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28/07/2006 - 10h01

"Estamira" exibe na tela "discurso inclassificável"

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

Por hábito da profissão de fotógrafo, Marcos Prado se atraiu primeiro pela imagem de Estamira. Até o momento em que parou para escutá-la.

Daí em diante, Prado não deixou mais de ouvi-la, durante quatro anos seguidos, no Jardim Gramacho, o lixão do Rio de Janeiro, onde ele realizava um ensaio fotográfico, e Estamira garantia sua existência garimpando raspas e restos.

O registro das conversas com o fotógrafo e cineasta, do cotidiano de Estamira, de sua relação com filhos e neto estão no documentário que leva seu nome e que estréia hoje em cinemas do Rio e de São Paulo.

"Que potência filosófica ela tem, de criar conceitos e definir modos de pensar", disse o filósofo Luiz Fuganti, em debate sobre o filme, promovido pela Folha, na última terça, em SP.

O psicanalista Contardo Calligaris, colunista da Folha, observou no mesmo debate que Estamira construiu "uma cosmologia e uma cartografia" próprias. Para Fuganti, "não é o discurso de uma paranóica, não é classificável pela psiquiatria, não cabe em sistemas".

No primeiro contato que Prado teve com Estamira no Jardim Gramacho, ela contou sua história e suas idéias sobre o mundo ao cineasta --autor de "Os Carvoeiros" (1999), que Prado co-dirigiu com seu sócio José Padilha ("Ônibus 174").

Impressionado com a personalidade de Estamira, ou, nas palavras de Calligaris, com seus "delírios psicóticos de alta qualidade", Prado a procurou dois meses depois, com a proposta de realizar um filme sobre sua vida. Estamira reagiu à idéia com um pensamento sobre justiça: "Tarda, mas não falha", ela disse, segundo conta o diretor.

Na hora de entregar Estamira aos olhos e ouvidos do espectador, Prado diz ter optado por "uma montagem audaciosa, corajosa, perigosa". Isso quer dizer que, nos primeiros minutos, há só discursos de Estamira, sem qualquer outra contextualização ou sem a idéia de "uma história", como afirma o documentarista.

"No exterior, eu via levas de pessoas partindo da sala", conta o cineasta, que exibiu seu filme em diversos festivais internacionais e arrebatou 25 prêmios dentro e fora do país.

Sobre os espectadores que viravam as costas para Estamira, Prado pensava: "É a seleção natural". Nem todos querem ou suportam ouvir o discurso ora raivoso ora doce, mas sempre enfático da catadora de lixo. Assim como nem todos suportam a convivência com o ambiente putrefato do Jardim Gramacho. "Tem gente que não se agüenta com ele [o lixão]", diz Estamira no filme.

Após os 20 minutos iniciais, nos quais o espectador tem contato com o pensamento puro de Estamira, Prado introduz a história de sua vida.

Aos poucos, descobre-se o histórico de distúrbio psíquico de sua mãe e o percurso dramático da vida de Estamira. Aos 12 anos, foi entregue à prostituição pelo próprio avô. Aos 17, conheceu no prostíbulo um italiano com quem se casou e teve sua primeira filha. Vêm em seguida as sucessivas traições do marido, as brigas violentas, a separação, novos casamentos e novos filhos.

O filho de Estamira tentou interná-la como doente mental. É o que ela não perdoa. A filha mais nova foi entregue pelo irmão a outra família, para ser criada longe do Jardim Gramacho. "Minha mãe criou meus irmãos no lixão, acho que poderia me criar também", diz a moça, hoje próxima da mãe.

Em montagens anteriores, Prado chegou a suprimir do filme cenas despudoramente violentas de Estamira. O cineasta voltou atrás. "Descobri que não devo mitificá-la", afirma.

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