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02/11/2006 - 10h31

Português traz filme perturbador com "Juventude em Marcha"

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PEDRO BUTCHER
Crítico da Folha de S.Paulo

Inclassificável, o cinema de Pedro Costa é de uma originalidade perturbadora. Ele exige do espectador um outro tempo, hoje negado à apreciação da imagem, sempre tão rápida e voraz. Os planos de seus filmes são rígidos; a cena, quase sempre estática, e, no entanto, essa aparente "imobilidade" se desdobra na proposta de uma aventura do olhar.

Discípulo assumido do casal Danièle Huillet e Jean-Marie Straub (diretores de "Gente da Sicília"), mas com voz autônoma, Pedro Costa faz um cinema que não é ficção mas também não é documentário; um cinema na contramão do espetáculo, que se torna possível a partir de uma câmera digital; um cinema político em sua carne, e não em sua temática.

Pedro Costa filma há anos os mesmos personagens, moradores de Fontainhas, bairro de Lisboa onde rodou "Ossos" (1997), "No Quarto da Vanda" (2000), e, agora, "Juventude em Marcha". Com essa fidelidade, tão pouco usual, o cineasta procura, em sua própria definição, "documentar uma sensibilidade humana", um tipo de relação com o mundo que está em vias de extinção.

Em "Juventude em Marcha", Pedro Costa se detém em Ventura, um "homem antigo", imigrante cabo-verdiano que trabalhou como operário na construção do museu Calouste Gulbenkian (o mais importante de Lisboa) e, agora, enfrenta a separação da mulher.

Mais adiante, saberemos também que Ventura deverá se mudar para um prédio de apartamentos pequenos, de paredes brancas, construído pelo governo em meio ao processo de remoção dos barracos de Fontainhas, que foram demolidos.

Originalidade

O filme se constrói a partir desse duplo impacto na vida de Ventura: um rompimento amoroso, "espiritual", e um rompimento físico --ambos, porém, radicalmente concretos em seus efeitos.

Mas o filme não é só isso, ou seria um documentário. A diferença está na forma com que Pedro Costa realiza a encenação, sem que ela represente propriamente uma "direção". É algo que muda completamente o estatuto de "Juventude em Marcha"; é o que confere ao filme sua originalidade radical.

Essa forma específica se desvela, por exemplo, na carta de amor que Ventura escreve à mulher. Foi um texto criado em parceria por Ventura e por Pedro Costa, misturando a visão de um à de outro e criando, a partir daí, uma terceira coisa, que será uma espécie de "leitmotiv" poético-musical.

Existem, ainda, as intervenções de Vanda, personagem do longa-metragem anterior do cineasta, que reaparece aqui acompanhada de sua filha pequena em uma longa seqüência com a presença de Ventura e de uma televisão ligada, que não pára de falar, agora no quarto de seu novo apartamento.

O filme é feito desses encontros, e também do efeito que esses encontros causam sobre as pessoas e, conseqüentemente, sobre a película.

Mas é em sua dimensão temporal que "Juventude em Marcha" apresenta uma sofisticação absurda. Pedro Costa filma os encontros de Ventura com seus filhos, reais ou imaginários, existentes ou fantasmagóricos --não se sabe ao certo--, misturando, constantemente, passado e presente.

A câmera parece transitar por dimensões diferentes sem que, para isso, precise recorrer a qualquer efeito que não seja interno à lógica do filme (uma angulação ou uma movimentação, por exemplo).

"Juventude em Marcha" é, enfim, um convite para que nosso olhar se perca por dentro e por entre as imagens, pela poesia que pode se formar a partir de uma determinada forma de capturar o mundo. Isto é, pelo cinema.

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