. Preciso restaurar negativos, está complicado. Essa é minha urgência, a memória está aí. Não sei quantos negativos tenho. Tudo está documentado, mas nem tudo resistiu. Metade está enturvado. E quem é que vai me patrocinar? Nunca soube fazer isso.

Folha - Entre 1931 e 1934, houve anti-semitismo quando vocês estudava na Escola Alemã?

Farkas - Apareceram uns garotos de uniforme marrom. Aí meus pais falaram, "não, esse negócio de nazismo, nós vamos mudar de escola porque isso aí não interessa", e aí fui para o Rio Branco, que foi uma ótima escola, durante o primário, o ginásio, fiz tudo lá. Foi um colégio ótimo.

Folha - Seu tio era amigo do Warchavchik...

Farkas - É, eu também era. Conheci o Warchavichik [Gregori, um dos precursores da arquitetura moderna no Brasil] em Campos de Jordão. Tenho fotografias das obras dele. As construções dele são interessantíssimas, de vez em quando a gente conhecia, ia visitar.

Folha - Você se identificou no Foto Cine Clube Bandeirante com o Geraldo de Barros, que começava a intervir no negativo... e o pessoal do Cine Clube era pictorialista, não é?

Farkas - Fiquei muito amigo do Geraldo e nós trabalhamos, nós fizemos um laboratório juntos. Ensinamos juntos lá no Masp, na época em que o Bardi mandava. Era na Sete de Abril, fizemos laboratório lá, tivemos alunos, tivemos aulas, durante muitos anos. Fez muita coisa o Geraldo. Muita, era um cara muito legal.

Folha - O que você via no cinema em sua juventude? Você foi muito influenciado pelo "Fantasia", não é?

Farkas - É... são filmes que impressionam. Eu gostava de ir ao cinema e, ao lado da Fotoptica, na rua São Bento, tinha um cinema maravilhoso chamado Rosário. Eu ia muito, era um cinema fantástico, ótimo. Ao lado do Martinelli, assim, era um prédio ao lado. Tinham dois cinemas na rua São Bento, o Alhambra e o Rosário, Tinha cinema no centro, não é? No cinema a gente ia, eu ia muito.

Folha - Tinham alguns gêneros que você gostava?

Farkas - Faroeste eu gostava.

Folha - Depois do cineclube, você começou a participar de concursos e conseguiu ganhar alguns, não é? No caso, você ganhou com "Obras Humanas"...

Farkas - Pois é, "Obras Humanas" era uma fotografia interessante. Era o estádio do Pacaembu, que não tinha o tobogã, tinha o ginásio e tinha um menino, filho de um sócio do fotoclube, que andou lá na frente e eu, puft, tirei uma fotografia. Arquitetura com um menininho, então chamei "Obras Humanas".

Folha - Naquela época você também gostava de tirar foto de arquitetura? Como é que foi tal interesse?

Farkas - Ah, é que a arquitetura de São Paulo era interessante, e eu me interessei muito por arquitetura, quis estudar. O meu pessoal em casa disse: olha, medicina, você quer estudar? Eu disse, não, não quero. Filosofia? O que é filosofia? Nem sabia o que era filosofia. Você quer estudar arquitetura? Eu digo, talvez, não é? Mas por que você não vai para a engenharia? E eu fui para a engenharia e aí conheci o professor Artigas, que era professor de arquitetura, porque naquele tempo arquitetura era junto com a Politécnica, mas eu me interessei e me interesso até hoje, muito, por arquitetura.

Tenho uma biblioteca enorme de arquitetura, persigo os arquitetos grandes de hoje --o Siza, o Calatrava, o Niemeyer. Queria dar os meus parabéns para o Paulo Mendes da Rocha, que acabou de ganhar o Prêmio Pritzker.

Folha - Em 1945, 1946, houve a fase em que você fez essas fotos surrealistas com o Grassmann...

Farkas - E com esse pessoal da Escola Politécnica, a turma da escola. Naquele tempo, o surrealismo veio para cá com informação, livros e revistas, e a gente lia isso. Então, a gente dizia, "vamos fazer umas experiências surrealistas". A gente foi num porão aí da rua Teodoro Sampaio, fez uma série de composições. São muito interessantes. Chamamos de surrealista, porque naquele tempo todo mundo pensava nessas coisas. O Marcelo Grassmann [artista plástico, considerado um dos grandes gravadores brasileiros] participava. A gente se divertiu muito com isso.

Folha - Depois você fez fotos do Balé Yara...

Farkas - Bom, com o tempo, eu também me interessei muito pela dança. Fotografei muito no Balé da Juventude. O Balé da Juventude era da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Nessa época, saiu o Yara no Municipal. Eu era amigo dos porteiros do Municipal, entrava por trás. E fotografei muito. O Iara me encantou muito, tinham coisas do Portinari, muito bonito.

Folha - No Rio, você conheceu fotógrafos mais antigos, como o José Medeiros e o Sansão Castelo Branco.

Farkas - O Zé Medeiros, já me correspondia com ele. Éramos muito amigos, o Zé Medeiros, eu, o Sansão Castello Branco era um grande cara. O pessoal do Rio de Janeiro era um pessoal muito bom, muito unido. O pessoal de cinema, conheci todos, mas fotografia era a coisa mais que eu fazia muito nessa época. Do Rio de Janeiro tenho muitas fotografias, eu era muito bem recebido no Rio. Geralmente, paulista não era muito bem recebido, havia rivalidade de futebol, e o paulista era malvisto, não havia essa união.
Eu adorava ir para o Rio, a família do Zé Medeiros era uma família maravilhosa. Conheci todo mundo: as irmãs, o Zé, o Anísio Medeiros, que era um cenógrafo fantástico, enfim.

Folha - Você era amigo do Oswaldo Bratke também, não?

Farkas - Admirava muito, porque sua arquitetura usava os materiais simples. A casa dele era toda de madeira, por exemplo. Ele construía casas maravilhosas.

Folha - Como se deu o lançamento da Revista Fotoptica?

Farkas - É, a Revista Fotoptica foi um negócio muito interessante. A revista era uma espécie de catálogo da Fotoptica. Era um jornal, fazíamos na "Última Hora", que era no Anhangabaú, lá embaixo. A gente ia lá na Redação, ia na composição, pegava os clichês, montava no jornal. A gente tinha 100 mil clientes na Fotoptica, no Brasil inteiro, reembolso postal. Isso foi evoluindo, evoluindo, evoluindo, e aí resolvemos fazer a revista. Foram 140 números de uma revista muito bonita.

Folha - Vocês apresentavam novos fotógrafos?

Farkas - Só brasileiros, porque os estrangeiros tinham a sua apresentação nas revistas estrangeiras, então eu achei que só devia apresentar os brasileiros. Tinham estrangeiros que moravam aqui, mas eram principalmente fotógrafos brasileiros que começavam. Muitos fotógrafos passaram pela revista. Hoje são grandes, e passaram todos pela revista.

Folha - Em 1957, você foi para Brasília, quando estavam construindo a cidade. Você era amigo do Zanine Caldas.

Farkas - Eu era amigo do Jorge Wilheim, arquiteto, meu colega e também amigo do Zanine [arquiteto e designer], mas o Jorge entrou no concurso e não ganhou. Ganhou o Lucio Costa, mas eu me entusiasmei com Brasília e fui desde a construção até à inauguração. Conheci bem o Zanine, era um cara fantástico. Ele morava lá no interior, ao lado de Brasília, naquele cerradão, fazia móveis em São José dos Campos.

Folha - Como foi ir para Brasília e fazer essa série para o "Correio Braziliense"? Você retratou-a em dois momentos, ainda em construção, e poucos anos atrás, décadas após tê-la registrado.

Farkas - Pois é, o pessoal do "Correio" me chamou. É o único trabalho assim meio profissional que fiz nos últimos anos. Não ganhei dinheiro, mas fizeram um caderno inteiro, um suplemento muito bonito, um caderno especial com fotografias da época de construção e da época presente. Então, tem o contraste e o depoimento de muita gente.

Folha - E como é ver todo esse processo que ocorreu em Brasília? Surgiu no meio do cerrado e agora se transformou completamente. Já não é a Brasília dos anos 60.

Farkas - Não é a Brasília da cabeça do Oscar, mas, sabe, o mundo muda. São Paulo também mudou, eu conheci São Paulo diferente, a "Terra da Garoa", o Rio era diferente, tudo muda. O tempo traz novidades e você tem que aceitar, mesmo quando você pensa: "ah, não é assim que eu gostaria". Eu gosto de São Paulo. Sou das poucas pessoas que gostam de ficar em São Paulo. Tenho meus amigos em São Paulo, a cidade tem uma vida artística muito interessante.

Então, Brasília para mim foi o nascimento de uma capital, sabe? Um negócio muito positivo. E o Rio de Janeiro era uma terra alegre. Quando você chegava lá no aeroporto, as meninas já te olhavam com uma outra cara, entende? Era um outro mundo, assim como a Paraíba era um outro mundo. O Rio Grande do Sul era outro mundo. O Brasil era um país que não se conhecia, por isso eu fiz os filmes. Filmes sobre o Brasil para mostrar o Brasil aos brasileiros.

Folha - Em 1970, você começou a trabalhar na Fotoptica direto.

Farkas - É, eu trabalhava sempre que precisava, mas eu tive sorte de ter sócios muito bons. A Fotoptica teve um bom nome, esse nome se conserva até hoje. Quando nós vendemos a Fotoptica, vendemos-a bem. Ainda me relaciono bem com o pessoal de lá.

Folha - Você gostou de dar aulas na ECA [Escola de Comunicações e Artes da USP]?

Farkas - Eu ensinei no curso de jornalismo por 20 anos. Os alunos eram muito bons. Tenho amigos de lá até agora, como o Zé Marques [José Marques de Melo, professor da Unicamp], o Rudá de Andrade, que está hoje na Cinemateca. Tive alunos muito bons: o Olney Kruse [crítico de arte, fotógrafo e artista plástico], o Ethevaldo Siqueira [jornalista especializado em telecomunicações], um monte de gente muito boa. Os alunos eram maravilhosos, interessados em cinema e fotografia, porque eu ensinei fotojornalismo, cinejornalismo e telejornalismo, ensinei os três, fiquei 20 anos lá.

Folha - Você participou de uma expedição científica na região Norte, não?

Farkas - Ah, isso foi com o Vanzolini [Paulo, zoólogo e compositor]. O Vanzolini era muito amigo do Geraldo Sarno, diretor de cinema com quem eu trabalhei muito. Ele nos convidou para ir numa viagem para fazer um filme. Infelizmente, o filme pegou umidade, perdemos o filme, perdemos o material. Mas eu tinha levado máquina e fiz muitas fotos...

Folha - Fez em Kodachrome?

Farkas - Kodachrome. Essas fotos estão aí guardadas e foi justamente a exposição que eu fiz na Pinacoteca [que serviu de base para o livro "Notas de Viagem", que será lançado no fim de maio pela Cosacnaify].

Folha - Quando começou o reconhecimento aos primeiros filmes da Caravana Farkas, como "Viramundo", o que você sentiu?

Farkas - Ah, foi uma maravilha. Só que não havia cinema grande, só havia cinema universitário, só havia cinema paralelo, você projetava em grêmio. Projetava, eventualmente, para operários. Não tinha saída comercial. Por isso digo que eu nunca fui um cara nem comercial, nem amador, eu fui marginal, mesmo no cinema eu sou um cara marginal.

Dentro dos 30 filmes, eu só fiz dois ou três, os outros foram feitos pelos colegas, pelos amigos. Então, eu fui trazido por eles. Me levaram, eu não me fiz sozinho,. Eles me levaram para o Norte, para o Nordeste, para o Sul, para São Paulo, sabe? Todos ficaram muito meus amigos.

Folha - Houve aquele tipo de crítica, que vocês iriam estampar a miséria, e tal. A TV recusou...

Farkas - Acontece o seguinte, veja, nunca se fizeram os filmes com a intenção de mostrar miséria, porque não era miséria, era como se vivia. Como é que o pessoal vivia? Era a vida do brasileiro, que não era dentro da cidade, dos apartamentos.
Agora, quando você mostrasse isso aqui, por exemplo, na TV Cultura? Nós estamos numa ditadura? Eles vão pensar o quê? Que nós estamos fazendo propaganda subversiva? É bobagem. Hoje, por exemplo, se eu for lá para o interior, eu vou encontrar o que eu encontrava antes, mas não é miséria, é a vida deles, entende? Quando você vai para o interior, Vale do Ribeira, Goiás, Minas, já muda tudo.

Folha - E aí como foi a reação do pessoal do cinema novo?

Farkas - Eram coisas paralelas. O Glauber [Rocha, principal nome do cinema novo] indicou o Geraldo. Eles tinham o trabalho dele, nós tínhamos o nosso. Não era igual, mas ao mesmo tempo, éramos contemporâneos, não?

Folha - Ao mesmo tempo, teve a coisa de você conhecer o pessoal da Vera Cruz aqui também, o Cavalcanti...

Farkas - Isso é o seguinte: como eu não podia ir para fora, porque era guerra, eu era do Eixo, para aprender cinema, como é que eu vou fazer para aprender cinema? Para ver como é que se faz cinema? Tinha de ir para a Vera Cruz. Então, fiz amigos lá, o pai da Bruna Lombardi, que era um fotógrafo, o Chick Fowle, ficaram meus amigos...

Folha - O Cavalcanti [Alberto, cineasta] também?

Farkas - Eu tirei fotografia dele, sendo entrevistado e fotografado pelo Benedito Duarte, que era um outro fotógrafo grande. Gostava muito. Era muito interessante.

Folha - Mas era um cinema no qual você ainda estava aprendendo...

Farkas - É, eu não tinha nada a ver com esse cinema [da Caravana Farkas], porque cinema era estúdio, não era fora de casa. Agora que é uma coisa que tem muita locação, mas naquele tempo era muito estúdio.

Folha - E, em Nova York, você conheceu a Maya Deren, não?

Farkas - Sim, em 1947. Eu recebia muitas revistas de fora, e a Maya [1917-1961] era uma das pessoas mais interessantes que apareciam, fazia cinema avant garde, cinema experimental. Quando fui para Nova York conheci-a, me mandou uma foto com dedicatória, muito legal.

Folha - E outros dois cineastas importantes, o Joris Ivens e o Jean Rouch, acabaram conhecendo sua obra e o admirando, anos mais tarde, não?

Farkas - O Jean Rouch [1917-2004, documentarista francês] gostava daquela coisa etnográfica, gostava das minhas fotografias também. Já o Joris Ivens [1898-1989, documentarista holandês] viu meus filmes, mostrei meus filmes para ele. Eram pessoas muito amigas.

Folha - De brasileiros, em fotografia, o senhor já falou do José Medeiros... quais outros fotógrafos admira?

Farkas - Ah, hoje tem fotógrafos fantásticos brasileiros, grandes, mas eu não vou dizer nomes, porque vou esquecer metade. Na época da galeria, a gente era muito amigo do Mario Cravo, do Miguel Rio Branco, do Pedro Martinelli, do Cristiano Mascaro, do Sebastião Salgado. Tem um monte de nomes, meus amigos, são todos amigos pessoais. Então, para eu citar é chato, mas são todos meus amigos.

Folha - E agora, nessa fase da sua vida, você vê sua obra sendo tema de ciclo de cinema, de exposição de livro... como vê tudo isso? Você fala: puxa, cumpri uma trajetória legal?

Farkas - Ah, a minha vida foi boa. Eu sou um cara feliz. Eu sou um cara que fiz coisas que eu gosto. Eu nunca trabalhei numa coisa que eu não gostasse. A Fotoptica foi interessante, a Politécnica foi interessante, ensinar na ECA foi interessante. Nunca fiz uma coisa chata, sempre consegui escapar.

Folha - E agora você está fazendo mais cliques domésticos, não é?

Farkas - Eu estou... mas agora tenho de ver o meu arquivo de fotografia, que está prejudicado, eu preciso restaurar negativos, está complicado. Eu preciso restaurar negativos preto-e-branco...

Folha - Essa é a sua urgência agora, resgatar sua memória?

Farkas - É, a memória está ai.
 

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