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08/06/2006 - 09h59

Irã recusa dez vezes roteiros de diretor dissidente

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SÉRGIO DÁVILA
Enviado especial da Folha de S.Paulo a Lavasan, Irã

É tão difícil fazer cinema no Irã hoje em dia que um dos principais cineastas do país, Bahman Farmanara, preferiu ser CEO de uma indústria têxtil. Ele tomou a decisão depois de ver seu décimo script recusado pelo Ministério de Cultura e Guia Islâmica, que deve pré-aprovar todos os roteiros antes de eles começarem a ser filmados. "É um pesadelo kafkaniano", disse ele à Folha.

O cineasta de 64 anos --que morou no Canadá logo após a Revolução Islâmica (1979), é autor de filmes importantes como "Cheiro de Cânfora, Fragrância de Jasmim" (2000), exibido no Festival de Nova York, e foi produtor do primeiro filme de ficção de seu amigo Abbas Kiarostami, "O Relato" (1977)--, recebeu a reportagem em sua casa em Lavasan, a 40 minutos de Teerã, no vale de Gardaneh Ghochak.

Ali, para onde se mudou por recomendações médicas, para fugir da poluição de Teerã desde que sua mulher teve um infarto, Farmanara tem uma vista paradisíaca de um jardim que termina nas encostas das montanhas. "Você sabe qual é a palavra antiga em farsi para jardim?", pergunta. "Paraíso." A sorte de Farmanara parece estar mudando. Como última cartada em sua carreira cinematográfica, ele mandou para aprovação seu 11º script. Foi aprovado.

Leia trechos da entrevista.

FOLHA - Quão difícil é ser cineasta no Irã de hoje?

BAHMAN FARMANARA - Depois da revolução, o governo tenta controlar todos os aspectos de filmagem. Havia censura antes. Você não podia criticar quatro assuntos: a família real, o islamismo, o Exército e a Constituição. Agora, porém, há um código do que você deve filmar. Vou lhe dar um exemplo. Desde que eu voltei ao país, apresentei dez roteiros para o Ministério da Cultura e Guia Islâmica, para ser aprovados, como manda a lei. Os dez foram recusados.

FOLHA - Qual o motivo?

FARMANARA - Eles não têm de se justificar. Algumas vezes, porém, eu insistia em saber o motivo. As respostas eram as mais disparatadas. Num deles, disseram que o roteiro foi aprovado pelo ministro, mas os funcionários do ministério fizeram um abaixo-assinado para que ele fosse recusado, o que me provocou risos. Outro ainda foi recusado porque "não venderia ingressos"... Mas finalmente eles aprovaram o 11º.

FOLHA - E quando estréia?

FARMANARA - Calma, as coisas não são tão fáceis assim. Agora, eu preciso conseguir a aprovação de outro ministério, para importar os negativos. Esse ministério também aprovará o roteiro ou não. Depois, eu preciso contratar os atores, que só trabalham se eu tiver a permissão dos dois ministérios. Os laboratórios só podem revelar os filmes se forem autorizados pelo governo. Você tem de alugar o equipamento de uma estatal. Por fim, eu preciso mostrar a obra pronta de novo para o ministério, que sugerirá cortes. Então, eu tenho de entrar na fila da exibição. É aí que eu brigo com Hollywood, de uma maneira perversa. Como o Irã não paga direitos autorais para produtos ocidentais, mas tem de pagar para os iranianos, é muito mais negócio para o exibidor ter uma fita pirata do novo sucesso norte-americano do que um filme meu. Ou seja, mesmo onde os EUA não têm influência, Hollywood ganha...

FOLHA - Essa via-crúcis é comum ou o sr. tem um tratamento, digamos, especial?

FARMANARA - Por esse processo todos têm de passar, mas os dez scripts recusados sistematicamente são para poucos. No meu caso, é porque eu me mudei do país nos dois primeiros anos após a revolução. No Irã atual, isso fica marcado em seu "currículo" para sempre. E também porque eu me oponho a esse governo abertamente. Acho que religião deve ser parte privada de nossas vidas, não acho que deva governar um país também. Guie um povo como Gandhi fez, espiritualmente e moralmente, porque isso é religião. Mas não é preciso mandar.

FOLHA - O sr. recebeu um convite para filmar na Alemanha.

FARMANARA - Sim. O filme tem fundos do governo alemão. Depois da eleição da primeira-ministra Angela Merkel, me chamaram discretamente e pediram que eu mudasse o enredo. Em vez de um jovem iraniano que se envolve com neonazistas, querem que eu mude para um jovem terrorista que se envolve com alemães. Veja como a censura não é monopólio de nenhum país...

FOLHA - Logo ao voltar ao Irã, o sr. filmou "Cheiro de Cânfora, Fragrância de Jasmim" (2000), em que narra sua própria morte. Agora que ele já existe em celulóide, como o sr. imagina que será o evento verdadeiro?

FARMANARA - Há diversas maneiras de "morrer" num país como o Irã. A que eu narro no filme é uma metáfora de... Bem, você entende. Nem tudo pode ser dito. Minha morte no filme era uma maneira de mostrar esse sentimento, que acabou por quase me levar à morte como cineasta.

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