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29/05/2006 - 11h00

Polêmico, "Aurélia" reúne termos do mundo gay

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NINA LEMOS
Colunista da Folha de S.Paulo

Será lançada amanhã, em meio a polêmicas, a livra "Aurélia, A Dicionária da Língua Afiada" (143 págs., R$ 24), pela Editora da Bispa. A frase acima está escrita na forma preferida de comunicação entre alguns dos integrantes do mundo gay, sempre colocando as palavras no feminino.

Isso, segundo os (ou as) autores do primeiro dicionário de expressões gays do Brasil, o jornalista Victor Ângelo, 38, que assina com o codinome de Ângelo Vip, e Fred Libi, que prefere não se identificar e é descrito na obra como um "gay de nascença que refugiou-se nos estudos para entender o mundo que o hostilizava". De acordo com eles, o que era "o",vira "a" entre os homossexuais (leia abaixo).

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
Victor Ângelo, um dos autores do dicionário "Aurélia", que reúne termos do mundo gay
Victor Ângelo, um dos autores do dicionário "Aurélia", que reúne termos do mundo gay
O título é uma alusão ao famoso "Aurélio", de Aurélio Buarque de Holanda, um dos maiores lexicógrafos do Brasil, morto em 1989. "Aurélia" contém 1.300 verbetes, todos descritos, na forma, como em um dicionário tradicional.

"O nome é uma homenagem ao Aurélio. Ele é pop. Tanto que quando você fala em um Aurélio, se refere a um dicionário. Seria muito feio se fosse Houaissa [referência ao autor do "Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa", de Antonio Houaiss]. A prova de que é uma homenagem é que não chamamos o livro de "Houaissa'", explica Victor Ângelo.

Homenagem dispensada

A tal "homenagem" não agradou a família do dicionarista nem a editora Positivo, que detém os direitos sobre as edições e comercialização do "Aurélio" desde 2003. O diretor de marketing do grupo Positivo, André Caldeira, afirmou que "tomaria todas as medidas judiciais cabíveis para defender a marca".

"Quero deixar claro que não é uma prática de homofobia. É proteção a uma marca", disse. Segundo Caldeira, "Aurélia" seria uma "deturpação do nome". "Estão pegando carona em uma instituição muito importante."
O advogado José Pinheiro, um dos proprietários da Editora do Bispo, discorda.

"A própria Lei dos Direitos Autorais diz que são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra original nem lhe impliquem descrédito. É o caso do "Aurélia", que além de não desobedecer a lei, acaba prestando uma homenagem."

A viúva de Aurélio Buarque de Holanda, a também lexicógrafa Marina Baird Ferreira, 83, afirmou, por e-mail, que a família "dispensa a homenagem". "A família em nome do falecido autor declara-se contrária a qualquer demonstração de homofobia, mas dispensa essa "homenagem" ao dicionário."

De acordo com Ivan Junqueira, membro da Academia Brasileira de Letras, "é interessante que exista no Brasil um dicionário de expressões gays". "Só acho que eles pegaram pesado com a brincadeira e erraram na mão. O Aurélio é uma instituição brasileira."

Longe das polêmicas, o autor Victor Ângelo afirma que prefere chamar o livro de "dicionária" e que acha que a catalogação das expressões gays é importante. "Além disso, o livro pode ser usado para que os pais entendam o que os filhos falam. E também para que bofes (heterossexuais masculinos) compreendam melhor as frases de suas namoradas, já que muitas mulheres falam como os gays."

Código dos travestis

De acordo com ele, o livro foi feito por pesquisas realizadas por ele e Fred Lip há cerca de dez anos. "Começamos a perguntar para amiguinhos e amiguinhas. Conversamos com gente do Rio Grande do Sul, Pernambuco e Ceará e também com amigos portugueses. E também entrevistei travestis", explica Ângelo.

Os travestis são os responsáveis, de acordo com ele, por boa parte dos termos. "O bajubá [linguagem usada pelos travestis] é muito interessante, pois antes era um código entre eles. Quando dizem, por exemplo, "aqüenda o alibã", querem dizer cuidado com a polícia."

O tom de "Aurélia" é bastante politicamente incorreto. Na primeira página, eles já avisam: "Este dicionário não tem a pretensão de ser politicamente correto. Muitos termos são chulos e pejorativos, podendo ser ofensivos para determinadas pessoas ou grupos. Nesse caso, recomendamos a interrupção imediata da leitura".

"Não teria graça alguma fazer um livro gay politicamente correto. E também, que coisa chata ter que ser chamado de gay. É viado, é bicha. Muitos grupos ficam com essa coisa de chamar de "homossexualidade", o que é uma chatice."

Apesar de escrito por dois homossexuais, o livro várias vezes tira sarro dos próprios gays. No verbete "piti", por exemplo, eles explicam: "Nervosismo, histeria, ataque de bichice".
Apesar de tão "incorreto politicamente", parte da renda obtida será doada a instituições de apoio a soropositivos.

A noite de autógrafos é amanhã, às 18h30, na Livraria Cultura, no Conjunto Nacional, av. Paulista, 2.073, em São Paulo.

Veja abaixo alguns verbetes retirados de "Aurélia, a Dicionária da Língua Afiada":

A- art, def, fem.
No mundo gay, o artigo definido feminino é, em muitos casos, anteposto a substantivos próprios ou comuns do gênero masculino, sendo que, no caso dos comuns, o substantivo ele próprio também passa, se possível, para o feminino. Ex.: A Pedro, A Mário; a prédia; a fota; a relógia; a dicionária.

Irene - adj (RS)
Velho. O termo é pronunciado ireeeeeeeene, como o berro de um cabrito

Jogar o picumã- espr.
Virar a cabeça, mudando os cabelos de lado, tal como as loiras fazem, só que de um modo um pouco mais inteligente e com a intenção de menosprezar ou ignorar alguém.

Picumã (do bajubá)- S.m.
Peruca, cabeleira, cabelo.

Bafo-Adj.
Termo referente a algo ou alguém que causou alguma coisa. "Ex. Aquela noite foi bafo, bi!"

Jurando- (do v.t.d.i."jurar")
Estar pensando ou acreditando no hype; se sentindo (Expressão usada unicamente no gerúndio).

Bicha-bofe-S.f
Homossexual não efeminado, mas nem sempre ativo.

Bofe-S.m
Homem heterossexual ou homossexual ativo.

Aquendar- (do bajubá) V,t,d. e intr
1-Chamar para prestar atenção, prestar atenção; 2- Fazer alguma função; 3-Pegar, roubar. Forma imperativa e sincompada do verbo: kuein!

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